A noite havia sido muito fria em Hornillos Del Camino, um simples, mas simpático povoado. Ali vivem apenas 50 pessoas. O Albergue Municipal, de propriedade da prefeitura local, tem 32 vagas e fica bem em frente à bela igreja de San Román que aproveitei para visitar.

Ao acordar, corri até o cemitério localizado atrás dela para recolher minha roupa que havia lavado na véspera e posto para secar no próprio campo santo. Por precaução, eu havia colocado uma pedra em cima de cada peça para evitar que o vento as carregasse. A roupa estava enrijecida como madeira por causa do forte frio da madrugada, mas tudo ainda estava do mesmo jeito como eu deixara. Onde eu poderia encontrar um lugar mais inusitado para secar minha roupa? O Caminho de Santiago é realmente fantástico e a todo momento nos permite vivenciar coisas como esta.

Tomei café no restaurante bem em frente ao albergue e comecei minha caminhada em direção a Castrojeriz pensando no que acontecera na véspera. Por pura preguiça, eu havia seguido um peregrino julgando que este estava na direção certa, mas não estava. Quantas vezes na vida desviamos o foco de nossos objetivos simplesmente porque seguimos exemplos que nos parecem acertados? Na prática, aquele meu erro não teve maiores consequências, mas há lugares neste planeta onde um simples e involuntário desvio de rota ou um GPS mal programado, pode trazer-nos sérios problemas.

O dia estava muito frio, mas o céu totalmente limpo ou “despejado” como dizem os espanhóis. Enchi meu cantil até à boca, pois começaria a entrar na região das "mesetas espanholas" – grandes extensões de terra onde caminhamos ao lado de plantações de grãos, como o trigo e o milho, por quilômetros a fio, sem encontrar um único bar ou povoado.
Passei por San Bol, outra localidade perdida em meio ao nada. Continuei caminhando e após percorrer cerca mais 12 quilômetros, parei em Hontanas para descansar e tomar uma cerveja. De volta ao Caminho andei por mais sete quilômetros e me detive a apreciar as ruínas do Convento de San Antón que outrora fora um hospital para peregrinos, particularmente para aqueles acometidos de lepra.

Mais 2 km à frente, depois de passar por lindos campos floridos, cheguei finalmente a Castrojeriz, um povoado com menos de 900 habitantes e ponto final da minha caminhada daquele dia.
Sua principal atração são as ruínas do Castelo de Castrojeriz, que teve grande importância durante a Idade Média.
Conta-se que em 1359, ali teria sido assassinada, a mando de seu sobrinho Pedro I, a Rainha Leonor de Castilla, filha do Rei Fernando IV de Castilla e esposa do Rei Alfonso IV de Aragón. Coisa dos nobres da época.....

Hospedei-me no Albergue Ultréia que é particular, isto é, não pertence ao município. Ali conheci o proprietário, Sr. José, bastante cordial e atencioso. Uma ótima pessoa.

Saí para a minha rotina, ou seja, conhecer a cidade, tomar uma cerveja e depois voltar ao albergue para jantar e dormir.
Após o jantar, que consumi no próprio albergue, José fez uma interessante apresentação a todos os peregrinos da “Prensa de Lagar”, uma engenhoca usada no passado para prensar as uvas na fabricação do vinho.

Ele pediu a colaboração voluntária de duas pessoas para manuseá-la, enquanto explicava em detalhes sua utilização. Essa prensa fica no próprio refeitório e sua longa e pesada trave passa literalmente por sobre a mesa onde são servidas as refeições. Para ser sincero, fiquei meio apreensivo, pois aquela trave de madeira parecia pesar quase uma tonelada.

No dia seguinte tomei meu café no próprio albergue e ganhei de José uma toalha vermelha com várias figuras iconográficas do Caminho. Ele disse que era um presente pessoal para mim.

