IMPORTÂNCIA DOS MUSEUS NA FORMAÇÃO CULTURAL DO PAÍS

UNILAB – Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira

Curso de Mestrado em Sociobiodiversidade e Tecnologias Sustentáveis

Disciplina: História Sócio-Cultural Africana e Afro-Descendente

Ministrante: Professor Doutor Luís Tomás Domingos

Aluna: Tereza Maria de Lima

IMPORTÂNCIA DOS MUSEUS NA FORMAÇÃO CULTURAL DO PAÍS

REDENÇÃO

2014

IMPORTÂNCIA DOS MUSEUS NA FORMAÇÃO CULTURAL DO PAÍS

Tereza Maria de Lima

Mestranda - UNILAB lorenaeleonelalbano@gmail.com

Resumo: O intuito deste trabalho é interpretar a importância dos museus na formação cultural do país, partindo de uma visita realizada ao Museu Senzala Negro Liberto, que fica situado no município de Redenção, cerca de 60 km de Fortaleza – Ceará; espaço guardiã da história sócio-econômica-cultural do país. Neste contexto, o ser humano se faz presente em toda a sua essência, movido pela ausência, pela felicidade que lhe é negada na sociedade de classes. E é nesta essência que ocorre a relação vertical Homem – Mundo. Uma relação de poder que se constroi no cotidiano de uma sociedade egoísta e individualista. Assim, este trabalho busca analisar a objetividade das fontes orais, escritas e documentadas, ligadas ao comportamento cotidiano das pessoas e aos fatos históricos que marcam a vida de um povo. A reflexão que se propõe é conhecer as partes para desvelar o todo. Este trabalho resulta da disciplina História Sócio-Cultural Africana e Afro-Descendente, ministrada pelo Professor Doutor Luis Tomás Domingos, do Curso de Mestrado em Sociobiodiversidade e Tecnologias Sustentáveis da UNILAB – Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira, em Redenção – Ceará, 2014.

Palavras Chaves: História. Escrita. Cultura. Museu. Relações.

Summary: The aim of this work is to interpret the importance of museums in cultural formation of the country, from a visit made to the Freed Slaves Black Museum, which is located in the town of Redemption, about 60 km from Fortaleza - Ceará; space guardian of socio-economic and cultural history of the country. In this context, the human being is present in all its essence, moved by the absence, for the happiness denied to it in class society. And it is this essence that is the vertical relationship Man - World. A power relationship that is built on a daily selfish and individualistic society. Thus, this paper seeks to analyze the objectivity of oral, written and documented sources, linked to the everyday behavior of people and historical events that mark the life of a people. The reflection is proposed that the parties meet to unveil the whole. This work is the result of discipline Socio-Cultural History African and Afro-Descendant, taught by Professor Luis Domingos Tomás, the Masters Course in Sustainable Technologies and Sociobiodiversity UNILAB - University of International Integration Lusophone African-Brazilian, in Redemption - Ceará, in 2014.

Keys words: History. Writing. Culture. Museum. Relations.

 

1 Introdução

Este trabalho escrito parte de uma visita realizada ao Museu Senzala Negro Liberto, em Redenção – Ceará, objetivando conhecer a diversidade histórica, cultural, social e política de um sistema econômico escravista, no intuito de refletir sobre a importância dos museus na formação cultural do país. A reflexão que se põe é como estabelecer uma relação que permita ao ser humano interpretar um contexto histórico através da leitura de objetos, imagens, textos escritos e das diferentes visões de homem e de mundo na linguagem oral de quem os apresenta. Assim, a partir de que ponto – em um espaço de conhecimento em que tantas e tamanhas diferenças interagem – se pode ter a pretensão de buscar um consenso ou concordância mínima necessária sobre o processo vivido; partindo do pressuposto de que o homem é capaz de vislumbrar a distância que o separa do status quo a um status sonhado, que sua própria natureza busca um contínuo crescimento.

Neste sentido, o estudo tem inicio no município de Redenção, no Maciço de Baturité, primeiro a abolir a escravatura no Brasil — 1º de janeiro de 1883. Entretanto, antes do dia 13 de maio, data oficial da abolição da escravatura em todo o País, como relata a história escrita e oral, Redenção alforriou o último negro em 25 de março de 1883, marcando a libertação no Ceará.

