O CAOS NA LÍNGUA PORTUGUESA NO BRASIL

Antes de entrarmos no tema propriamente dito, é necessário que se esclareça o termo LÍNGUA.

Os filósofos gregos, bem antes de Cristo, definiam o ser humano como um animal racional ou social, ou seja, aquele que fala, excluindo-se, claro, os papagaios, sendo a linguagem uma das maiores características do ser humano.

As línguas são sistemas de comunicação fundamentalmente oral, compostos por símbolos ou sinais convencionais chamados de letras, que ocorrem dentro de uma determinada comunidade. Ao conjunto desses símbolos ou sinais dá-se o nome de alfabeto; conjunto de letras do sistema da escrita, dispostas em ordem convecionalmente estabelecida.

O fenômeno das línguas é inerente aos serem humanos, assemelhando-se, portanto, a ele próprio, ou seja, sistemático, criativo, dinâmico, complexo e arbitrário. Na realidade, as línguas são organismos vivos, sujeitos a mutações permanentes.

As letras, componentes do alfabeto, são os sinais gráficos que representam, na transcrição de uma língua, um fonema ou grupo de fonemas.

Há uma grande tendência de se aproximar a ortografia da pronúncia, buscando-se o ideal ortográfico, ou seja, cada fonema corresponder a uma letra ou a um sinal gráfico. Isso, entretanto, não passa de utopia, pois o número de fonemas é imenso, enquanto o número de letras da língua portuguesa, por exemplo, até 2008, era vinte e três.

“Não tenho sentimento nenhum político ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriótico. Minha pátria é a língua portuguesa. Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incomodassem pessoalmente. Mas odeio, com ódio verdadeiro, com o único ódio que sinto, não quem escreve mal português, não quem não sabe sintaxe, não quem escreve em ortografia simplificada, mas a página mal escrita, como pessoa própria, a sintaxe errada, como gente em que se bata, a ortografia sem ípsilon, como o escarro directo que me enoja independentemente de quem o cuspisse.

Sim, porque a ortografia também é gente. A palavra é completa vista e ouvida. E a gala da transliteração greco-romana veste-ma do seu vero manto régio, pelo qual é senhora e rainha.”

(Texto do Livro do Desassossego – Companhia das Letras, 1999, 536 páginas, de Bernardo Soares – Heterônimo*de Fernando Pessoa).

Indubitavelmente, Fernado Pessoa tem razão: “minha pátria é minha língua portuguesa.” Num país gigante como o Brasil, quase do tamanho da Europa, com mais de oito milhões de quilômetros quadrados, com uma micigenação exuberante de seus mais de duzentos milões de habitantes; gente de todos os quadrantes da Terra, que se comunica perfeitamente do Oiapoque ao Chuí, sem qualquer dificuldade, a não ser na intepretação de ratas falas regionais, é uma integração fabulosa.

Caminhou-se, nesse sentido, na busca de aproximação da ortografia com a prosódia durante muitos séculos. No começo do século XX, atingimos um ponto de excelência (Portugal 1911 e Brasil 1943).

A confusão ortográfica na Língua Portuguesa era tão grande, que chegou a uma situação, no meio do século XIX, em que cada um tinha sua própria ortografia. Diante de tamanha calamidade, pois a língua é de fundamental importância em qualquer civilização, dada a sua necessidade nas comunicações, a falta de padronização nos levaria irremediavelmente ao caos. Gonçalves Viana (1840-1914) pôs-se à tarefa hercúlea e acabou elaborando um sistema ortográfico, com base em estudos científicos dos sons da língua e suas tendências, cortando todos os despropósitos etimológicos.

A ortografia estabilizou-se em Portugal no começo do século XX, mas aqui no Brasil, as coisas andavam ainda às avessas. Em 1915, entretanto, surgiu luz no fim do túnel, quando o acadêmico Silva Ramos (filólogo José Júlio da Silva Ramos 1853-1930) propôs reforma em nossa ortografia com base na reforma portuguesa. Entretanto, nada foi feito de sério e a ortografia passou a ser motivo de piada.

Finalmente, em 1931, celebrou-se pela primeira vez um acordo ortográfico entre a nossa Academia e a Academia das Ciências de Lisboa, mesmo com dúvidas quanto à acentuação adotada aqui e lá, por conta, principalmente, de questões fonéticas. Tal acordo, entretanto, levou doze anos para ser aprovado no Congresso e a lei foi sancionada em outubro de 1955 pelo presidente Café Filho.

A partir da sanção presidencial, passamos a ter uma ortografia oficial. A ordem, a paz e a estabilidade passaram a reinar na ortografia brasileira. Entretanto, o namoro entre a impresa e a ortografia durou somente três décadas.

A bagunça começou a tomar corpo do meio para o fim dos anos 70. O jornalista Élio Gaspari trabalhava no Jornal do Brasil e era muito amigo do general Golberi do Couto e Silva, uma das eminências do governo Geisel. Certo dia, o general queixou-se ao amigo Élio sobre a maneira como o nome dele vinha sendo grafado, ou seja, Golberi, ao contrário do nome oficial Golbery. Élio, para atender ao general, um belo dia Golberi passou a grafado com y final o nome do general, ou seja, GOLBERY. A Imprensa e o Caos na Ortografia 5ª edição, Editora Record, páginas 26 e 27.

