Defesa da Poesia;

O que é poesia?

A resposta não mudou - ou, pelo menos, não deveria ter mudado - desde que Becquer confundiu a pupila com a íris, e não me refiro a uma opinião pessoal;

venho falar da noção de poesia como arte suprema.

É um pouco leigo recorrer a dicionários e textos mais científicos - ainda que não tanto quanto a ideia de romantizar tudo o que é aparentemente belo e chama-lo de poesia -, mas o Aurélio, dicionário da Língua Portuguesa, fala da poesia como: manifestação da beleza ou do sentimento estético por intermeio da palavra, em verso ou em prosa.

Outros dicionários falam dela como: expressão artística da beleza por meio da palavra, em especial aquela que está sujeita à medida e cadência do verso. Façamos um esforço para sublinhar algo muito importante nos tempos atuais: '…Sujeita à medida e cadência do verso'. Não se pode chamar de poema um simples texto oriundo das redes sociais. Este seria um aspecto unicamente estético. Sem estrutura, uniformidade; sem algo artisticamente lógico. E a arte tem parâmetros, não esqueçamos.

"Ser poeta é assumir a tristeza de tudo que existe", escreve Gabriel Centeya, poeta latino americano.

Não tomemos como dogma, é arte, há de se entender a tragédia e a beleza dela. Porém, isso não significa que a felicidade não tenha lugar na poesia, a felicidade na poesia é uma arma que separa autores próprios, daqueles de simples e breves textos de redes sociais - ao quais já fiz referência -.

Frente à isto, tem aparecido desde pouco mais de uma década, livros e manifestos com um titulo comum: Defesa da poesia. É o que eu vos trago aqui.

Voltemos então ao conceito. Pela mão de Luis Montero, autor contemporâneo: “O poema nasce da necessidade de falar sobre uma vida vazia.” Aparece, novamente, a tragédia. A aparente tragédia, pois, se lermos o autor à fundo saberemos que ele não é um autor trágico. Sem embargo, é certo que a poesia nasce de algo parecido com a solidão, das palavras que rondam o silêncio, das sombras que te cumprimentam e, até, das janelas abertas de um quarto de hotel.. Contudo, o poeta não é unicamente um sujeito frustrado, triste e sozinho. - ainda que a noção de poeta dê pra ser discutida em outro artigo-, agora nos concentremos na poesia.

O que é poesia?

Desde que surgiu o verso livre, foram tomadas demasiadas liberdades para qualificar textos como líricos. Os dicionários já estão atualizados e já não falam mais de rima restrita. Agora, para utilizar – e/ou substituir – este recurso com elegância, se introduz a rima interna.

Por exemplo: Não sobra nada neste templo / Sequer sobra silêncio para compartilhar.

Vejam que templo e silêncio se comportam como rimas assonantes, graças a isso, e outras coisas, se forma um dos principais elementos de uma poesia: o ritmo. O ritmo não tem que levar rima de nenhum tipo; e ainda assim pode ser percebido na hora de recitar o texto. A musicalidade, como chamam os especialistas, se for facilmente percebida, o texto terá ritmo. Mas cuidado! Ainda não podemos falar de poesia.

Mas os elementos não se resumem a questões sensíveis como o ritmo ou a rima interna, é algo mais complicado, esses também fazem referencia ao ‘como’ semântico, aos significados e a decisão de escolher uma palavra ou outra.

Imaginem Neruda escrevendo “Estou muito triste esta noite e vou escrever” no lugar de “Posso escrever os versos mais triste nessa noite”. É notório que a mensagem será a mesma, no entanto, a ultima forma é infinitamente mais poética que a primeira. A forma como se mexe com as palavras desfigurando o seu “eu” poético dentro do próprio poema, para que o poema fale. E por isso, talvez, os poemas sejam eternos. O poeta não.

Temos definida a parte mais objetiva da questão – salvo as distâncias entre os gostos e as preferências -, agora vem o ultimo elemento, a ideia que permanece no poema: o relato, acontecimento. O que conta o poema? Desde agora, ressalto que não vale qualquer coisa, ainda que alguns escritores escrevessem poemas para as moscas e porta-retratos. Meramente a titulo de informação: escrever sobre temas banais, com certa intenção humorística é algo que caracteriza a antipoesia. Recomendo a leitura mais aprofundada sobre tal tema que eu confesso, sou adepto. Dando sequência ao meu fio condutor e chegando, pouco a pouco, a um final sem sólidas conclusões, continuo; Há temas mais centrais na poesia, como a morte, tempo, o amor. Temas, indubitavelmente, de peso, temas que têm cabimento nesta nobre arte.

Recordemos, então: estrutura, forma e acontecimento. O contexto em que vivemos na atualidade se encontra em uma profunda crise porque, precisamente, não há harmonia entre esses três elementos. Não é problema que as pessoas queiram escrever, acreditem em seus textos e publique-os aonde lhes convém, o problema surge quando as livrarias estão repletas de obras sem categoria, com textos que não são nem uniformes, nem artísticos. Ainda assim, não é uma realidade que se possa usar para julgar a totalidade da esfera poética, pois não é que o nível geral da poesia tenha baixado — tanto —, mas sim de publica-los em quantidades desproporcionais nas livrarias sabendo que vão se transformar, com sorte, em um best seller trajado a título de poesia. E que problema há? Não é só porque isso desmerece o conceito de poesia, o problema se torna maior quando nos damos de conta de dois fatores: o primeiro é um tanto físico e simples, e, quem sabe, o mais perceptível; as estantes são limitadas. Não cabem todos os autores, assim como uma livraria, salvo em dignas e valentes exceções, é uma empresa que busca lucro vendendo conteúdo e, logicamente, optará por colocar em sua estreita estante de poesia aquilo que se vende com facilidade. Vejam bem, isto não quer dizer que o que se venda seja ruim; quer dizer que descobrir novos autores será muito mais dificil - quase impossível -, do que se o critério fosse qualidade e não capital.

O segundo fator é algo mais cultural que o anterior: qualquer pessoa que parar pra observar, vai se dar conta de que a poesia é um gênero de minorias; claramente a ficção está muito mais presente. Talvez por sua acessibilidade, talvez porque a poesia seja algo mais complexo de entender... Questões menores para serem discutidas em outro momento.

Então, é por isso que quando um livro de, segundo as livrarias, poesia, aparece entre os mais vendidos da semana, há de se fazer algumas perguntas que, provavelmente, terminem numa afirmação que eu já coloquei anteriormente: estamos em uma situação de crise cultural, e os ruins estão ganhando.

P Neto
Enviado por P Neto em 10/01/2018
Código do texto: T6222691
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