JORNALISMO E GRANDES JORNALISTAS

"Jornalista é um sujeito que quando se senta para escrever uma notícia, pensa que a coisa mais importante que está a acontecer no mundo naquele momento, é ele estar sentado à máquina de escrever escrevendo uma notícia." - A definição, salvo engano, é de John Reed, formidável jornalista.

Gracejo à parte, terminei de ler um livro maravilhoso: "O GRANDE LIVRO DO JORNALISMO", editado por Jon E Lewis, tradução de Marcos Santarrita; Editora José Olympio, 2a. edição.

Nele estão reportagens escritas por Charles Dickens, Mark Twain, Stephen Crane, Winston S. Churchill, Jack London, John Reed, Dorothy Parker, John dos Passos, John Steinbeck, Martha Gellhorn, George Orwell, John "Hiroshima" Hersey, Gore Vidal e outras feras.

É só começar a ler que a gente não para mais; vai até o final e são 373 páginas do melhor jornalismo do mundo.

Bons tempos...

Mas, creio, é passado...

Por exemplo, (ver páginas 135 a 142):

Em agosto de 1936, Martha Gellhorn, (nome que a maioria dos nossos jornalistas e estudantes de jornalismo nunca ouviu falar), deu um chute no balde no jornal inglês "The Spectator" onde trabalhava e tirou férias por conta própria.

Viajou com dois amigos, sem rumo e destino, apenas para conhecer os Estados Unidos.

Era tempo da Grande Depressão econômica e, mais tarde, casada com o escritor Ernest Hemingway, ela afirmaria que a beleza da América está na desolação e na capacidade do país de espalhá-la pelo mundo.

Naquele tempo, a KKK tinha nos Estados Unidos cerca de cinco milhões de adeptos inscritos, que se reuniam, escreviam atas, possuíam carteirinha e desfilavam pelas ruas nas comemorações cívicas, de túnica branca, chapéu capuz pontiagudo e cruz em chamas.

Repito, pessoas inscritas oficialmente, com nome, fotografia, endereço e tudo mais e se orgulhavam do que faziam.

O número de inscritos era quase dez por cento de toda população americana.

Ficam fora desta estatística os simpatizantes, que eram muitos e espalhavam-se pelo mundo, principalmente pela Europa.

Nosso escritor Monteiro Lobato, apenas para lembrar um patrício ilustre, era um deles, e não procurava ocultar.

Nesse dia de agosto, narrado na reportagem, Martha e seus amigos ficaram à pé em Trenton (Nova Jersey), e compraram um carro usado por cinqüenta dólares.

Na prefeitura, quando foram licenciá-lo, ouviram do funcionário a informação de que foram ludibriados. O carro não valeria vinte dólares.

Deu-se o inevitável, o carro quebrou na estrada, em local ermo, em Mississípi, quase ao anoitecer.

Parou para socorre-los um caminhão velho, um motorista e um passageiro, que bebiam um destilado de milho, "com gosto de gasolina em chamas".

Ofereceram carona, riram e disseram:

"Antes vamos a um linchamento. Um porra de um negro, chamado Hyacinth, se não me falha a memória. Acho que buliu com uma branca".

E assim foi.

Por força das circunstâncias a senhorita Gellhorn assistiu a um linchamento público, em local isolado para não chocar as donzelas e as crianças.

Nele estavam presentes centenas de pessoas comuns: políticos rasteiros, policiais tolerantes (o xerife foi o mestre de cerimônia), rotarianos, maçons, leões, comerciantes, sitiantes, professores, etc.

Uma multidão festiva, paramentada, num evento banal.

O jovem negro morreu pendurado numa corda amarrada numa árvore.

Depois alguém o encharcou de querosene e ele ficou ali queimando, enquanto as pessoas se afastavam.

"Patrão... patrão, eu num fiz nada, não. Não me queime, patrão, patrão..."

E o patrão ria, bebendo "gasolina em fogo".

No final as despedidas:

"Até logo, Jake."

"E aí, Billy?..."

"Até amanhã, Sam ..."