Assim, na tarde de terça-feira, 23 de setembro de 2014, das 14h30min às 14h00min, alunos do Curso de Mestrado em Sociobiodiversidade e Tecnologias Sustentáveis da UNILAB – Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira, da disciplina História Sócio-Cultural Africana e Afro-Descendente, ministrada pelo Professor Doutor Luís Tomás Domingos, participaram de uma aula de campo realizada no Museu Senzala Negro Liberto.

Justifica-se a visita pela necessidade de interpretar in locus parte do conteúdo estudado em sala de aula, no sentido de relacionar teoria e prática, objetivando conhecer a diversidade histórica, cultural, social e política de um sistema econômico escravista. Contudo, para a realização da visita fez-se necessário um contato anterior com os responsáveis pelo Museu que, autorizando à visita por uma taxa considerável de R$ 5,00 - cinco reais por pessoa disponibilizaram um guia para acesso às dependências.

Então, contextualizando, o Engenho Livramento situa-se às margens da CE-060, em Redenção, totalizando 524 equitares de atividade agrícola, onde se destaca a plantação de cana de açúcar para industrialização de 15 mil litros de cachaça de pura cana envelhecida em tonéis de carvalho e bálsamo; tendo como ponto forte uma casa-grande com senzala no porão preservada desde o século XVII, motivo da visita.

E, partindo de uma metodologia descritiva, propõe-se desenvolver o diálogo entre a história escrita, oral e os documentos oficiais, visando analisar a funcionalidade da história, bem como enfatizar a importância dos museus na formação cultural do país. Tendo em vista que as organizações somente serão satisfatoriamente compreendidas a partir do momento em que a sua história for conhecida, independente da forma.

Em síntese, entende-se que pessoas com sua pluriculturalidade, singulares, com suas visões diferentes de homem e de mundo têm em comum a natureza própria do homem, e o que lhe é comum; movido pela ausência, pela felicidade que lhe é negada na sociedade de classes, o homem a constrói à medida do fazer diferente, de fazer a diferença do que está posto no cotidiano.

2 A importância dos museus

Os museus são importantes por muitos motivos, começando pelo conceito, que no dicionário Aurélio (2011) dentre outros significados encontra-se “o lugar destinado ao estudo das ciências e das artes”. Entretanto, para o Sistema Brasileiro de Museus, a palavra Museu passou a ser definida como “uma instituição permanente, sem fins lucrativos, a serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, aberta ao público e que adquire, conserva, investiga, difunde e expõe os testemunhos materiais do homem e de seu entorno, para educação e deleite da sociedade”.

Ainda em relação ao conceito, o Estatuto dos Museus - Lei Nº 11.904/2008 - define Museu como “uma instituição sem fins lucrativos que conserva, investiga, comunica, interpreta e expõe; para fins de preservação, estudo, pesquisa, educação, contemplação e turismo, conjuntos e coleções de valor histórico, artístico, científico, técnico ou de qualquer outra natureza cultural, aberta ao público, a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento”.

A literatura revela que a importância dos Museus vem bem antes, no século II (a.C.) no Egito, quando Alexandria criou o mouseion - espaço onde havia estátuas, obras de arte, instrumentos cirúrgicos e astronômicos, peles de animais raros, presas de elefantes, pedras preciosas, entre outros objetos históricos, no intuito de interpretar e discutir o conhecimento dos fatos e, sobretudo, o saber contido nas Enciclopédias. E os museus que se sucederam datam do século XVII, com coleções particulares doadas às instituições acadêmicas ou governamentais. Mas, foi a partir do século XIX que começa a surgir inúmeros museus de grande importância para a sociedade.

No Brasil, por exemplo, os museus foram surgindo aos poucos, com ênfase no século XX, tendo destaque, o Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, inaugurado em 1947, considerado pela sua quantidade e qualidade dos diversos tipos de obras artísticas, literárias e arqueológicas.

Assim, os museus estão inseridos em um contexto de organização social com diversas funções, contribuindo para a formação cultural do país. Sendo suas funções conservar e exibir obras, docu¬mentos e objetos. Eles trazem uma bagagem bem abrangente que constituem espaço cultural por excelência por mostra o passado de uma sociedade e seu significado para os dias atuais; tornando-se assim, um magnífico ambiente de cultura, daí a sua importância.

