Aniversário do Correio do Estado
Luiz Carlos Pais
Há 63 anos, no distante e tão próximo dia 7 de fevereiro de 1954, na florescente cidade de Campo Grande, polo de desenvolvimento da promissora região sulina de Mato Grosso, foi publicada a edição especial de lançamento do Correio do Estado, composta de oito páginas. O projeto nasceu em um momento de grande significado histórico, no cenário da política nacional, quando estava em curso uma experiência democrática. No domínio particular da região, faltavam ainda 23 anos para completar a longa travessia que levaria à criação do estado de Mato Grosso do Sul.
Uma década depois do seu lançamento, teve início outro período diferenciado da história, as duas décadas do Regime Militar, quando o diário persistiu no registro dos eventos mais relevantes de Campo Grande, da região e do País. O periódico estava ingressando na maturidade dos 30 anos, quando iniciou então uma terceira fase, que o consolidou como um dos mais importantes órgãos da imprensa do Estado. Atualmente, na experiente fase sexagenária, está em curso a sua participação marcante da produção de um novo jornalismo, em sintonia com os múltiplos recursos da mídia digital.
Por tudo isso, a história do Correio vai muito além dos limites deste artigo que tem o objetivo de rememorar o contexto de sua criação, quando o presidente Getúlio Vargas estava nos últimos meses do seu governo e também de sua vida. Foi noticiado no jornal campo-grandense que o presidente havia autorizado a Comissão do Vale do São Francisco a contratar uma empresa especializada Norte Americana para demarcar a região geográfica para a construção da futura capital da República.
A importância do contexto de lançamento do jornal decorre da especificidade do momento político e das posições assumidas pelos seus primeiros protagonistas, diante do compromisso de virar uma página da história regional, rompendo com as forças que predominaram na linha política anterior, e defendendo a criação de um novo estado no sul de Mato Grosso. Estava em curso o nascimento de uma nova fase no jornalismo regional, com base no princípio da formação de opinião baseada na informação.
Assim que foi lançado, em sintonia com a linha política da União Democrática Nacional (UDN), várias de suas matérias eram reproduzidas por outros jornais da região. Esse é o caso, por exemplo, do artigo intitulado “Embustice” [mentira ardilosa], assinado pelo ilustre político e poeta Rosário Congro, publicado originalmente no Correio, e, dias depois, reproduzido na Gazeta do Comércio, de Três Lagoas, em 31de julho de 1955.
A primeira página da edição de lançamento reproduzida a seguinte máxima: “Os grandes homens avistam e descobrem ao longe a sua glória póstuma, esta previsão os consola da inveja, indiferença, desprezo ou perseguição dos seus concidadãos.” Não resta dúvida, essa glória póstuma e os ideais compartilhados pelos fundadores do jornal envolviam o compromisso com a construção de um Brasil melhor. Muitos deles tinham vivenciado os desafios da Era Vargas e ansiavam por um tempo de maior bonança para todos. O projeto estava embasado nos ideais existencialistas da época, buscando superar o pesadelo dos dois grandes conflitos bélicos do século 20.
Esse retorno não honra apenas a instituição jornalística, em si mesma, e seus bravos protagonistas. Bem mais do que isso, permite entender cenas entrelaçadas da trajetória do jornal e o papel por ele exercido na construção de um novo tempo para o Mato Grosso do Sul. Sua criação resultou da iniciativa de um grupo de políticos liberais, filiados à UDN, do qual faziam parte médicos, advogados, contadores, comerciantes, professores, pequenos empresários, cartorários e jornalistas dispostos a participarem da construção de um novo período na história regional e nacional.
Estavam motivados pelos mais nobres ideais políticos, contemplando a bandeira de divisão do antigo Estado de Mato Grosso uno. A princípio, ainda não predominava intenção empresarial, que já se fazia necessária na edificação de um grande projeto jornalístico. Faziam parte do grupo: José Fragelli, que exercia o segundo mandato de deputado estadual, Dolor de Andrade, Rachid Saldanha Derzi, Antônio Marques, Waldir dos Santos Pereira e Fernando Corrêa da Costa, então governador do Mato Grosso, entre outros cidadãos em sintonia com os grandes desafios da época.
Embora vários dos fundadores fossem intelectuais, de modo geral, não tinham experiência nas lides da imprensa. Desse modo, o professor e jornalista José Barbosa Rodrigues foi contratado para conduzir a equipe de redatores. O editorial de lançamento iniciava-se com os seguintes termos: “O Correio do Estado será um jornal para todo o Mato Grosso. Surge com essa ambição de servir ao povo de nossa terra. Informando-o, indagando seus problemas, empenhando-se na sua solução, batendo-se pelos seus direitos e verdadeiros interesses. O seu programa é modesto, mas definido e claro. Produto do esforço e das contribuições espontâneas dos políticos, homens de partido, ele defenderá uma bandeira sem ser um órgão estritamente partidário.”
