ELEMENTOS DE SUBMIÇÃO FEMININA EXISTENTES EM ATENAS

ELEMENTOS DE SUBMIÇÃO FEMININA EXISTENTES EM ATENAS

Mirela Lourdes Alves De Araujo.¹

RESUMO: Este artigo é resultado de pesquisas realizadas a partir da interpretação de conjunturas sociais existentes entre os gêneros femininos e masculinos nas eras clássicas helênicas. Apresenta uma visão crítica a cerca de peças grupais da sociedade clássica antiga ateniense, envolta pelas artes teatrais e mitológicas que construíram e forneceram elementos referentes a colocação da mulher e do homem em diversas sociedades

Palavras-chave: Mulher. sociedades clássicas antigas. preconceito.

INTRODUÇÃO

Remeter-se ao passado clássico e aos vestígios deixados por este perpassa o simplismo que visa caracterizar o estudo voltado para a Era antiga grega como uma forma de padronização e misto de superioridade ocidental no momento de situar os primeiros passos para a formações históricas que influenciam a construção da identidade cultural e social nos indivíduos de diversas comunidades. As memórias históricas pertencentes a estes povos estão presentes na contemporaneidade e não somente proporcionam noções que exaltam o homem branco colonizador e suas ações em questão. Se apropriar de uma cultura rica em diversidade como a que se existiu nos territórios que demarcaram a Hélade, provoca no pesquisador deste contexto, um ‘’ despertar’’ a respeito das influências transmitidas por estas sociedades para os tempos que precedem este. São na verdade migrações de muitos dos elementos que constituíam toda uma conjuntura dos papéis sociais que atravessaram o tempo e o espaço e que permaneceram por meio de reintegrações nos laços de comportamentos sociais. Para tanto, o artigo em questão e a pesquisa que constituiu o mesmo, se utilizaram de uma busca crítica através de análises de produções antigas que denotam a já existência de elementos de submissão do gênero feminino nas chamadas eras clássicas, sobretudo em Atenas.

¹. Aluna da disciplina Aspectos da Antiguidade Clássica do curso de História da universidade Estadual da Bahia (UNEB).