3 A visita realizada ao Museu Senzala Negro Liberto

O Museu Senzala Negro Liberto fica em Redenção, cerca de 60 km de Fortaleza é parte da fábrica de aguardente de cana de açúcar, produzida na fazenda desde 1873. A priori, os escravos fabricavam a cachaça por meio das chamadas pedras-mor e, de acordo com o guia do Museu - Luan, quase exclusivamente para o próprio consumo. Nele, cada objeto tem uma história, das imagens aos adornos materiais. Destacando cada pedacinho de chão.

Instalado na Casa Grande do antigo Engenho Livramento. Desde 1873, o engenho ficou nas mãos de três coronéis: Simião Jurumenha - até 1913, Juvenal de Carvalho - até 1930 e Galdioso Bezerra Lima. Desde então, o local tem permanecido na família de Galdioso. Sendo que atualmente, Hipólito Rodrigues de Paula Filho, conhecido como “Potin”, 60 anos, e sua filha Eneida Muniz Rodrigues, 34 anos, são os responsáveis pela manutenção da área.

O Museu Senzala Negro Liberto localiza-se no Engenho Livramento, no município de Redenção, no Estado do Ceará e no País Brasil. Situa-se às margens da rodovia CE 060, entre os municípios de Redenção e Acarape. O Sítio Livramento abriga o referido Museu, canavial, bem como a unidade de produção da aguardente de cana de açúcar. Este sítio foi construído em 1873 pela família Muniz Rodrigues, que ainda é a proprietária deste e idealizadora do museu.

O marco histórico deste engenho foi à concessão, em 25 de março de 1883, de alforria a todos os negros cativos, cinco anos antes da decretação da Lei Áurea pela princesa Isabel.

O canavial estende-se às margens do rio Acarape/Pacoti. Vale salientar que no Engenho Grande há uma máquina de moagem de cana-de-açúcar fabricada na Escócia em 1927. Ele ainda funciona entre os meses de agosto a dezembro, produzindo entre 8 a 15 mil litros de caldo de cana por dia para a produção de cachaça e é ecológico por funcionar a vapor e utilizar o bagaço da cana-de-açúcar como combustível.

O Museu, criado em 2003, é composto por casa-grande, senzala, canavial, a moageira e uma lojinha - Mercado da Sinhá. Este conjunto arquitetônico colonial é original e encontra-se em boas condições de conservação. Nele, há o Mercado da Sinhá, onde é possível se degustar da cachaça produzida e envelhecida em tonéis de bálsamo por 30 anos.

A casa-grande e a senzala encontram-se sob o mesmo teto, sendo que a senzala localiza-se no subsolo desta, demonstrando o total controle dos senhores aos escravos.

3.1 Casagrande

A casa grande possui características especiais. Seu piso é de mosaico português, originário do século XVII. Como expressou o Professor Doutor Luís Tomás Domingos: “Toda a tradição dos azulejos tem herança árabe.” O primeiro proprietário, Simião Jurumenha, português de nascimento, era considerado o único dono de escravos em Redenção. Após a libertação, ele vendeu a fazenda para Juvenal de Carvalho, na época com 100 hectares. Em 1930, possuía 500 hectares.

Ela contém objetos inusitados como a cabeça de boi de 1959, utilizada pelos coronéis para guardar a cachaça, e um grande acervo histórico como a caneta bico de pena utilizada para registrar a escritura das terras da fazenda de 1885, vendida após a abolição de escravos na região.

O casarão foi construído no século XVIII. Abriga móveis do final do século XIX, utensílios antigos, fotos da família Muniz Rodrigues e histórias da época da escravidão. Nas salas do casarão são conservados objetos doados ou dos antigos donos. Um deles é uma peça do século passado que servia para engarrafar a cachaça e colocar a tampa de cortiça. Outras peças históricas são um pilão de pedra e um tabuleiro cristalino pertencente à família de Juvenal de Carvalho, um dos donos do casarão, que era usado para descascar e triturar arroz, milho e café. Existe ainda uma coleção de cédulas antigas da época da abolição e documento de compra e venda de escravos.

A estrutura da Casa Grande, construída em 1750, é original. Cada detalhe nos compartimentos expressa uma nova história. Logo na varanda, há uma cabeça de boi. Segundo o guia Luan, a pessoa que tocar nele, recebe um par de chifres em até oito dias. Ao lado da cabeça, há um sino com a seguinte frase: Sino para anunciar a labuta. Luan explica que caso alguém toque o sino, se for solteiro, não conseguirá casar e se for casado, em pouco tempo irá se separar ou fica viúvo.