Uma das manchetes anunciava a chegada a Campo Grande de um técnico em perfuração de poços semi-artesianos, de uma empresa do Rio de Janeiro, para realizar o serviço no bairro Amambaí. O governo estadual havia assinado um contrato para solucionar o antigo problema de falta de água para os moradores daquela região. As máquinas perfuratrizes estavam a caminho, na cidade de Presidente Venceslau, São Paulo, de onde deveriam seguir viagem para Campo Grande.
Ainda na primeira página, o jornal publicou diferentes notícias nacionais, como a possibilidade de ocorrer uma greve de trabalhadores das indústrias de trigo e massas alimentícias, caso os empregadores não concedessem aumento de salário pleiteado. Nessa mesma linha de notícias nacionais, o jornal noticiou a falta de açúcar no Rio de Janeiro, decorrente da retenção do produto por grandes atacadistas. Estava também sendo realizado na capital da Republica, o Congresso Eucarístico, com bispos de várias partes do País, para discutir os desafios mais urgentes da Igreja daqueles dias.
O clima de desenvolvimento do Mato Grosso estava atraindo grande número de fazendeiros, que pretendiam investir na aquisição de terras apropriadas para a pecuária. Esse fluxo migratório provocou uma baixa momentânea no preço das terras paulistas. Houve então uma forte pressão, por parte de alguns órgãos da imprensa nacional, pretendendo atrapalhar os promissores negócios agrícolas no Mato Grosso. No quadro dessa expansão econômica, o governo estadual estava cuidando da implantação de projetos de colonização e venda de terras devolutas do Estado, de acordo com projetos aprovados pela Assembléia Legislativa Estadual.
Para finalizar, a defesa de uma imprensa livre e democrática é uma questão que diz respeito à toda sociedade. Por certo, há vários aspectos específicos que pertencem à esfera profissional dos jornalistas. O enfoque que pretendemos valorizar na escrita da história da imprensa sul-mato-grossense tem, antes de tudo, uma visão educacional e didática. Retornamos ao passado para rememorar lições deixadas pelos protagonistas que persistiram, durante décadas, na seara jornalística da nossa terra. Equívocos podem ter sido cometidos, mas não compete à história fazer nenhum tipo de julgamento do passado. Por certo, atrás das bucólicas páginas impressas nos antigos prelos manuais, nas pequenas tipografias ou nas mais recentes rotatórias, estavam cidadãos que tudo fizeram para nos legar o promissor Estado dos nossos dias.
Luiz Carlos Pais
Há 63 anos, no distante e tão próximo dia 7 de fevereiro de 1954, na florescente cidade de Campo Grande, polo de desenvolvimento da promissora região sulina de Mato Grosso, foi publicada a edição especial de lançamento do Correio do Estado, composta de oito páginas. O projeto nasceu em um momento de grande significado histórico, no cenário da política nacional, quando estava em curso uma experiência democrática. No domínio particular da região, faltavam ainda 23 anos para completar a longa travessia que levaria à criação do estado de Mato Grosso do Sul.
Uma década depois do seu lançamento, teve início outro período diferenciado da história, as duas décadas do Regime Militar, quando o diário persistiu no registro dos eventos mais relevantes de Campo Grande, da região e do País. O periódico estava ingressando na maturidade dos 30 anos, quando iniciou então uma terceira fase, que o consolidou como um dos mais importantes órgãos da imprensa do Estado. Atualmente, na experiente fase sexagenária, está em curso a sua participação marcante da produção de um novo jornalismo, em sintonia com os múltiplos recursos da mídia digital.
Por tudo isso, a história do Correio vai muito além dos limites deste artigo que tem o objetivo de rememorar o contexto de sua criação, quando o presidente Getúlio Vargas estava nos últimos meses do seu governo e também de sua vida. Foi noticiado no jornal campo-grandense que o presidente havia autorizado a Comissão do Vale do São Francisco a contratar uma empresa especializada Norte Americana para demarcar a região geográfica para a construção da futura capital da República.
A importância do contexto de lançamento do jornal decorre da especificidade do momento político e das posições assumidas pelos seus primeiros protagonistas, diante do compromisso de virar uma página da história regional, rompendo com as forças que predominaram na linha política anterior, e defendendo a criação de um novo estado no sul de Mato Grosso. Estava em curso o nascimento de uma nova fase no jornalismo regional, com base no princípio da formação de opinião baseada na informação.
Assim que foi lançado, em sintonia com a linha política da União Democrática Nacional (UDN), várias de suas matérias eram reproduzidas por outros jornais da região. Esse é o caso, por exemplo, do artigo intitulado “Embustice” [mentira ardilosa], assinado pelo ilustre político e poeta Rosário Congro, publicado originalmente no Correio, e, dias depois, reproduzido na Gazeta do Comércio, de Três Lagoas, em 31de julho de 1955.