1. A GRANDE MÃE E SEUS ARQUÉTIPOS

O início da formação grega aplica-se com as inúmeras migrações de povos denominados Indo-Europeus nos territórios da Hélade. Um desses territórios a Ilha de Creta (2800 -1100 a.C), ofereceu processos de iniciação mitológica que se constituem muitas vezes de significações e simbologias que explicam a posterior fortificada influência feminina empregada em matérias pertinentes que se perpetuaram dos ciclos lendários e constituição social de cidades estados-gregas. Num recorte mais específico a respeito das colaborações que os desenvolvimentos ocorridos na ilha de Minos1 podem fornecer à pesquisa em busca das impressões deixadas como influência ao grande a cervo mitológico grego posterior, informações basilares para as percepções sobre a já formada construção ateniense e o lugar da mulher, segundo Junito Brandão32, estão retratadas na viva e muito bem aparente presença feminina no conjunto mítico e religioso que não poderia deixar de ser apontado principalmente no que se refere ao culto cretense, uma prática altamente valorizada, cuja figura central é a Grande Mãe, deusa da natureza que reina sobre o mundo vegetal e animal, sendo responsável pela fertilidade. Em Creta suas hipóstases3 foram a Deusa das Serpentes e Reia. O importante em relação a Grande mãe é a proporção como a sua representatividade é ministrada, onde encontra-se a permanência da mesma como dona, responsável pelo nascimento de todos os homens, animais e até dos deuses, ou seja mãe de tudo o que existe, a divindade engajada em várias práticas é um verdadeiro arquétipo, primordial e progressivo. A existência de deuses do sexo masculino existiu só que, com pouca representatividade pelo fato de na maioria dos casos a importância em Creta ser direcionada aos ritos de fecundidade, onde eram frequentes a figura do Touro que estavam sempre vinculados à divindade da grande mãe. Este papel assumido pela feminilidade e figurado por meio da Grande mãe se apoia na fé da importância da mulher enquanto geradora da vida. O que não significa que a mesma ocupasse todos os cargos da sociedade. Diante deste cenário inicial grego, onde a figura feminina liderava os campos religiosos e por consequências mitológicos, absorve-se de imediato a questão a acerca da falta quanto a participação desta em parâmetros que envolvam decisões econômicas e políticas da sociedade grega. A conexão que pode ser estabelecida parte de questão acumulada de reflexões, a qual, existe da seguinte forma: Porque à mulher já no início da jornada grega foi compilada a única obrigação relacionada aos eventos ligados à práticas religiosas associadas à fertilidade e determinadas organizações não vinculadas a política? O aspecto biológico sem dúvida é um dos fatores que fazem a responsabilidade reprodutiva de fertilidade ser direcionado à mulher. Mas esta missão de protetora e geradora de um novo ser que logo viria ao mundo, era de fato carregada de um tom submisso pelo fato da promoção da vida ser considerada verdadeiramente exclusiva do homem, como proclama o deus Apolo aos jurados no julgamento de Orestes: ‘’Aquele que se costuma chamar de filho não é gerado pela mãe / ela somente é a nutriz do germe nela semeado/ de fato, o criador é o homem que a fecunda/ela, como uma estranha, apenas salvaguarda o nascituro quando os deuses não o atingem’’.4 Os fazeres de submissão aplicados pelo gênero masculino grego que apesar de prestar ou permitir o aparecimento do feminino no que se refere à ocupação nos campos religiosos, no exemplo da grande Mãe, aconteceu em muitos casos de forma simbólica e não materializada na mulher grega e em suas participações sociais. questionamento que busca a razão pela qual a mulher na maioria das vezes na Grécia, apenas consegue alcançar ‘’êxito social’’ em questões relacionadas aos papeis de mantenedora, guardiã de tradições e costumes religiosos revela que tal elevação social principalmente durante a cultura aristocrática se deu a partir de uma visão que se destaca em possibilidades eróticas e concepções voltadas para a procriação, como bem é bem explicado em: ‘’ [...] ela é a mantenedora e guardião dos mais altos costumes e tradições. Essa sua dignidade espiritual influencia também o comportamento erótico do homem’’. (JAEGER, 2013: 46). Não seriam estes referenciais de fragilidade, sensualidade e consequente posição delicada, que impuseram ao ser feminino o papel de fiandeira de uma linhagem submissa aos deveres domésticos? Deveres pelos quais, de uma maneira surpreendente, como admoesta Coulanges, 2003, em sua síntese sobre os povos gregos ‘’primitivos’’ (1000-1500 a.C), pertenciam e possuíam como precursor o homem e seu pátrio poder, que em raros momentos deixou de se manifestar. A religião doméstica ,a estia despoina, regida por uma disciplina altamente categórica e que possuía como primeira figura o pai, instaura a desapropriação dos sentidos simbólicos nas referências trazidas pelo valioso culto à grande-mãe portando-se de maneira totalmente contrária no sentido real, concreto e social do feminino nas bases gregas. Uma visão crítica permite a percepção de uma dualidade, senão uma controvérsia autoritária dirigida às mulheres e suas participações sociais sem autonomia de escolhas, as quais segundo o autor de A Cidade Antiga, eram em sua maioria colocadas desde cedo por meio da preferência conferida ao menino e a tomada da liberdade da mulher que se perpetuava por meio do casamento sagrado.

[...] ‘’ A mulher durante a infância depende do pai; durante a juventude, do marido; morrendo o marido, dos filhos; se não tem filhos, dos parentes próximos do marido, porque a mulher nunca deve governar-se à vontade’’ (COULANGES, 2003:80).

