A MAÇONARIA E A CONEXÃO EGÍPCIA

Todos os maçons sabem que a sua prática está umbilicalmente ligada à tradições egípcias e judaicas, muito mais até que á tradições cristãs. Essa é, aliás, uma das razões que faz com que as chamadas igrejas cristãs olhem com certa desconfiança para a Maçonaria, vinculando-a a práticas heréticas que já causaram muito constrangimento, principalmente à Igreja Católica. É uma besteira, já que a Maçonaria não é uma religião, mas sim uma sociedade de pensamento, eclética e ecumênica, que admite em seu bojo todos os credos, sem se inclinar por nenhum deles. Mas quando se trata de religião, é difícil encontrar um meio termo. Quem adota uma como caminho, sempre tende a excluir as demais.
As mais antigas tradições egípcias atribuem a um personagem lendário, chamado Menés (ou Merner), a façanha de ter unificado politicamente o Egito. Tendo unido num único reino as cidades do Alto e do Baixo Egito, ele teria  dado início à dinastia dos reis daquele país, os chamados faraós. Seu nome não foi registrado no documento que informa os nomes dos faraós, as famosas Pedra do Cairo e Pedra de Palermo, lista compilada em uma estela esculpida na V dinastia, encontrada nas ruínas de Mênfis, mas todos os historiadores antigos a ele se referem como sendo o primeiro rei a governar as terras do Egito em um governo unificado.  Segundo a tradição, ele teria herdado o trono diretamente do deus Hórus, o filho de Osíris e Ísis.
Na época da unificação (cerca de 3000 a C), o vale do Nilo já hospedava uma cultura bastante desenvolvida. Avançadas técnicas de agricultura, medicina, metalurgia e outros conhecimentos que caracterizam a existência de uma civilização já eram praticadas pelos povos daquela região.
Era crença antiga entre os egípcios que tudo isso lhes havia sido ensinado pelo deus Toth, que os gregos chamavam de Hermes (O Trismegistos). Ele instruíra os antigos sacerdotes e estes se tornaram os “iniciados” que deram ao Egito a grande civilização que os povos do Nilo possuíam desde tempos imemoriais, conforme se lê nos famosos tratados conhecidos como “Corpus Herméticus”.
Esses iniciados eram aqueles que naqueles tempos se chamavam de “mestres” nas chamadas profissões sagradas, como tais eram consideradas as ocupações dos médicos, engenheiros, sacerdotes, astrônomos e homens de ciência, capazes de realizar grandes obras de engenharia, complicadas intervenções cirúrgicas, trabalhar os metais, interpretar a vontade dos deuses e interferir no curso da natureza, provocando chuvas, mudando a direção dos ventos, transformando metais comuns em ouro, etc.
É dessa tradição, inclusive, que se origina a alquimia. Essa arte era praticada pelos sacerdotes egípcios desde os tempos pré-históricos. Foi derivada da metalurgia, a partir da técnica de aplicação de banhos de ouro em peças de cobre, artesanato no qual eles eram peritos. Com o tempo cristalizou-se a tradição de que os templos egípcios detinham também o segredo de fabricar ouro. Esses poderes eram atribuídos especialmente aos sacerdotes do santuário de Heliópolis, tanto que o alquimista Fulcaneli consagra uma de suas obras (O Mistério das Catedrais), aos Irmãos de Heliópolis. Jâmblico, Pelásgio e os filósofos que escreveram a obra conhecida como “Corpus Herméticus”, também se referem aos poderes que seriam próprios dos sacerdotes desse santuário. Destarte, se Moisés foi realmente uma alta personalidade da casa real egípcia, antes de tornar-se o líder dos hebreus, é possível inferir que ele também tivesse tido acesso a esses conhecimentos, o que justifica o caráter de mago com que ele aparece na Bíblia. Explica também a perícia de seu irmão Aarão na arte da metalurgia, pois somente um sacerdote com esses conhecimentos poderia ter fabricado o famoso bezerro de ouro (que nada mais era do que uma estátua do deus Ápis dos egípcios). Mas há quem sustente, como o Dr. Sigmund Freud, por exemplo, que Moisés, na verdade, foi o faraó Akhenaton, que promoveu uma revolução monoteísta no Egito. Essa é hoje uma tese bastante respeitada pelos estudiosos, que vêem na religião judaica primitiva, vários pontos de convergência entre a doutrina de Akhenaton e aquela que Moisés ensinou aos israelitas, ou seja, a doutrina de um deus unico, representada pelo disco solar. Veja-se inclusive a convergência de nomes entre o deus egípcio adorado por Akhenaton (ATon) e o deus hebreu revelado por Moisés aos israelitas (IHVH, Jeová, que em hebraico se escreve Adonai, o Senhor).