Daí para frente, veio a bagunça generalizada, com a ajuda dos cartórios e do próprio governo, que hoje, grafa Itamaraty e não Itamarati, e o próprio Ministério das Relações Exteriores desrespeita um acordo internacional. O Formulário Ortográfico, elaborado pela Academia Brasileira de Letras, desde 1943, com força de lei, determina que os nomes próprios personativos, locativos e de qualquer natureza, sendo portugueses ou aportuguesados, estarão sujeitos às mesmas regras estabelecidas para os nomes comuns.

Hoje, vivemos verdadeiro festival de intempéries na nossa língua, tanto na ortografia como na prosódia. Na ortografia, falamos acima sobre o assunto. No que concerne à prosódia, também não há qualquer preocupação dos meios de comunicação quanto à observação das normas da língua. Para não sermos enfadonhos, dando exemplos e mais exemplos de pronúncias erradas, vejamos um caso bem simples. Sabemos que a letra “s” quando usada entre duas vogais tem som de “z”. Os profissionais da comunicação, principalmente repórteres, passaram a mudar tal pronúncia. Paissandu, time de futebol de Belém do Pará, virou Paysandu, e a pronúncia continua Paissandu. Isso causa transtorno em qualquer aluno, pois na escola ele aprende de uma forma e nos meios de comunicações vê de outra. Quem estuda para concurso aí é que sofre mesmo.

Os meios de comunicação de massa são responsáveis pela formação de opinião, portanto, deveriam primar pela pronúncia e pela escrita. Entretanto, essa preocupação não existe. O Manual de Redação da Folha de São Paulo estimula a bagunça e até cria regras gramaticais inexistentes.

Nas páginas 89 e 90 do citado livro, não consta edição, está determinado que nomes próprios escrevem-se de acordo com o registro oficial e podem ser grafados com o sem o “s” final, ou seja, contrariado determinações gramaticais expressas, como vemos na página 149, item 14, da Novíssima Gramática da Língua Portuguesa, Domingos Paschoal Cegalla, 48ª edição, diz textualmente: “Devem-se pluralizar os nomes próprios de pessoa sempre que a terminação se presta à flexão.” “Exemplos: Os Napoleõs também são derrotados.”

O jornalismo no Brasil passou a ter um padrão único. O que um faz o outro copia. As palavras passaram a ser chavões que, de tanto uso e servir para tudo, nós, que estudamos um pouco, quando vamos falar, muitas vezes não encontramos a palavra adequada à situação e vamos embarcando na onda jornalística.

Evento, por exemplo, serve para designar tudo: festa, confraternização, jogo, missa. É um tal de evento para cá evento para lá. A mesma coisa acontece com oficina. Oficina é tudo. É oficina disso, oficina daquilo.

Dia desses, vendo uma entrevista na televisão, pasmem, um médico falou que o paciente tivera um EVENTO no coração. Certamente, ele sabia o nome da doença que acometera o paciente, mas naquele momento não lhe veio uma palavra adequada, de tanto ouvir falar em evento.

Oficina, demanda, questão, a nível, com certeza, isso, tipo, parceria, acontecer, admitir, a domicílio, de bom tamanho, focado, compartilhar, sinalizar, segue, avançar essas são algumas das palavras obrigatórias em toda reportagem escrita ou falada.

Esses chavões passaram a surgir lá pelos idos de 1970. Na década de setenta, houve um acidente nuclear nos Estados, na Usina de Três Milhas. Anos depois, o cinema americano fez um filme que no Brasil chamou-se Síndrome da China. A palavra síndrome virou febre. Carlos Eduardo Novais, excelente cronista do Jornal do Brasil; fez uma crônica, na época, e nela usou e abusou daquela palavra. Encerrou a crônica dizendo, não sei se o uso da palavra síndrome está correto no texto, entretanto, como é moda, não poderia deixar de aproveitar a oportunidade para usar a palavra, disse no fim do texto.

Em Granjaú, no Maranhão, há alguns anos houve um assalto ao banco local. A reportagem da TV Maranhense foi entrevistar o delegado e ele saiu como esta: “...Nós não vamos lutar com bandidos a nível de bala...”

Enfim, não haveria tempo suficiente para enumerarmos os mais absurdos erros de grafia também existentes em diversas placas, paredes, outdoors etc. em todos os recantos de nosso país, e muitos em documentos oficiais.

Acreditamos que a falta de investimento em educação reflete diretamente na falta de respeito à nossa língua. E pelo fato de acreditarmos no que disse Fernando Pessoa: “minha pátria é minha língua portuguesa” é que conclamamos todos a zelar por este idioma, que é um de nossos maiores valores, lutando, cada um a sua maneira, pelo reconhecimento de sua importância.

Não deveria ser admissível a um aluno, que não soubesse escrever, ser aceito em uma universidade. Isso é brincar de “faz de conta”. Da mesma forma, para os ocupantes de cargos políticos. Como ser representado por alguém que não sabe sequer ler? Que possam existir critérios mais exigentes quanto ao ingresso em nossos órgãos governamentais. Uma placa, uma carta, um ofício mal redigido depoe contra o órgão e contra quem o fez.

E mudar esse cenário, depende de quem e do quê? Seria uma questão de oportunidade, uma questão de decisão própria ou de investimento? Acreditamos que da junção dos três fatores.

Bibliografia

Manual de Redação da Folha de São Paulo – Publifolha 2001;

A Imprensa e o Caos na Ortografia – Marcos de Castro – 5ª edição;

Novíssima Gramática da Língua Portuguesa – Domingos Paschoal Cegalla 48ª edição – Companhia Editora Nacinal

HENRIQUE CÉSAR PINHEIRO

SILVÃNIA DE OLIVEIRA TEIXEIRA

FORTALEZA, JUNHO/2016