No que concernia ao papel familiar da mulher grega, este não era aplicado por meio do próprio poder de escolha desta. Ora, mais tarde, após milhares de anos, por meio de uma maiêutica deleitosa realizada por Beauvoir (1908-1986), desperta-se para a noção de que a mulher nasce um ser humano e não uma mulher conforme os moldes contidos nas propagandas de geladeiras do novo século. O arquétipo de mulher, que se baseia numa construção do sexo frágil e mantenedor, responsável pela organização das atividades domésticas e criação os filhos, que recebeu muitas influências dos elemento da sociedade da Grega, desta maneira, perpassa o âmbito de verdade natural e encaixa-se perfeitamente numa construção cultural reforçada inconscientemente muitas vezes pelo próprio ser inferiorizado; a mulher. Como ressalta Whitaker 5, 1988:

‘’[...] Prisioneiras do lar? Pode-se dizer que, em maior ou menor extensão o são. Ou não conseguem trocá-lo pelo mundo profissional, ou anseiam pelo fim da jornada de trabalho para nele permanecerem‘’. (Whitaker, 1988. p. 45.)

A questão abordada pela socióloga parte do princípio que busca o olhar voltado para a naturalização do papel da mulher-doméstica, que não deve ser encarado como errôneo ou proibido a partir de uma nova visão, no entanto não deve servir como um papel universal, correto, obrigatório e próprio do gênero feminino. A programação da menina que deve manter seu corpo afastado do esporte, seus ideais de formação longe das artes retóricas ligadas à vida social política constituem características do aparelho familiar grego concebido às demais gerações, e afastam a mulher de possibilidades que podem ser conduzidas por meio de suas próprias escolhas.

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1. A ilha de Creta denominada assim em referência ao rei Minos, na mitologia grega, mais conhecido pela construção do Labirinto que aprisionava o monstruoso Minotauro.

2. BRANDÃO, Junito, 1986, pág. 60-64.

3 . Em grego antigo hypostasis, ‘’substância’’, pode-se referir à natureza de algo, ou a uma instância em particular daquela natureza.

4 . ÉSQUILO, As Eumênides. Form. Digital p. 34.

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2. Frestas que denunciam o humano clássico.

O teatro inicialmente desenvolvido a partir das celebrações ao deus Dionísio, na Grécia Antiga, considerado cultural e mitologicamente o deus das festas, do vinho e dos ciclos vitais, foi e continua a ser caracterizado como uma das formas mais ricas de manifestação da subjetividade e abstração próprias do espirito humano e domínios comportamentais que estão intrinsecamente ligados às muitas formas e variantes artísticas que expressam de forma autônoma e própria as diversas facetas e personas pertencentes aos indivíduos e seus traços psicológicos e sociais. De acordo com acordo com Pierre Grimal6 os reflexos de eventos históricos pertencentes a determinadas civilizações estão muitas vezes impressos em produções artísticas e religiosas que aquele mesmo contexto social ofereceu. O que permite concluir que grande parte das elaborações humanas interligam-se com o cotidiano e memórias sociais dos indivíduos corpo de uma comunidade. Tal premissa fornece uma constatação a cerca das indicações, dos sinais e memórias que muitas das produções antigas gregas, estejam estas voltadas para qualquer vertente, carregam e conseguem transmitir por meio de vestígios muitas vezes passados despercebidos. Antes de ser um romance encenado e com vida nos palcos, a bela história de amor interrompida talvez por questões políticas foi vivenciada, real e tão curiosa que desejou-se reproduzi-la novamente só que desta vez, a esta, foram adicionados novos e diferentes amantes, um outro cenário, um propósito e significação para a saga que apesar de agora fazer parte de um roteiro teatral, antes de o ser, esteve a beber na frugal realidade de indivíduos participantes de um contexto social. Desta maneira, os vestígios de civilizações, presentes nas conjunturas dos dramas gregos permitem novas concepções voltadas para as sociedades clássicas e os indivíduos que as formavam. Muitas dessas impressões são captadas por meio das frestas encontradas em produções artísticas que concebem um olhar investigativo e histórico para as percepções de detalhes e concepções predominantes de determinado lugar ou comunidade. Apesar de mudanças significativas voltadas para a condição feminina, resquícios arcaicos do patriarcalismo conservador ainda permanecem cravejados em muitas das relações sociais. A subjugação da mulher pelo poder masculino em nenhum momento pode ser comprovada ou lida por meio de teorias de vitimização e superioridade. Eis então a importância do estudo voltado para os valores das comunidades antigas, as quais, de formas diversas influenciam composições sociais atuais.