Não apenas os proprietários contribuíram para preservar a história do local, como também a senhora Maria Estela, hoje com 90 anos de idade. Atualmente, ela reside em Fortaleza com os filhos. Porém, mais de meio século de sua vida passou-se ao lado da família de Galdioso, no Engenho Livramento. É uma memória viva.

O guia informou que Maria Estela relatou a morte de uma escrava na fazenda, que causou, acidentalmente, a morte do único filho do senhor Simião. Ela deveria pagar com a própria vida. Então, foi queimada viva em um fogão à lenha e sepultada, também em vida, na senzala.

Na casa, também está preservado o documento que traz o nome do antigo município de Redenção: Vila do Acarape - a atual cidade de Acarape chamava-se Calaboca. O motivo do Calaboca se deu porque na antiga Acarape existia um mosteiro de frades, com a presença de vários indígenas. No momento em que os frades se reuniam para fazer suas orações, os índios os incomodavam com barulho. Daí, várias vezes os frades se dirigiam até eles e os mandavam calar a boca.

Freire (1933) relata que a casa-grande abrigava uma rotina comandada pelo senhor de engenho, cuja estabilidade patriarcal estava apoiada no açúcar e no escravo. O suor do negro ajudava a dar aos alicerces da casa-grande sua consistência quase de fortaleza. Ela servia de cofre e de cemitério. Sob seu teto viviam os filhos, o capelão e as mulheres, que fundamentariam a colonização portuguesa no Brasil.

Foi na casa-grande que o colonizador começou o seu império, as relações de poder, como um rei em seu castelo, numa expressão nova do imperialismo português. Nesse espaço, o branco e o negro se misturavam e alteravam as relações sociais e culturais, criando um novo modo de vida no século XVI.

3.2 Senzala

A senzala situa-se no subsolo da Casa-Grande, demonstrando o total domínio dos senhores de engenho aos escravos cativos. Nas palavras do Professor Doutor Luís Tomás Domingos: “Uma relação de dependência ainda presente nas relações sociais atuais”. Essa relação de dependência e exploração funciona atualmente de forma ideológica, ambígua, paternalista, não deixa o ser se libertar, mas condiciona-o aos prazeres do poder econômico tão presente nas classes sociais.

Este espaço de exclusividade dos escravos era o local de “descanso” e de castigo, onde eles sofriam todo tipo de tortura e, como eram muito altos - tinham cerca de 1,90 metros - precisavam ficar deitados. Quanto mais rebeldes, mais no fundo ficava, um cômodo úmido, mas parecido com um túnel, de teto baixo, com uma única e estreita entrada de ar com grades. No cubículo escuro, eram colocados cerca de dez escravos que, quando desobedeciam ou se tornavam rebeldes, eram chicoteados e torturados psicologicamente. Neles viviam cerca de 100 escravos. Eles eram obrigados a entrar ali às 18 horas e sair às 6 horas. Dormiam no chão, em cima de esteiras de palha. Em cada cômodo, encontram-se os instrumentos de tortura, como as correntes, algemas e gargalheiras. Essas últimas serviam para prender o escravo na parede pelo pescoço. Tinha até para criança e adolescente.

Interessante também visualizar a senzala das Mucamas. De 6 a 8 na fazenda, viviam separadas dos demais para não contaminar a família com piolhos e doenças. Nela vê-se uma janela, por onde os senhores a escolhiam para amasiar e uma portinha por onde eram levadas para dentro da casa. Entre o piso da Casa e a senzala as Mucamas passavam açúcar para calar a boca dos bebês que choravam durante à noite e corriam o risco de serem castigadas pelos amos.Qualquer barulho ou conversas entre eles era motivo para serem castigados. Muitos ficavam à noite presos em algemas nas paredes, de braços para cima.

Na senzala, também foi conservado o tronco onde os negros ficavam imobilizados e apanhavam com chicotes que tinham lâminas de ferro. Quando algum tentava fugir, ficava no tronco durante nove noites, quando era chicoteado e depois recebia um banho de água e sal. Outro tipo de castigo eram as algemas usadas pelo feitor - administrador da fazenda - para prender os escravos na parede. Eles ficavam de braços para cima, e muitos com os pés sem tocar no chão.

Os vários castigos sofridos pelos escravos, como o tronco, vira-mundo, sala dos troncos e solitárias, podem ser percebidos e imaginadas através dos objetos presentes na senzala.