A primeira página da edição de lançamento reproduzida a seguinte máxima: “Os grandes homens avistam e descobrem ao longe a sua glória póstuma, esta previsão os consola da inveja, indiferença, desprezo ou perseguição dos seus concidadãos.” Não resta dúvida, essa glória póstuma e os ideais compartilhados pelos fundadores do jornal envolviam o compromisso com a construção de um Brasil melhor. Muitos deles tinham vivenciado os desafios da Era Vargas e ansiavam por um tempo de maior bonança para todos. O projeto estava embasado nos ideais existencialistas da época, buscando superar o pesadelo dos dois grandes conflitos bélicos do século 20.
Esse retorno não honra apenas a instituição jornalística, em si mesma, e seus bravos protagonistas. Bem mais do que isso, permite entender cenas entrelaçadas da trajetória do jornal e o papel por ele exercido na construção de um novo tempo para o Mato Grosso do Sul. Sua criação resultou da iniciativa de um grupo de políticos liberais, filiados à UDN, do qual faziam parte médicos, advogados, contadores, comerciantes, professores, pequenos empresários, cartorários e jornalistas dispostos a participarem da construção de um novo período na história regional e nacional.
Estavam motivados pelos mais nobres ideais políticos, contemplando a bandeira de divisão do antigo Estado de Mato Grosso uno. A princípio, ainda não predominava intenção empresarial, que já se fazia necessária na edificação de um grande projeto jornalístico. Faziam parte do grupo: José Fragelli, que exercia o segundo mandato de deputado estadual, Dolor de Andrade, Rachid Saldanha Derzi, Antônio Marques, Waldir dos Santos Pereira e Fernando Corrêa da Costa, então governador do Mato Grosso, entre outros cidadãos em sintonia com os grandes desafios da época.
Embora vários dos fundadores fossem intelectuais, de modo geral, não tinham experiência nas lides da imprensa. Desse modo, o professor e jornalista José Barbosa Rodrigues foi contratado para conduzir a equipe de redatores. O editorial de lançamento iniciava-se com os seguintes termos: “O Correio do Estado será um jornal para todo o Mato Grosso. Surge com essa ambição de servir ao povo de nossa terra. Informando-o, indagando seus problemas, empenhando-se na sua solução, batendo-se pelos seus direitos e verdadeiros interesses. O seu programa é modesto, mas definido e claro. Produto do esforço e das contribuições espontâneas dos políticos, homens de partido, ele defenderá uma bandeira sem ser um órgão estritamente partidário.”
Uma das manchetes anunciava a chegada a Campo Grande de um técnico em perfuração de poços semi-artesianos, de uma empresa do Rio de Janeiro, para realizar o serviço no bairro Amambaí. O governo estadual havia assinado um contrato para solucionar o antigo problema de falta de água para os moradores daquela região. As máquinas perfuratrizes estavam a caminho, na cidade de Presidente Venceslau, São Paulo, de onde deveriam seguir viagem para Campo Grande.
Ainda na primeira página, o jornal publicou diferentes notícias nacionais, como a possibilidade de ocorrer uma greve de trabalhadores das indústrias de trigo e massas alimentícias, caso os empregadores não concedessem aumento de salário pleiteado. Nessa mesma linha de notícias nacionais, o jornal noticiou a falta de açúcar no Rio de Janeiro, decorrente da retenção do produto por grandes atacadistas. Estava também sendo realizado na capital da Republica, o Congresso Eucarístico, com bispos de várias partes do País, para discutir os desafios mais urgentes da Igreja daqueles dias.
O clima de desenvolvimento do Mato Grosso estava atraindo grande número de fazendeiros, que pretendiam investir na aquisição de terras apropriadas para a pecuária. Esse fluxo migratório provocou uma baixa momentânea no preço das terras paulistas. Houve então uma forte pressão, por parte de alguns órgãos da imprensa nacional, pretendendo atrapalhar os promissores negócios agrícolas no Mato Grosso. No quadro dessa expansão econômica, o governo estadual estava cuidando da implantação de projetos de colonização e venda de terras devolutas do Estado, de acordo com projetos aprovados pela Assembléia Legislativa Estadual.
Para finalizar, a defesa de uma imprensa livre e democrática é uma questão que diz respeito à toda sociedade. Por certo, há vários aspectos específicos que pertencem à esfera profissional dos jornalistas. O enfoque que pretendemos valorizar na escrita da história da imprensa sul-mato-grossense tem, antes de tudo, uma visão educacional e didática. Retornamos ao passado para rememorar lições deixadas pelos protagonistas que persistiram, durante décadas, na seara jornalística da nossa terra. Equívocos podem ter sido cometidos, mas não compete à história fazer nenhum tipo de julgamento do passado. Por certo, atrás das bucólicas páginas impressas nos antigos prelos manuais, nas pequenas tipografias ou nas mais recentes rotatórias, estavam cidadãos que tudo fizeram para nos legar o promissor Estado dos nossos dias.