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5. Dulce Whitaker possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1967), Mestrado em Sociologia pela Universidade de São Paulo (1979), Doutorado em Sociologia da Educação pela Universidade de São Paulo (1984) e Pós-doutorado em Sociologia pela Universidade de Oxford (1986).

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3. O Teatro grego em Aristófanes.

Diante do inumerável acervo grego em relação as representações humanas, depara-se com as modalidades pertencentes ao teatro, as quais foram muito bem reproduzidas sobretudo pelos atenienses. Os dois gêneros clássicos e basilares no drama teatral foram a comédia, voltada para o cotidiano e se utilizando de sátiras para desenvolver críticas espinhosas à sociedade. E a tragédia, onde os elementos poéticos e a tradição religiosa se faziam constantes, o que fazia despertar nos espectadores fortes emoções quanto ao que se assistia devido as grandes representações de credibilidade para com as forças do destino que desencadeava na maioria dos dramas o desenlace de fins trágicos para as personagens. O que aqui importa para o fim de pesquisa são duas comédias gregas, que apesar das fragmentações quanto as informações, em virtude do passar imenso dos anos, são existentes, o que possibilita o acesso aos saberes relacionados a vida e obras de figuras que constituíram o cenário inicial desta tendência da arte no mundo. Um dos atenienses que se fizeram populares justamente pela produção constante de peças teatrais, principalmente ligados à vertente da comédia foi o poeta, dramaturgo grego e destacado comediógrafo ateniense Aristófanes (445 -385 a.C.). Segundo Jaeger, 2013, a comédia ateniense foi a representação mais clara do seu tempo, um fenômeno que denota de forma brilhante as características do Estado, as impressões filosóficas do momento, além da capacidade de reconstrução que a categoria teatral possui no que se refere a representação da sociedade e o espírito dos homens que a constituíam. Espírito social aqui quer dizer o magma que abriga as inspirações humanas, seus ideais e mais do que isto, as concepções humanas acerca do seu lugar no espaço. Tais formulações foram expressas de maneira rica pelos gregos que desde cedo se alto reconheceram como portadores de um senso cultural diferenciado. A comédia, um dos gêneros mais grandiosos da manifestação do gênio Grego, consoante com a Paideia, 2013, é a imitação do que é mal, censurável e indigno, bem como a observância crítica e realista das tendências populares. O riso provocado pela comédia caracteriza-se como a liberdade da alma em se manifestar em sincronia com o objeto observado por meio da consciência e linguagem, o que denota a poiésis7, o poder da criatividade, e ressignificação coletiva como síntese da modalidade cômica que em determinado momento e principalmente em Aristófanes ganhou um sentido muito mais educativo, do que um que projetava tão somente o riso dos espectadores. O teatro em si desempenhou um papel de extrema força na construção do social ateniense, uma vez que a prática teatral e suas objetivações reproduziam nos palcos muito do que fazia parte do cotidiano da comunidade. Estes mesmos projetos não se limitavam à mera reprodução de casos, mas à criação e descoberta de elementos inatos dos indivíduos, uma verdadeira anamnese social de valores e excentricidades de um povo. Dentre suas quarenta peças, das quais restaram conservadas onze, encontra-se Lisístrata, a greve do sexo, (411. a.C.). A análise desta peça em primeiro momento pode ser feita de uma forma que busque perceber a posição da mulher e suas respectivas funções na sociedade grega ateniense, analisando estes sinais deixados por estas verdadeiras fontes culturais por meio de um olhar voltado para os aspectos significativos da tradição política social, sobretudo se utilizando de informações nos fornecidas pelas conjunturas básicas das obras.