A passagem interna da senzala para a casa grande era por dentro do banheiro do senhor do engenho. Era uma porta forte e estreita e paredes muito largas para que os escravos não invadissem o casarão. Na sala da mucama - escrava jovem que era escolhida para auxiliar nos serviços caseiros -, tinha um janelão onde o senhor do engenho apontava a escolhida e uma porta por onde as preferidas entravam para a casa grande e submeter-se aos caprichos de quem os dominava.

4 A importância dos museus na formação cultural do país

Os museus como expressão indispensável na formação cultural do país apresentam um acervo que traz de forma documental a história da humanidade - como o exemplo acima citado - e a produção do conhecimento. Eles auxiliam na compreensão de uma dada realidade, a partir de uma viagem na história ou nas histórias vividas, trabalhando a melhor maneira de como uma cultura encontra-se com outra, mais antiga. Neste encontro, o museu faz o papel de mediador e os agentes dessa mediação são os participantes do processo.

A importância dos museus fundamenta-se, pois, pela preservação da memória e da História de um povo. Uma historia presente na veracidade dos documentos existentes, destinada à construção e disseminação do conhecimento na sociedade.

Este diálogo sobre a importância dos museus destaca as discussões sobre a relação entre passado e presente, enfatizando novos estudos sobre a história. E o ato de lembrar parte da vivencia em grupo, das representações do passado e da internalização de representações de uma memória histórica. A lembrança, de acordo com Halbwachs (2004),

É em larga medida uma reelaboração do passado com a ajuda de dados emprestados do presente, e, além disso, preparada por outras reconstruções feitas em épocas anteriores e de onde a imagem de outrora manifestou-se já bem alterada (HALBWACHS, p. 75-76).

Dessa forma, quando entram em contato com as lembranças de outros, elas podem ser simuladas, pois não há memória que seja somente imaginação pura e simples, elas são, como afirma Halbwachs, representação histórica construídas no exterior, isto é, todo este processo de construção da memória passa por um referencial que é o sujeito (HALBWACHS, p. 78, 81).

Nesta temática, a memória individual não está isolada, encontra-se relacionado às percepções produzidas pela memória coletiva e pela memória histórica. A vivência em vários grupos desde a infância estaria na base da formação de uma identidade cultural. As percepções adicionadas pela memória não se resumem em datas, nomes e fórmulas, eles representam experiência, reencontros, vivências, histórias passadas. Dessa forma, a memória é compreendida como a sucessão de acontecimentos marcantes na vida de um povo.

Até Gilberto Freyre, em Casa Grande e Senzala (1933) foi buscar nos museus os diários dos senhores de engenho, a vida pessoal dos antepassados a história do homem brasileiro, a sua própria história, buscando resposta à indagação: “O que é ser brasileiro?” Assim, procurava escrever sobre o ser brasileiro. Trabalhou o conceito antropológico de cultura como o conjunto dos costumes, hábitos e crenças do povo brasileiro.

A história escrita, por sua vez, encontra-se pautada na síntese dos grandes acontecimentos de um país, de uma nação. Nas palavras de Halbwachs (2004) faz das memórias coletivas apenas detalhes. Em suas próprias palavras:

O detalhe somado ao detalhe resultará num conjunto, esse conjunto se somará a outros conjuntos, e que no quadro total que resultará de todas essas sucessivas somas, nada está subordinado a nada, qualquer fato é tão interessante quanto o outro, e merece ser enfatizado e transcrito na mesma medida. Ora, um tal gênero de apreciação resulta de que não se considera o ponto de vista de nenhum dos grupos reais e vivos que existem, ou mesmo que existiram, para que, ao contrário, todos os acontecimentos, todos os lugares e todos os período estão longe de apresentar a mesma importância, uma vez que não foram por eles afetadas da mesma maneira (HALBWACHS, 2004, p. 89-90).

Entretanto, se a memória pode ser representada pela vida, por ser expressa por seres vivos, a história escrita se apresenta, por conseguinte, como uma representação sempre passada, incompleta, descontínua. Na verdade, a história escrita, enquanto representação do passado se atrela a continuidade e descontinuidade temporais, sendo, pois, uma operação intelectual que demanda análise e discurso crítico.