                                 


Todavia, apesar da vasta literatura esotérica existente sobre o assunto atribuir à classe sacerdotal egípcia uma imensa gama de segredos arcanos, os registros históricos são bastante concisos ao se referir a esse assunto. Na verdade, quem denunciou o caráter místico, esotérico, que a religião solar dos egípcios assumiu, foi os filósofos gregos da chamada escola hermética, já que os próprios egípcios sempre fizeram questão de manter em estrito segredos esses conhecimentos.
Até a revolução de Akhenaton, a hierarquia sacerdotal estava organizada muito mais para fins de administração do Estado do que para propósitos religiosos ou iniciáticos. Não havia uma classe sacerdotal propriamente dita, mas sim ordenações sacerdotais que eram feitas pelos faraós, os quais escolhiam entre os seus súditos os membros do clero. Foi somente a partir dessa intervenção do faraó na vida religiosa dos seus súditos, que a classe sacerdotal começou a se organizar de forma independente e a ganhar poder. Data dessa época também o caráter místico que a essa classe foi atribuído já que a religião monoteísta adotada por Akhenaton comportava uma boa dose de ritualismo iniciático, especialmente dirigida ao deus Aton.  
A classe sacerdotal egípcia era bastante estratificada. Havia a classe superior, que ostentava o título de hem-netjer, palavra que literalmente significa servo do deus, que pode ser traduzido por sacerdote. Porém o Sumo Sacerdote era o próprio faraó. Só ele detinha o poder de intermediar a relação entre os homens e os deuses no Egito. Havia uma classe intermediária conhecida por wab, literalmente, os homens puros, (semelhantes aos kadoshs, sacerdotes judeus considerados sagrados). E mais abaixo na hierarquia, havia os chamados pais divinos, que não eram exatamente sacerdotes, mas nobres que participavam dos ofícios religiosos, exercendo certas funções litúrgicas.
Em princípio as funções sacerdotais não eram privativas nem vitalícias. Os sacerdotes podiam ser destituídos pelo faraó e normalmente se fazia um rodízio entre os escolhidos. Cada grupo exercia a função por um período de tempo, geralmente três meses a cada ano. Homens e mulheres do povo podiam ser escolhidos para a função: camponeses que exploravam a terra sagrada, artesãos, dançarinas, músicos e outros profissionais podiam ser nomeados sacerdotes. Seus serviços eram pagos em mercadorias, as quais, em princípio, eram consideradas como propriedade do deus patrono do santuário.
Os convocados para trabalhar nos templos ficavam também isentos de alguns impostos e geralmente eram liberados dos trabalhos compulsórios que normalmente se exigiam do restante da população, tais como abrir canais de irrigação, construir edifícios públicos, etc. Uma das obrigações que eles assumiam era o juramento de jamais revelar os segredos ou mistérios dos quais participavam nos templos.Evidentemente nem sempre o faraó tinha condições de exercer as funções sacerdotais. Assim, com o tempo essa função foi sendo delegada a um Sumo Sacerdote da sua escolha. Para alcançar essa honrosa posição era preciso que o candidato tivesse uma esmerada educação nas artes e nas ciências. Dessa forma, logo se desenvolveu uma carreira eclesiástica organizada, com disciplinas curriculares, como leitura, escrita, engenharia, aritmética, geometria, astronomia, etc. Foi assim que os sacerdotes de Heliópolis e de outros templos se tornaram guardiães dos conhecimentos sagrados e ganharam reputação de sábios, que perdura até hoje.
Um documento jurídico contendo o testemunho de um sacerdote de Heliópolis, atualmente depositado no Museu de Turim, dá uma descrição das funções de um sacerdote egípcio. Esse sacerdote exerceu o ofício no santuário de Amon-Rá em Karnac, em algum tempo entre 1310 e 1320  a C., no reinado de Ransés II. Seu nome era Bakenkhonsu. Nesse documento consta uma inscrição a ele atribuída, que diz, textualmente:
“Passei 4 dos meus primeiros anos 11 anos como aprendiz, sendo responsável pela estrebaria de adestramento de Seti I. Durante quatro anos fui sacerdote puro de Amon. Durante 12 anos fui pai divino de Amon. Durante 15 anos fui terceiro profeta de Amon. Durante 12 anos fui segundo profeta de Amon. Ele me glorificou em reconhecimento ao meu caráter. Ele me investiu da função de grão-sacerdote de Amon durante 27 anos. Eu fui um bom pai para os meus subordinados, amparando seus descendentes, dando a mão aos que estavam angustiados, reanimando os que estavam na miséria, fazendo obras uteis em seu templo enquanto fui mestre-arquiteto de Tebas.” 
 