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6 . GRIMAL, Pierre.1982. p. 48.

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3.1. Leitura de A greve do sexo

Inicia-se essa investigação através da leitura e ensaio crítico de A greve do sexo que possui em sua denominação o grande sumo de seus desdobramentos. O contexto da peça é nada mais que a guerra, e as mulheres cansadas do abandono que lhes era imputado por meio das longas estadias de seus companheiros nas travadas lutas se preparam para uma total abstinência das atividades sexuais, o que se baseia numa forma de protesto. Já no inicio da peça um sinal é apresentado de forma intencionada pelo autor, o qual inicia a comédia com a principal das mulheres de madrugada à espera de suas companheiras que tardam a comparecer. A mesma em diálogo com Cleonice, lamenta seu estado e revela o real .motivo para a convocação das mulheres em plena madrugada. Numa introdução resumida tem-se Cleonice a questionar Lisístrata com a seguinte questão: ‘’Que aconteceu, boa vizinha? /Tens a expressão sombria/ um olhar cheio de repreensão, a testa franzida./O avesso de uma máscara de beleza’’. Lisístrata por sua vez responde: ‘’oh, Cleonice, meu coração está cheio de despeito./ Me envergonho de ser mulher./ Sou obrigada a dar razão aos homens quando nos tratam como objetos, boas apenas para os prazeres do leito’’. Em sua pequena resposta pode-se captar o verdadeiro sentido do futuro protesto. O retrato da colocação da mulher grega no social é exibido nesta pequena amostra onde Lisístrata declara suas próprias impressões quanto a sua existência e relacionamento com o sexo oposto. Nesta replicação da ‘’mulher grega’’, criada nos palcos e sendo interpretada noutro tempo por um homem, o que poderia ser considerado como a chave para a decifração de todo um posicionamento feminino por meio da leitura de Aristófanes? Quiçá, a naturalização da submissão impressa quando se compreende a necessidade de uma reivindicação pela paz que possui como propulsor de ganho a interrupção do coito. Distante de cometer anacronismos a pesquisa realizada ao redor de tais conjunturas deve ao máximo se aproximar das mentalidades vigentes na época em que o artigo em questão se constrói. Muito do que atualmente é interpretado como preconceito ou ultraje ao gênero feminino muitas vezes na Grécia não fora recebido como uma forma machista, ou uma maneira para estabelecer inferiorização da mulher, por exemplo. Como enfatiza Coulanges, 2003: ‘’ O poder do marido sobre a mulher não resultava absolutamente da maior força do primeiro’’. É salutar destacar que a palavra ‘’machismo’’ em sua mais pura essência não deve ser aplicada no momento da interpretação e leituras das relações entre os gêneros na Grécia Antiga, pelo fato da palavra ser recente e possuir um sentido etimológico que ao longo do tempo sofreu variações que estão intrinsecamente ligadas às muitas das projeções populares. Seu surgimento é datado entre as décadas de 1960 e 1970, e a afirmativa que denota tais variações nascem através da apreensão das significações de dicionários que avolumam os conceitos da palavra. O machismo que outrora somente significava ‘’qualidade, ou ação ou modos de macho; macheza8’’, ao longo dos anos obteve mais uma classificação, a qual se expressa como ‘’ atitude ou comportamento de quem não admite a igualdade de direitos para o homem e a mulher, sendo, pois, contrário ao feminismo’’.9 É notório que a segunda definição compreende um erro em sua construção, dado que o machismo não existe e se materializa por motivo do feminismo e o segundo não pode ser caracterizado como contrário do primeiro visto que, não busca a promoção da superiorização da mulher em relação ao homem e sim a igualdade entre estes. O que ocorre neste caso é a denominação, a nomeação de fenômenos existentes desde muito e presentes nas comunidades humanas, ou seja, o descobrimento de tais elementos. Há de se compreender que a leitura realizada das peças de Aristófanes, assim como de outras obras e outros fenômenos sociais de eras anteriores não podem servir para caracterizar as sociedades como retrógradas, obsoletas ou machistas, e sim para buscar compreensão e raiz de muito dos elementos existentes no contemporâneo, os quais, com o passar dos anos tiveram suas significações transformadas. Por conseguinte, é válido ressalta que os valores femininos áticos não devem ser convertidos ou desmerecidos pelos valores femininos atuais. Entendem-se tais produções como denúncias que buscam conduzir seus espectadores a uma reflexão, sendo que esta constatação é ainda mais imprescindível quando recorda-se que a queixa inicial do diálogo entre Lisístrata e Cleonice fora direcionada essencialmente para homens, os únicos permitidos a assistirem peças teatrais, assim como reproduzi-las nos palcos. Ora, para quais pessoas esta mensagem era passada? Um homem, travestido de mulher, proclamando que não suportava ser mais tratada como um mero objeto sexual, ao mesmo tempo em que causava graça naqueles que o assistia, promovia o espanto, visto que denunciava este mal aspecto social, e já que se tem neste contexto o fazer teatral aliado a práxis educativa, ainda que a máxima do teatro ateniense conduzisse os espectadores a um momento de entretenimento, a ponderação reflexiva não haveria de ser excluída. Como enfatiza W. Jaeger:

