A Aflição de Olavo de Carvalho
Olavo de Carvalho conseguiu fazer-se uma pessoa merecedora de ser pensada. Mesmo considerando suas traduções de Schopenhauer e textos tratando de lógica, ele seria só mais um dos nossos intelectuais, se não fosse pelo alcance que obteve junto a um público "neoconservador" e seu papel na política brasileira atual.
É interessante que o verdadeiro conservadorismo nem ao menos aceita se denominar como uma visão de mundo, entre tantas outras. Isto por que ele parte de princípios pré-iluministas e com bases na antiga escolástica medieval.
Ele parte de verdades essenciais e imutáveis, cuja relativização, fruto do iluminismo e da ganância política de uma classe, levou não a sua corrupção, pois seriam incorruptíveis, mas a uma ruptura com a forma como o Ocidente construiu sua humanidade.
Olavo de Carvalho se apresenta de três formas, de acordo com o público a que ele se dirige. O aparente conservadorismo irracional, que utiliza para assombrar a esquerda comum e vulgar.
O conservadorismo de combate, que toma ares de uma contra-revolução - a que mais seduz os jovens. E o conservadorismo metafísico, anti-liberal no sentido político, que bebe nas fontes da escolástica medieval - que guarda para os seus inimigos mais ousados.
Apesar de toda glória que estes momentos políticos deram a Olavo de Carvalho, algo nos aflige em seus pensamentos.
Primeiro que o conservador típico é antes tudo tradicional. É a força do passado e dos valores formados em épocas clássicas, idades de ouro, é que fundamenta a defesa destes mesmos valores. Existe o papel do passado e o mistério da sua persistência no tempo atuando como a fonte de verdade e organização espiritual e moral de um povo.
Olavo de Carvalho ao lançar mão de uma crítica dos pressupostos da esquerda em geral, algo que faz de forma impecável em termos de erudição, utiliza um artifício não-tradicional e típico do relativismo associada a esquerda.
A análise que faz de uma suposta estratégia da esquerda de tomar o poder e implantar uma ditadura ideológica é uma interpretação gramsciana - um marxista.
A aflição de Olavo de Carvalho nos lembra a dos filósofos da Escola de Frankfurt, que buscaram um caminho reverso, tentando eliminar o que houvesse de "arbitrário" e "opressor" do pensamento e ciência. viram-se estes filósofos no que Rouanet chamou de aporia: criticavam a opressão da razão por meio da razão.
Olavo de Carvalho critica o marxismo por meio do marxismo. Critica o relativismo relativizando. O seu conservadorismo é anterior a estas correntes de pensamento e se colocado diante dos mesmos não sobreviveria com a própria força - sem recorrer aos seus artifícios.
Resta ao Olavo de Carvalho a pesada sentença, não menos verdadeira, de que o povo brasileiro é conservador e cristão, mas não o "autorizam" a terem um governo assim.
Quanto a metafísica de Olavo de Carvalho, ele nos dá a chance conhecer sua forma encarnada e discursiva. Um pensamento de uma época em que a experimentação era coisa de magos, alquimistas e pensadores excêntricos.
A sistematização do método empírico é devida a David Hume e John Locke, pelo menos quanto a este último é o pai do liberalismo clássico, cujo conceito de propriedade e trabalho Marx deve muito. Se pensarmos que este método, que até o início da Era Moderna, era visto com desconfiança pela Igreja (vide Galileu Galilei) hoje é a base de toda ciência e tecnologia produzidas.
Em o método experimental não haveria ciência e tecnologia tal como conhecemos. Aristóteles foi sem dúvida o que mais aproximou o conhecimento destas fronteiras. Por que ele não desenvolveu um método experimental é algo que não sei explicar e nem encontrei quem explicasse bem.
Quando Olavo de Carvalho faz suas famosas contestações de Newton, Einstein e afirma certas coisas com bases em raciocínios e deduções, como a do "fetos na Pepsi", geocentrismo ou homossexualidade de Obama - ele segue a antiga metafísica de base Aristotélica.
Os seguidores de Olavo de Carvalho não conhecem a fundo a batalha intelectual que ele esta travando. Ele é um Dom Quixote e como tal encontra seus admiradores, mas se trata de um pensamento derrotado pela história das ideias. Tanto que somente o povo poderia, caso o compreendesse, e um batalhão de "idiotas úteis" (como ele gosta de dizer) podem segui-lo.
Os intelectuais que conseguem ter acesso aos significados e reflexões que ele opera já não concordariam com ele ou não estão dispostos a comprar esta guerra perdida.
Algo intrigante e controverso nos aflige neste pensamento de Olavo de Carvalho: nada é óbvio e natural, desconstrua-se a esquerda e seu discurso, mas só até o ponto que não atinja o conservadorismo.
Deste ponto em diante, tanto os "idiotas úteis" que ele arregimenta, quanto o próprio Olavo de Carvalho precisam distorcer certos princípios da argumentação para proteger o conservadorismo. O que não é contraditório, se o mesmo for mais forte como convicção pessoal e organizadora da vida do que um pensamento coerente.
Neste ponto, Nietzsche se aproximaria de Olavo de Carvalho, caso não criticasse a religião. Esta defesa e combate pelos valores fundamentais a vida seria um ponto comum, assim como a relativização da racionalidade. Olavo teria que fazer esta transvalorização dos valores - e o faz, mesmo que não admita.
O que ainda mantém afastado Olavo de Carvalho do filólogo alemão? Ambos admiradores e conhecedores de Schopenhauer?
Olavo de Carvalho foi um homem incomodado com as luzes da modernidade. Sai de seu mundo metafísico para golpear as ameaças externas com a promessa de voltar de tempos em tempos para o mundo que o alimenta.
Isto por que Olavo de Carvalho sai do seu mundo, utiliza as armas de seus inimigos contra seus inimigos, deixa estes instrumentos bem guardados caso precise novamente, e volta para o seu mundo metafísico e aristotélico.
Seus inimigos não adentram em seu mundo, pois são caminhos obscurecidos pelo tempo, cujas as chaves restaram em poucas mãos. Não sem motivo, trata-os com desprezo, mas admira alguns vizinhos menos capazes. Arregimenta no mundo seus soldados úteis e despede-se deles na porta de sua casa. E ficam lá esperando no relento até que soe algum novo chamado.
Isto por que seus idiotas úteis comungam com Olavo de Carvalho irracionalismos enganadoramente semelhantes. Enquanto nos primeiros temos o irracionalismo do senso comum no segundo temos o mistério das tradições e dos ordenamentos que persistem ao longo do tempo. Olavo conhece a crítica ao Iluminismo, os idiotas úteis nem sequer tem consciência dos princípios e legados do Iluminismo.
O irracionalismo de Olavo de Carvalho não é o mesmo que senso comum ou intuitivismo. É a negação do relativismo e instrumentalização legados pelo Iluminismo em prol dos antigos valores - conservadorismo.