Bibliófilo reúne 130 anos de história da capa do livro no Brasil (Maurício Meireles – Folha)
Coleção vai desde a primeira imprensa do país até os anos 1950
Julgar um livro pela capa pode não ser o ideal afinal, um corpinho bonito pode ser uma doce ilusão. Mas o embrulho ajuda um título a se destacar no cipoal de obras nas prateleiras. Não à toa, grandes artistas gráficos se dedicaram a conceber capas no último século e meio.
Agora, o bibliófilo carioca Ubiratan Machado, 77, resolveu contar essa história em seu novo livro A Capa do Livro Brasileiro, que traz um levantamento de 130 anos, desde 1820, quando a primeira imprensa foi instalada no país, até a década de 1950.
Machado é conhecido por suas viagens ao passado. Com talento enciclopédico, ele já fez amplos levantamentos históricos sobre Machado de Assis, livrarias cariocas, etiquetas de livros e a relação dos escritores com o sobrenatural (em que conta a história, por exemplo, de como Vinicius de Moraes tentou se comunicar com o espírito de Mário de Andrade).
Lá longe, onde ninguém vai, depois de tudo, é que eu gosto de montar a minha barraca, ri o bibliófilo.
A atual pesquisa foi feita em sua coleção particular cujo tamanho ele não gosta de revelar e em bibliotecas de amigos bibliófilos, porque em acervos públicos só poderia ter acesso a um número limitado de obras por vez.
É relativamente recente a história da capa do livro.
No começo do século 19, os exemplares vinham apenas com a folha de rosto e cabia ao freguês encaderná-los como quisesse. Depois surge o livro em brochura, com uma papel mais resistente para protegê-lo. Mas, até 1860, essas capas serão apenas tipográficas.
A primeira capa ilustrada no Brasil ou, ao menos, a mais antiga encontrada por Machado é só de 1870, a mesma década em que as tipografias nacionais começam a usar a encadernação mecânica. Vida de Feitos do Dr. Semana sai assinado pelo pseudônimo Seu Moleque.
ANÚNCIO DE LAVANDERIA
A ilustração era uma caricatura, e a maioria dos intelectuais da época tinha preconceito com capa ilustrada. Achavam que ela devia ser formal e gráfica apenas. Houve resistência, diz Machado, lembrando que a capa se firmou graças ao sucesso comercial que ela gerava.
A título de curiosidade, o preconceito com as capas ilustradas ainda existia em 1922, quando Mário de Andrade lançou Pauliceia Desvairada, com capa de Guilherme de Almeida. Um crítico disse que o livro parecia um anúncio de lavanderia.
Há no livro o recorte temporal mas também o foco em editoras e artistas importantes, como Julião Machado, Raul Pederneira, J. Carlos, Di Cavalcanti, Correia Dias, Belmonte, Santa Rosa e outros. Há a influência das escolas literárias no trabalho dos capistas também.
SENSACIONALISMO
Durante o período naturalista, por exemplo, buscava-se fazer capas para chocar.
Os capistas se valiam do toque de escândalo que os escritores representavam. Representavam mulher seminua, padre fumando, freira fumando com as pernas de fora. A capa de A Normalista [de Adolfo Caminha], em que a personagem é deflorada pelo padrasto, a capa o mostra entrando no quarto dela, diz Machado.
Os artistas até acompanhavam vanguardas, mas os livros de maior tiragem eram os de capas sensacionalistas.
Quando o cinema começa a se disseminar no país, as capas se inspiram em Hollywood. Machado conta, por exemplo, que quando Erico Verissimo publicou Clarissa (1933) o autor pediu que o capista desenhasse a personagem como a atriz Sylvia Sidney, que fazia sucesso.
O bibliófilo também diz querer, com a pesquisa, desmontar a afirmação comum de que Monteiro Lobato, como editor, teria começado a capa ilustrada no país.
Ele a leva a um outro patamar, mas quando começou o bonde já estava andando.
Apesar de seu conflito famoso com os modernistas, Lobato ainda vai publicar capas feitas por artistas da geração de 1922, influenciados pelas vanguardas artísticas incluindo Anitta Malfatti, a quem ele tinha feito uma crítica dura no artigo Paranoia ou Mistificação?.
Machado recupera a produção de J. Carlos como capista o pesquisador reuniu cerca de 15 trabalhos do desenhista, muito mais conhecido por seu trabalho na imprensa.
Além da editora de Lobato, a pesquisa destaca ainda o trabalho da José Olympio um dos marcos da história das capas, com o lendário Santa Rosa, a Livraria do Globo e a Martins, entre outras.
Outro destaque do livro é a valorização, após uma busca detetivesca, de Dorca, que fez inúmeras capas para as principais editoras paulistas entre os anos 1940 e 1960. Não se sabia quem estava por trás do pseudônimo.
Com ajuda de amigos, Machado descobriu ser uma mulher, Dorothea Caspary num ambiente dominado por homens, cuja biografia se perdeu. Não sei se eu a descobri, mas fui eu que a valorizei.