A tarefa da comédia converteu-se de dia para dia no ponto de convergência de toda a crítica pública. Não se limitou aos ‘’assuntos políticos’’, no sentido atual e restrito do termo, mas abrangeu todo o domínio do publico no sentido originário grego, isto é todos os problemas que de uma forma ou de outra afetavam a comunidade. (Jaeger, 1994, p.421).

É perceptível que a crítica Aristofânica de uma maneira geral, abrange as conjunturas sociopolíticas atenienses através de um viés inteligente e projetado em sátiras que proclamaram tanto em A greve do Sexo, o carácter, a necessidade ou até queixa feminina relacionada a total exclusão das mulheres em atividades sociais, oque fica bem expresso por Coriféia na defesa contra os homens: ’’ Não é um crime ter nascido mulher, e minhas palavras devem ser seguidas se puderem curar os nossos infortúnios. A minha contribuição ao Estado, eu a dou em filhos, que alimento e crio’’ (Pág-15). A crítica que reiterada ao manejo da graça nos permite acesso a opinião do dramaturgo quanto a constituição política da época e possui por outro lado uma constante atenção voltada para a democracia que em certo tom era contraditória no que se referia a verdadeira liberdade e direitos iguais, devido ao círculo fechado que classificava os únicos cidadãos da cidadela, os homens puramente atenienses. Aristófanes não fez mal em afirmar em sua peça A revolução das mulheres que: [...] Todas as leis, quando bem examinadas, parecem ter sido feitas por bêbedos, bem perto da demência. (pág-7). O modelo democrático bem frisado e satirizado pelo autor fornece todo o gás para o maior entendimento a cerca do lugar feminino em meio a sociedade ateniense, pois fala por si só. A exclusão cidadã, que a propósito desconhecia a participação feminina em roteiros políticos quando já formada, e após receber as influências do modelo familiar que abrangeu toda a formação social e serviu como um a espécie de modelo para a sociedade grega como num todo integra mais uma das faces da exclusão da mulher grega em determinadas atividades. Em determinado momento após varias relutâncias a proposta de Lisístrata é aceita por meio de um juramento e as mulheres ocupam a Acrópole. Tal posse logo chega ao conhecimento dos homens que se preparam para a retirada das mesmas do Poder. A ‘’caça às mulheres’’ é literalmente produzida a ferro e fogo e o coro dos velhos atenienses demonstra uma revolta franca ao reproduzir pedidos de forças aos deuses para que venha ‘’a força, a habilidade e a oportunidade de punir a insolência sem par das mulheres que invadiram a nossa cidadela’’. (pág- 9). A Compreensão de pequenos detalhes que abastecem o levantamento de hipóteses no caso da interpretação da peça pode ser realizada por meio de interrogações e se portando de uma forma interligada um com o outro. A leitura desta longa discussão entre homens e mulheres atenienses presentes na peça, o que constitui grande parte da obra e fornece à pesquisa ricas informações quanto à mentalidade da época em relação às vivências, comportamentos e trocas interativas entre gêneros, são os suportes para as premissas da pesquisa em questão.