Tomei o caminho em direção a Frómista, meu próximo destino dali a 23 km. Pouco tempo depois de deixar Castrojeriz e após atravessar a ponte sobre o rio Odrilla, encontrei uma colossal subida que conduzia ao Alto de Mostelares, ou Teso de Mostelares. Teria que caminhar mais de um quilômetro para elevar-me 200 metros em relação à altitude de Castrojeriz, através de uma pista de terra. Isso tudo numa inclinação de 12%. Era muita coisa!!

Logo no início da subida vê-se à margem do caminho, uma lápide indicando que alguém não conseguira vencer esse desafio. Belo incentivo, pensei.

Para piorar, o sol se fez presente revelando toda a sua magnitude. Comecei a suar aos borbotões. Fui subindo devagarzinho em zigue-zague, fazendo paradas estratégicas aqui e ali. Peguei meu cantil, bebi como um camelo e despejei o restante da água sobre minha cabeça. Não era fácil, mas eu tinha que continuar.

Olhei para baixo com o objetivo de verificar o que já havia conseguido vencer e assim ganhar um fôlego extra de ânimo. Vi vários peregrinos sentados sobre suas mochilas e tomando coragem para prosseguir.
Finalmente cheguei, mas extenuado!!! A vista lá de cima é maravilhosa. Do alto de seus 910 metros, o Teso de Mostelares permite que se tenha uma visão espetacular, até o horizonte, de campos cultivados e floridos, povoados diversos, de algumas montanhas e até de rodovias.

Após um bom descanso preparei-me para a descida que também não é muito fácil. Agora eu teria que vencer uma pirambeira de 350 metros a uma inclinação de 18%. É como se alguém te empurrasse permanentemente ladeira abaixo e, por consequência, você acaba forçando os músculos das costas e das panturrilhas nesse processo de “frenagem”. É mais ou menos quando engrenamos uma “segunda” no nosso carro numa descida.

Finalmente vencido esse trecho, vi que existia uma nova lápide também à beira do caminho como que dizendo: “este peregrino conseguiu chegar até aqui, mas não foi adiante”.

Prossegui atravessando a “Meseta Castellana” passando por Itero Del Castillo e após cruzar a ponte sobre o rio Pisuerga, entrei na Província de Palência para encontrar logo à frente a cidade de Itero de La Veja onde tomei com sofreguidão, dois enormes canecões de cerveja espanhola. Eu precisava muito daquilo!!

Já refeito, voltei a caminhar e a encontrar mais "mesetas" onde grandes máquinas realizavam as colheitas da época, notadamente a do trigo.
O caminho era de terra batida e tínhamos que conviver com os carros dos agricultores passando para lá e para cá.

Eles são muito respeitosos com os peregrinos, pois diminuem imediatamente a velocidade de seus veículos quando passam por nós para não levantar muita poeira, mas não ajuda muito.
Esse trecho é tão desgastante que a todo instante encontramos placas pelo caminho incentivando os caminhantes: “Ânimo peregrino” – é o que mais se lê.

Após passar por Boadilla Del Camino, comecei a caminhar ao lado do magnífico “Canal de Castilla”, uma importante obra de engenharia hidráulica realizada em meados do século XVIII para facilitar principalmente o transporte do trigo colhido na região para os portos do norte da Espanha, a partir de onde era realizada a sua distribuição e exportação. Com o advento das ferrovias ele ficou obsoleto, mas ainda é de suma importância para a irrigação das áreas férteis da região. Já extenuado e ávido por um banho, avistei finalmente a cidade de Frómista, encerrando assim mais um capítulo dessa minha fabulosa aventura em terras espanholas.

Lavei minha roupa, estendi no varal e fui conhecer a cidade o que não foi muito difícil, pois ela tem apenas 800 habitantes. Foi mais uma pérola descoberta em meio àquelas que ainda encontraria ao longo desse magnífico Caminho de Santiago de Compostela.
Sergio Righy
Enviado por Sergio Righy em 01/10/2017
Reeditado em 09/10/2017
Código do texto: T6129923
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