Capra e o Ponto de Mutação / Descartes (Parte 01)
Cotidiano
“O mundo apresenta-se, pois, como um complicado tecido de eventos, no qual conexões de diferentes espécies se alternam, se sobrepõem ou se combinam, e desse modo determinam a contextura do todo.”
W. Heisenberg
Capra e o Ponto de Mutação / Descartes (Parte 01)
Queridos(as) amigos(as); em 1982 o físico austríaco Fritjof Capra (lê-se Fritiof Caprra) publicou um livro que rapidamente se tornou best-seller e referência para todos aqueles que buscam a unidade entre a ciência moderna (principalmente a física) e a filosofia oriental (representada pelas tradições budistas, hinduístas, taoístas e confucionistas).
O livro recebeu o título em português de O Ponto de Mutação (The Turning Point em inglês), e dedicou-se a analisar a forma como a ciência havia se desenvolvido e se há realmente uma contradição insanável entre as conclusões da ciência e as obtidas pelas escolas de pensamento anteriormente citadas.
Capra abre seu livro com uma citação do I Ching (o livro chinês das mutações): ao término de um período de decadência sobrevém o ponto de mutação. A luz poderosa que fora banida ressurge. Há movimento, mas este não é gerado pela força... O movimento é natural, surge espontaneamente. Por essa razão, a transformação do antigo torna-se fácil. O velho é descartado, e o novo é introduzido. Ambas as medidas se harmonizam com o tempo, não resultando daí, portanto, nenhum dano”. São duas as raízes, de acordo com Capra, de todos os equívocos cometidos pelo establishment científico contemporâneo, a saber: a dualidade cartesiana e a mecânica newtoniana.
Descartes (era também conhecido por seu nome latino Renatus Cartesius), é comumente considerado o fundador da filosofia moderna, e de acordo com o filósofo-matemático “não deve ser admitido como verdadeiro o que não possa ser deduzido com a clareza de uma demonstração matemática, de noções comuns de cuja verdade não podemos duvidar. Como todos os fenômenos da natureza podem ser explicados desse modo penso que não há necessidade de admitir outros princípios da física, nem que sejam desejáveis”.
No seu excepcional Discurso do Método (Discurso do Método Para Bem Conduzir a Razão e Procurar a Verdade nas Ciências), Descartes expõe o seu método analítico, que consiste em decompor pensamentos e problemas em suas partes componentes e em dispô-las em sua ordem lógica. Esse método analítico de raciocínio é provavelmente a maior contribuição de Descartes à ciência. Tornou-se uma característica essencial do moderno pensamento científico e provou ser extremamente útil no desenvolvimento de teorias científicas e na concretização de complexos projetos tecnológicos.
Esse novo método permitiu a Descartes aplicar um tipo muito geral de análise matemática ao estudo dos corpos em movimento, de acordo com seu plano de redução de todos os fenômenos físicos em relações matemáticas exatas. Pôde Descartes, dessa forma afirmar: “Toda a minha física nada mais é do que geometria”.
Mas, aonde reside o erro de Descartes? Para Capra a crença na certeza do conhecimento científico está na própria base da filosofia cartesiana e na visão de mundo dela derivada; essa é a premissa fundamental do pensamento cartesiano, mas ela está, por assim dizer... Errada!
A física do século XX mostrou-nos de maneira clara e convincente que não existe verdade absoluta em ciência, e conseqüentemente, todos os conceitos e teorias são apenas limitados e aproximados. Ora, deve-nos bastar a afirmação de Einstein de que “quanto menos a matemática se refere ao mundo real, mais certa está; e quantos mais se relaciona ao mundo real, menos certa está”.
Porém, essa certeza cartesiana transformou-se em cientificismo e se tornou a marca registrada de nossa cultura ocidental. Há muitas pessoas, tanto cientistas como não-cientistas que estão plenamente convencidas que o método científico é o único válido para compreender o universo, o que, evidentemente, está longe de ser verdade.
E a mecânica newtoniana, onde se encaixa nessa história? Como a união da filosofia de Descartes e da mecânica de Newton invadiu o pensamento ocidental transformando-o num enorme sucesso, mas também, em muitos aspectos, num grande fracasso? Esse será o assunto de nossa próxima coluna.
14 de maio de 2011.