A memória, na visão de Nora (1993) “é afetiva e mágica, emerge de um grupo que ela une, é múltipla, acelerada, coletiva, plural e individualizada (p. 8). Então, como afirma:

A memória, que tradicionalmente conferia às sociedades suas identidades sociais, teria sido sequestrada pela história. Sendo que a primeira seria a vida, e a segunda sempre uma construção problemática do que já não existe. Deste modo, o historiador tenderia ao universal, enquanto o cuidado com a memória remeteria ao concreto, ao que se vincula espacialmente à determinada realidade. A História, segundo o autor, vai transformar a memória em objeto de uma história possível (NORA, p. 9).

Assim, a identidade só se constrói a partir de referências exteriores e a memória é resultado de experiências vividas. Portanto, ao lembrar um episódio vivenciado no passado, o ser humano reconstitui o que aconteceu; a partir de reações ou experiências do passado organizadas.

Neste contexto, os museus, espaços culturais, são os responsáveis por preservar a história e a cultura da humanidade. Eles são, por excelência, locais de observação, interação e reflexão. Diversas histórias estão ali prontas para serem narradas: histórias de outras épocas evocando povos e civilizações antigas, com suas maneiras de viver e pensar; e do mundo contemporâneo do qual o ser humano faz parte, com suas novas descobertas, formas de expressão artística, cultural etc. São espaços simbólicos, muitas vezes mágicos e surpreendentes, capazes de oferecer uma experiência ao mesmo tempo educativa e divertida.

5 Considerações Finais

O presente estudo possibilitou uma visão mais aprofundada sobre a importância dos museus na formação cultural do país. A visita realizada ao Museu Negro Liberto revela, em evidências, as marcas da história brasileira que remontam ao século XVIII, momento vivido no país pelo binômio escravo e senhor de engenho.

A aula de campo foi importante para a construção do conhecimento partindo da observação e imaginação das vivencias de uma época e de sua influencia no contexto atual. Dessa forma, ao trocar ideias e informações sobre determinado fato, obtêm-se um conhecimento diversificado, mais próximo do real. Portanto, fica claro a importância que os museus exercem na edificação dos conhecimentos humanos, transmitindo de forma explicita os fatos históricos, políticos, sociais e culturais que influenciaram fortemente a construção de uma memória cultural.

Fazer o estudo teórico e depois visitar o museu possibilitou o encontro entre a teoria e a prática em busca do conhecimento. O diálogo apresentada neste estudo tentou buscar a concretização do objetivo de interpretar a relação história escrita e oral, buscando uma melhor compreensão da cultura do ser humano e seus legados, no sentido de interpretar memórias, opiniões, ideias, emoções, sentimentos, percepções, comportamento, práticas, ações, atividades, interações, crenças, compromissos, produtos e processos; fenômenos que têm muito a revelar sobre a realidade sócio-cultural de um povo. Isto porque uma história, oral ou escrita, se refere a um dado contexto, tendo o presente como continuidade do passado, ou seja, o passado está na vida presente das pessoas.

Em síntese, todas as fontes históricas são produzidas por agentes históricos em contextos específicos que representam uma dada realidade. Por essas considerações, os museus se ocupam em preservar o processo de produção do conhecimento histórico. E a História tem mostrado o Homem como um ser inacabado, em permanente marcha para uma perfeição que jamais atinge. Entretanto, buscá-lo é uma razão de ser. É um processo, movimento. Assim, o Homem é um vir-a-ser capaz de ação e reflexão transformadora da realidade e os museus revelam um pouco destas histórias.

5 Referências

HALBWACHS, M. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2004.

NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História da PUC-SP, São Paulo: PUC, n. 10, p. 7-28, dez. 1993.

FERREIRA, A. B. de H. Aurélio Junior: dicionário escolar da língua portuguesa. 2 ed. Curitiba: Positivo, 2011.

FREYRE, Gilberto. Casa-Grande e Senzala. 48ª Edição, São Paulo: Global Editora, 2003.

SISTEMA Brasileiro de Museus. Departamentos de Museus e Centros Culturais – IPHAN/ MinC. Comitê Internacional de Museus ICOM. www.museus.gov.br: [s.l.], [s.d]. Disponível em: http://www.museus.gov.br/sbm/oqueemuseu_apresenta~cao.htm. Acesso em 8 out 2014.

Relato oral do Professor Doutor Luís Tomás Domingos e do guia Luan que nos recebeu no dia 23/09/2014.

Chuva de Rosas
Enviado por Chuva de Rosas em 24/04/2018
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