POESIA E MERCADO
A novidade mais antiga – matusalêmica, digamos – em se tratando de poesia, são os alardeadores da morte da dita cuja.Isso não é fenômeno recente e parece estar relacionado, em certa medida, à perda do critério do público leitor diante da produção contemporânea, a indigência do senso estético de uma maneira geral e, caso específico das letras nacionais, a extinção sumária da alta cultura.
Rezam os arautos da modernidade que o lugar da poesia junto ao (vejam bem) ‘grande público’ não existe mais, a poesia tornou-se o (prestem atenção) objeto de deleite de ‘poucos privilegiados’.É o tipo de coisa que leríamos num artigo de suplemento cultural da Folha de São Paulo, mas foi papagueada aqui, no Recanto das Letras, pelo Wendel Alves Damasceno em seu artigo Diáspora da Poesia – leiam, é maravilhoso...O pressuposto básico dessa linha de pensamento é a afirmação de que exista uma perda de público de poesia, ou de que a poesia não goza, atualmente, do mesmo prestígio que já possuiu noutros momentos.A sobrevivência da poesia, então, estaria na eficiência de sua adaptação a novos meios e veículos, leia-se, MPB, hip-hop, rap e sabe-se lá o que é ensinado hoje, nas escolas, como meio de alta expressão cultural.
Não é fantástico?
A novidade mais antiga – matusalêmica, digamos – em se tratando de poesia, são os alardeadores da morte da dita cuja.Isso não é fenômeno recente e parece estar relacionado, em certa medida, à perda do critério do público leitor diante da produção contemporânea, a indigência do senso estético de uma maneira geral e, caso específico das letras nacionais, a extinção sumária da alta cultura.
A coisa toda deve, também, estar relacionada com os maneirismos e achaques pelos quais são acometidos artistas de civilizações em vias de processo de decadência – o pensamento morre, assim como a religião e o idioma, mas é o núcleo gerador do conteúdo imaginário de um povo que começa a estertorar primeiro.A tendência sintomática a estados de transe espiritual, intelectual e artístico, um pendor para a imbecilização coletiva apresentada como nova percepção, revisão iluminada de um passado superado, seria uma praga cíclica, sempre indicador de que algo vai mal, muito mal mesmo, no senso profundo de um povo, de uma época.
As manifestações externas mais perceptíveis desse fenômeno são mencionadas en passant tanto nos três clássicos artigos de Poe, O PRINCÍPIO POÉTICO, A FILOSOFIA DA COMPOSIÇÃO e ANÁLISE RACIONAL DO VERSO, quanto no ABC DA LITERATURA, de Ezra Pound, bem como nos contemporâneos OS SAPOS DE ONTEM, de Bruno Tolentino, e no O ENIGMA VAZIO, de Affonso Romano de Sant’anna.O tema desse esboço, no entanto, não é o fenômeno em si, mas uma de suas facetas mais caricatas, mais ridícula ainda que a bandeira da ‘morte da poesia’.Não temos porque tentar refutar Nietzsche quando declara a morte de Deus, nem o Sr Augusto de Campos ao alardear a morte do verso, ou mesmo o Ricardo Domeneck com seu caô de ‘morte da metáfora’, nos três casos a simples apreensão da realidade dá conta de evidenciar a validade – data de vencimento, mesmo... – da bizarrice anunciada com estardalhaço.Devemos considerar um ou dois pontos pertinentes a uma ‘migração da poesia’ de seus meios tradicionais entre o público leitor para uma simbiose mercadológica com as ‘massas’, com o assim chamado ‘grande público’.
Rezam os arautos da modernidade que o lugar da poesia junto ao (vejam bem) ‘grande público’ não existe mais, a poesia tornou-se o (prestem atenção) objeto de deleite de ‘poucos privilegiados’.É o tipo de coisa que leríamos num artigo de suplemento cultural da Folha de São Paulo, mas foi papagueada aqui, no Recanto das Letras, pelo Wendel Alves Damasceno em seu artigo Diáspora da Poesia – leiam, é maravilhoso...O pressuposto básico dessa linha de pensamento é a afirmação de que exista uma perda de público de poesia, ou de que a poesia não goza, atualmente, do mesmo prestígio que já possuiu noutros momentos.A sobrevivência da poesia, então, estaria na eficiência de sua adaptação a novos meios e veículos, leia-se, MPB, hip-hop, rap e sabe-se lá o que é ensinado hoje, nas escolas, como meio de alta expressão cultural.
Não é fantástico?
Os coitadinhos oriundos das abordagens pedagógicas a la Paulo Freire não conseguem assimilar direito as noções básicas de significado, significante e referente, sem as quais a leitura de um poema será um desafio sisifiano, então a solução passa por elevar à categoria de poesia o samba, a bossa, e tudo o mais, por que não?
Fato 1 : poesia sempre teve público, e aparentemente sempre terá, e a evidência mais óbvia disso hoje é que os livros dos poetas são publicados por editoras comerciais, em grande tiragem.O que ocorre é que o consumo dos livros de poesia flui por uma dinâmica bem distinta daquela que determina as altas vendagens de romances best-sellers, por exemplo.O tempo necessário à aceitação de um poeta por um público amplo, digamos assim, é muito maior que o tempo para a receptividade de um novo romancista.A ‘maturação’ de um poeta, com seu respectivo projeto a permear o que é relevante em sua obra, não se dá do dia para a noite.Um romance de enredo folhetinesco, por outro lado, é realização ao alcance de qualquer imbecil.A diferença entre esses dois tempos determina a diferença entre vendagem existente entre ambos.
Fato 2 : a poesia faz parte da vida das pessoas na mesma medida em que essas mesmas pessoas a digerem e a entendem como elemento relevante de suas experiências humanas, sociais, espirituais, intelectuais, etc, e isso, segundo entendo, está diretamente relacionado à formação do indivíduo, particularmente à sua educação.
A noção mesma de "grande público" é uma percepção mercadológica, traduzida em 'público pagante', a poesia de qualquer época(a poesia que realmente importa de qualquer época) não pode ser apreendida em termos de mercado, mas de quem atinge pela força de seu dizer.A alta cultura está morta, no país, mas isso não quer dizer que os verdadeiros poetas vão abraçar o silêncio, enveredar para o que chamou de 'ostracismo' ou ceder ao bunda-lelê de novos bossa-boçais que posam de intelectuais, ou 'cantar' hip-hop ou bizarrices do tipo.O gosto lamentável do que se chama "grande público" não impede o surgimento de um Ângelo Monteiro, de um Alberto da Cunha Melo, de um Bruno Tolentino, de uma Adélia Prado, de um Alexei Bueno, de um Ivan Junqueira, de um Gerardo de Mello Mourão, por aqui, ou de um Geoffrey Hill, na Inglaterra, ou de um Yves Bonnefoy em França, ou de um Frederick Seidel (!) , ainda agora 'tocando o terror' nos Estados Unidos.Fico muito curioso por saber o que pensariam a respeito dessas noções de "grande público" norteando o fazer pelo qual se tornaram notórios,curioso mesmo...
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