"Bem, não vai ter mais negro fresco por aqui durante algum tempo. Vamos levar vocês pra Columbia agora. Desculpe fazer vocês ficarem esperando...".

Muito mais tarde, durante o julgamento de nazistas em Nuremberg, a filósofa Hannah Harand, formulou a tese da "banalidade do mal".

Mas até então, o mundo pouco se debruçava sobre a questão.

Senhores e senhoras respeitáveis, que frequentavam a igreja dominical e a sociedade de uma cidade pequena, que se cumprimentavam e se visitavam, participavam de homicídios estupidos, sem questionarem os seus atos.

Na mesma noite, ao chegar em Columbia, Martha Gellhorn, com 27 anos, escreveu um artigo entitulado: "Justiça à noite", transmitida por telégrafo, ao "The Spectator".

Causou furor.

Despertou a imprensa e a sociedade americana que, em poucos anos, liquidou a KKK.

Essa, sim, foi uma grande reportagem.

Esse sim é o sonho de todo jornalista.

Fazer a diferença.

Despertar a justiça e mudar o mundo para melhor.

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Há pouco tempo atrás, lendo uma entrevista com o escritor norte americano John Dunning ele contou o seguinte.

Que iniciou sua carreira como jornalista (1970) no jornal "The Denver Post".

Que fez uma reportagem investigativa a respeito das revendedoras de carros usados que formaram cartel para "padronizar" o golpe ao consumidor e conseguir maiores lucros.

Era um esquema de adulteração dos motores e das quilometragens.

Que apresentou sua reportagem, (com provas), à diretoria do jornal que se recusou a publicar sob o argumento de que: "as revendedoras de carros usados hoje são nossos melhores anunciantes e assinantes".

Dunning pediu demissão no ato.

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Billie Holiday ou Lady Day, (Eleonora Fagan Gough – Filadélfia 07/04/1915 – Nova Iorque 17/07/1959), na época dessa reportagem, cantava jazz para as big bands e foi uma das primeiras cantoras negras a cantar com brancos.

Conta-se que ela leu a reportam de Martha e compôs a música “Strange Fruit” (Fruta Estranha), sucesso até hoje.

Sempre cantou a canção com muita emoção e dizem, foi essa música que a conduziu à depressão, às drogas e ao álcool.

A canção e a representação emocionada de Billie, está hoje disponível na internet no youtube e outros sites.

É a arte que mata; levada ao extremo, como no filme "O Cisne Negro".

Se você prestar atenção nos quatro segundos finais do vídeo, (é original dos anos quarenta), verá a artista relaxando, como se saísse de um transe.

É imperdível; assista antes de morrer.

A seguir a tradução dos versos:

“Árvores do sul produzem uma fruta estranha,

Sangue nas folhas e sangue nas raízes,

Corpos negros balançando na brisa do sul,

Frutas estranhas penduradas nos álamos.

Cena pastoril do valente sul,

Os olhos inchados e a boca torcida,

Perfume de magnólias, doce e fresca,

Então o repentino cheiro de carne queimando.

Aqui está a fruta para os corvos arrancarem,

Para a chuva recolher, para o vento sugar,

Para o sol apodrecer, para as árvores derrubarem,

Aqui está a estranha e amarga colheita.”

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Nina Simone, outra cantora de jazz, tem um clipe com a mesma música no youtube.

As imagens reproduzidas junto das canções são fotos da época, de negros enforcados rodeados por brancos sorridentes.

Um horror. Veja também, se você tiver estomago para horrores.

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"The Spectator" é jornal conservador desde a fundação em 1711.

É publicado até hoje com o nome de "Daily Telegraph".

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Martha Gellhorn, (1908), foi jornalista e escritora.

Cobriu todas as grandes guerras durante a vida.

Hoje existe um cobiçado prêmio jornalistico com o seu nome.

Morreu aos 90 anos; inválida e cega.

"Imprensa" é um tema tabu,

sempre dá gritaria.

No entanto, tudo é questionável.

No mais, fiquem em paz e

Obrigado pela leitura.

Sajob - maio/2016