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7 . Platão define poiésis como o sentido geral do verbo poiéo, que significa produção, fabricação, criação.

8. Tal conceituação está registrada na 1° Ed. do dicionário Aurélio, 1974.

9. Definição oferecida na 2° Ed. do dicionário Aurélio.

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3.2. Cleonices, Lisistratas e Coriféias.

Observa-se uma postura arrojada em personagens como Cleonice, Lisistrata e Coriféia que possuem uma mentalidade informada e apropriada de reivindicações em busca de direitos que segundo as mesmas, deveriam estar presentes nas leis atenienses. Juntas, estas parecem ter guardado por durante muito tempo tais insatisfações em seus interiores e esperado pelo momento correto para expor suas infâmias vitais. A vida proporcionada às personagens parte de todo um planejamento de Aristófanes que em alguns momentos fornece impressões de autonomia relativas às representações tão vivas e individuais das personas envolvidas em A greve do Sexo. Tal consideração nos conduz a seguinte questão: Existiam Cleonices, Lisístratas e Coriféias em Atenas? Ou somente a grande imaginação criativa e senso político tivera auxiliado o comediógrafo a criar tamanha arte? Como já foi explícito anteriormente, o teatro e suas produções carregam em seus pulmões o oxigênio fornecido pela sociedade e suas conjunturas e também permite ao criador das obras, a adição de toques nenhum pouco neutros de suas próprias opiniões diante do que está sendo retratado ou o contexto que se está ‘’re- fazendo’’. Desta maneira, as duas hipóteses podem ser consideradas como relevantes. A observação de Aristófanes fora capaz de decifrar olhares insatisfeitos, bocas torcidas ou mãos inquietas de mulheres que vivam proibidas de escolherem suas próprias colocações sociais, as quais imprimiram em suas personalidades a mudez ante as repreensões de seus maridos, tal como o fez Lisístrata que não se conteve em questionar o esposo devido uma incompreensão nas escolhas políticas deste e em troca de suas objeções recebeu um fardel espinhoso, como se percebe na seguinte passagem: “Mas meu marido/ como é que você participou de semelhante cegueira/que pode até ser fatal/ pelo menos vai ser um desastre?" Ele apenas me olhava com infinito desprezo e respondia: "Volta pro teu bordado, cuida do teu lençol ou terá muito de que se arrepender. Guerra é pra homem". A ousadia das atenienses lhes permitiu a posse da cidadela e após muitas relutâncias, a rendição masculina. Todas estas percepções do dramaturgo passaram por um caminho de apuração para que de forma cômica e denunciativa se alcançasse o conhecimento dos seus espectadores, ou seja, é notório o processo de edição das ideias sociais que passearam pelo campo das digitais do artista. O objetivo nos apresentado como motivo que deu início a greve de sexo desde seu início foi a paz. A paz contra a violência e o afastamento que esta, por meio da guerra causava aos homens atenienses e suas respectivas famílias. A ‘’ascensão feminina’’ em Atenas havia conquistado suas reivindicações e agora a cidade possuía como um de seus preceitos fundamentais a paz entre todas as nações. No entanto, as entrelinhas que permitem o acesso ao que não está sendo dito nitidamente e com todas as palavras, concede-nos a afirmação de que a paz não foi o único motivo para a grande abstinência em forma de protesto. Observa-se a sede pelos direitos iguais entre os homens e mulheres, sobretudo a vontade pela liberdade feminina, como se pode reparar na seguinte fala de Lisístrata:

O fato é que, desde o início desta última guerra - e nunca vi uma paz completa em toda a minha vida -, vimos suportando, normalmente, isto é, em silêncio e humildade, como vocês inventaram que é próprio das mulheres, a tremenda estupidez das ações masculinas. As regras patriarcais impõem que mulher não deve abrir a boca, ou melhor, só deve fazer isso silenciosamente, boquiabrindo-se de admiração diante da inteligência, da beleza ou dos atos de valor do amante, pai, marido, irmão. (pág-13).

