Entre(linhas) corporais.

2017.

O ano em que me perdi.

Há alguns bons anos, recebi o maior ato de amor já oferecido a essa humilde autora, fui apresentada à dança. E nesse apresentar, me joguei, me arrisquei e fui salva. O momento em que conheci meu templo e passei a cuidar do mesmo.

Guardava uma alma boa, talvez ainda guarde. Ora magérrimo, ora pronto para aguentar as pancadas causadas pela dança de rua, condicionado ao ballet clássico e urgente da perfeição, sempre procurando a mesma. CRIADA COMO UMA BAILARINA.

Contemplei meu templo de todas as formas possíveis, o explorei e o conheci durante todo esse tempo para estar disposta a expô-lo nos palcos, com gratidão e orgulho.

Deixei o mesmo ser conhecido de forma íntima, conquistei respeito para que pudesse me relacionar com ele e com ele me relacionei com outro corpo. Permiti do prazer à dor, não somos de ferro ou elásticos, carne e osso sintonizaram e descobri que a evocação maior para o templo é o próprio cuidado.

2017.

Ano em que desrespeitei meu templo. E todos seus dogmas.

Acorda-saicorrendo-pegametrô-pegaônibus-engoleocafé-fazaula-almoça-fazaula-volta-tomabanho-fazjanta-dorme-insônia-repetetudo.

Conheci um ritmo o qual meu corpo dançante jamais havia experimentado, forcei para que se adaptasse, o abandonei. Deixei que pegasse fogo em seu alicerce, inundei cada canto, causei ventanias desastrosas e me perdi.

Não tive tempo para ele, não me dei prazer, não me permiti devanear utilizando-o como pincel de uma obra em potencial, não cuidei de sua estética, o abandonei.

A rotina continuou, sem ar nas articulações, sem tônus muscular, muito menos noção de musicalidade. Fui infectada pela cidade, percebi a importância revolucionária contida num sorriso numa metrópole onde as pessoas sequer se olham.

As curvas aumentaram de modo a ser ofensivo tê-las, o ar sumiu e a fé foi posta em questão.

Será? Qual o valor de algo que lutamos muito, se tal faz de você um herege?

Classicisa
Enviado por Classicisa em 21/09/2017
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