A relação com a Maçonaria
 
Rezam também as antigas tradições que nos santuários egípcios a ciência da arquitetura era arte considerada sagrada. Conhecimentos secretos, aplicados á essa técnica, eram transmitidos de forma iniciática a uns pouco escolhidos e conservados como segredo de Estado. É sabido que os egípcios eram notáveis construtores. Seus monumentais edifícios, construídos para servirem de tumbas e templos para suas divindades resistiram ao tempo e à destruição que as guerras naturalmente provocam nas obras humanas.
O termo pedreiro provavelmente foi cunhado nesses antigos tempos, quando as construções eram erguidas principalmente com pedras. Aplicava-se esse título tanto para aqueles trabalhadores que labutavam nas pedreiras, extraindo, cortando e trabalhando artesanalmente as pedras que seriam usadas na construção, quanto para aqueles que as assentavam, e também aos artesãos, que as transformavam em obras de arte. Maneton, sacerdote egípcio que viveu no século II a. C., informa que nessa época esses profissionais da construção já haviam adotado a prática de organizar-se em Confrarias para preservar os segredos da profissão e defender os seus mercados, daí alguns autores maçônicos falarem na existência de uma forte Maçonaria operativa entre os antigos construtores egípcios.
                                          
Eis aí, portanto, na tradição dos Irmãos de Heliópolis, o vínculo que os liga á prática da moderna Arte Real. Um conjunto de temas, práticas e tradições que ainda hoje são observáveis na estrutura da Maçonaria (especialmente nos chamados ritos de inspiração egípcia).
A Maçonaria, portanto, nada mais faz do que preservar a tradição religiosa egípcia, sabendo que ela está na origem da cultura religiosa de Israel, e esta é o fundamento da cultura cristã. E nesses fundamentos podem ser encontradas todas as manifestações espirituais dos antigos povos, incluindo os povos do Oriente (hindus, persas, chineses) e do Ocidente, como gregos e romanos, o que explica o apego dos maçons à geometria, à filosofia e especialmente ao pitagorismo. Pois que, no fundo, a fonte da espiritualidade é uma só. Ela vem da Luz de Deus, seja qual for a forma em que ela se manifesta para nós. O grande erro da humanidade é querer particularizar esse fenômeno, achando que a sua forma de crer é a certa e as demais são erradas.