A busca pela liberdade pode ser encarada como o principal motivo pelo qual as mulheres atenienses na peça em questão se colocaram a proclamar o direito de fazer com seus corpos o que bem lhe entendiam, inclusive uma greve de sexo. A sede pela autonomia está por assim dizer, impregnada em todas as noções da obra fazendo com que a denuncia fosse muito mais evidente que a graça da comédia. A constatação que se pode obter por meio de uma pesquisa que tem como fonte histórica esse tipo de material riquíssimo de elementos e subjetividades humanas, antes de qualquer objeção deve possuir como fator fundante em seu método de busca o cunho crítico que não irá se prender na superficialidade das falas e irá se resumir em detalhes não perceptíveis. As comédias gregas constituem uma das bases graduais no momento da busca e orientação voltada para os modos de pensamento dos gregos e proporcionam uma melhor análise a cerca de muitos dos elementos que estão presentes e que fazem parte de muitos contextos sociais. A chamada migração de elementos sociais, pode ser bem posta no roteiro de premissas após a leitura da obra de Aristófanes, que por meio dos diálogos entre as personagens denuncia casos de submissão feminina desde muito presente na sociedade.

Conclusão

A apreensão de conhecimentos voltados para as conjunturas básicas de um povo, constitui a base de grande valor para a pesquisa histórica que possui como motivo e essência de sua existência o homem e suas variadas facetas. A partir do direito que tem como princípio a história como uma das ciências responsáveis pela captação e compreensão de peças sociais vindas de um tempo anterior a este, o artigo em questão buscou responder questões voltadas para as influências mitológicas presentes na constituição da colocação feminina na Grécia e se utilizou da análise de uma comédia grega, a qual forneceu para a pesquisa uma riqueza de percepções e novos saberes voltados para os diversos elementos deixados como herança para as demais gerações. O conhecimento nos chegado através das sociedades clássicas permite não somente concepções sobre este passado e campo imenso que abriga as noções do homem noutro espaço temporal, mas corrobora na produção de uma nova matriz de percepção e olhar sobre as peças provindas do passado e que no contemporâneo são interpretadas de uma nova maneira e se estabelecem como ressignificadas. Os fenômenos sociais atuais estão ancorados em aspectos das tradições, políticas populares do passado adquirem uma nova ‘’personalidade’’, se configuram em novos casos e ocasionam consequências diferentes das que produziam no passado. Eis um dos motivos pelos qual as marcas e vestígios do passado estão sempre acesos em meio aos dias atuais.

Referências Bibliográficas:

BRANDÃO. Junito de Souza. A Grécia antes da Grécia e a chegada dos Indo-Europeus. In:_____. Mitologia Grega. Vol. 1. Rio de Janeiro: Vozes, 1986. cap,III, p.45-50.

JAEGER, Werner. Paideia: Apogeu e crise do espírito ático. In:_____.Paideia: formação do homem grego.6. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes,1994. cap II, p. 414-439.

Ésquilo, as Eumênides, retirado em:

http://cdn4.lendo.org/wp-content/uploads/2007/06/eumenides.pdf.

(acesso em novembro, 22, 2016)

COULANGES. Numa Denis Fustel de. Antigas Crenças/ A família. In:_____. A cidade antiga: estudo sobre o culto, o direito e as instituições da Grécia e de Roma. São Paulo: Revistas dos tribunais, 2003. p. 13-43.

WHITAKER, D. C. A. Mulher & homem: o mito da desigualdade. São Paulo: Moderna, 1988.

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