Antropologia Filosófica: O homem e suas características.
Introdução
Na filosofia antiga o homem é pensado universalmente, ou seja, o homem faz parte da natureza sendo parte integrante desta. (pré-socráticos).
Na filosofia medieval o homem faz parte da criação de Deus e tem uma posição de maior destaque em relação à natureza. (Patrística, Agostinho, Tomás de Aquino).
Na filosofia moderna o homem é pensado a partir da natureza; constrói valores, hábitos, pensa a si mesmo, se define como sujeito autônomo, submetendo a natureza ao seu serviço.
Na filosofia contemporânea o homem está ligado à natureza. (Schopenhauer, Nietzsche, Sartre).
Saber o que é o homem nos tempos modernos passou a ser, não mais uma indagação apenas dos estudiosos e filósofos, mas também dos psicólogos, psicanalistas, educadores, políticos além do próprio homem que precisa saber quem ele é para continuar “existindo”.
O trabalho que se segue, pretende apresentar algumas características desse ser que é singular; que existe mesmo sem saber quem ele é, identificando-se apenas por aquilo que ele é capaz de perceber de si mesmo e cuja essência não foi expressa, de maneira verdadeira e absoluta, apesar de todos os estudos realizados pelas mentes mais brilhantes existentes desde todo o sempre.
Antropologia: (do grego. Anthropos: homem, e logos: teoria, ciência) - Ciência do homem ou conjunto das disciplinas que estudam o homem.
Antropologia filosófica: “Conhecimento pragmático daquilo que o homem, enquanto ser dotado de livre-arbítrio, faz, pode ou deve fazer dele mesmo” (Kant). Para Kant, a antropologia se dividi em: antropologia teórica (ou psicologia empírica), que é o conhecimento do homem em geral e de suas faculdades, antropologia pragmática, que é o conhecimento do homem centrado em tudo aquilo que pode ampliar sua habilidade; antropologias morais, que é o conhecimento do homem centrado naquilo que deve produzir a sabedoria na vida, conforme os princípios da metafísica dos costumes. (Hilton Japiassú,)
Homem – do latim homine significa qualquer indivíduo pertencente à espécie animal que apresenta maior grau de complexidade na escala evolutiva. (Aurélio)
Homem (lat. Homo, hominis) O que é o homem? Seria um objeto real ou apenas uma idéia? Seria uma certa variedade animal, que os antropólogos chamam de Homo sapiens? O fato é que o homem existe no planeta Terra há dezenas de milhares de anos. Hoje em dia, quando se fala da “morte do homem” (M. Foucault), trata-se da idéia ocidental de homem, criada pelo cristianismo e pela Antigüidade greco-latina. A Bíblia afirma a posição dominante do homem sobre a natureza (Adão, Noé) e com a Aliança que o Deus único e criador estabeleceu com uma parte dos descendentes de Adão. Alem disso, afirma que o próprio Deus se fez homem para salvar os homens. O fato de o homem relacionar-se com Deus torna-o diferente do resto da natureza. Aos poucos, o pensamento grego elabora a idéia de que o homem é “um animal dotado de razão” (Aristóteles). As duas correntes vão-se encontrar na Idade Média, graças aos esforços conceituais da escolástica. Com o Renascimento, há uma reviravolta: a Terra deixa de ser o centro do mundo, gira em torno do Sol, descobre-se à existência de outros homens além do oceano etc. É a época do humanismo, na qual a idéia de homem vai laicizar-se. Utiliza-se a matemática para se descrever e conhecer o mundo (Galileu, Newton). Na dúvida metódica de Descartes, a única evidência que subsiste é o “eu penso, logo existo”. Tudo o que não é pensamento é reduzido à extensão submetida às leis matemáticas da mecânica. Assim, o homem se converte num ser abstrato, num mestre do universo, simplesmente porque sabe que pensa e porque sabe medir a extensão. O prodigioso desabrochar das ciências parece confirmar essa visão (a *Enciclopédia e a Filosofia das Luzes). No séc. XIX, o homem, sujeito do conhecimento desde o séc. XVII torna-se objeto de conhecimento: começam a nascer às ciências do homem. Darwin situa o homem numa linhagem evolutiva e mostra que ele também é um animal. Marx mostra que os homens não dominam as leis da economia, mas são dominados por elas. A psicologia descobre que o homem está longe de fazer o que quer, de ser o que acredita ser. A idéia de homem é abalada. Questiona-se o cerne mesmo dessa idéia: a razão. O que entendemos hoje por homem? Afinal, “o que é o homem?”, se perguntava Kant. Se a idéia de homem morreu, nem por isso o homem concreto deixou de existir. (Hilton Japíassú)
Essência: (lat. essentia) 1.Para a escolástica, é uma das grandes divisões do ser: é o ser mesmo das coisas, aquilo que a coisa é ou que faz dela aquilo que ela é. 2.Na filosofia contemporânea, a essência não define nem revela a natureza do homem. Porque o home, ao vir a ser, não possui essência, apenas uma condição, uma situação: “a essência do ser-aí (Dasein) consiste apenas em sua existência” (Heidegger); é o homem mesmo quem produz aquilo que ele é, por sua liberdade: ele é projeto, isto é, aquilo que ele é capaz de fazer de si mesmo; nele, “a existência precede a essência” (Sartre). (Hilton Japiassú)
O QUE É O HOMEM?
Em filosofia, define-se o homem como um "animal racional". Essa afirmação não é feita da mesma forma que afirmamos que um triângulo tem três lados. A racionalidade é característica do pensamento do homem, de seus atos e de todos os seus modos de atuar. Esta racionalidade é que dá força ao livre-arbítrio, no sentido de ele agir como lhe convier e responder por seus atos. Por essa racionalidade o homem se realiza e, realizando-se, escolhe o sentido de sua vida e de suas ações, escolhe ser o que é: Homem econômico (Marx), Homem instintivo (Freud), Homem angustiado (Kierkegaard), Homem existente (Heidegger).
As definições acima, embora nos pareçam satisfatórias e claras, não esgotam as possíveis respostas à pergunta inicial: “O que é o homem?”. Na realidade, é muito difícil e talvez impossível chegar a uma resposta definitiva sobre a natureza do homem. Esse fato desafia os filósofos a elucidar as diversas questões acerca da essência do homem.
Do ponto de vista filosófico, falar da natureza humana significa falar da essência do homem. Não há consenso sobre o que vem a ser essa essência, embora se concorde que ela existe, fazendo a diferença entre o ser humano dos demais seres do universo.
Do ponto de vista dos evolucionistas, o homem é resultado de um processo evolutivo contínuo, e sua vida representa a passagem de formas inferiores e mais simples para formas superiores e mais complexas (Darwin). Para os representantes da antropologia filosófica, há um salto qualitativo do animal para o homem que não pode ser explicado por transformações progressivas, mas somente por uma diferenciação inicial entre ambos.
Retomando a indagação inicial, qual ou quais são essas características distintivas do ser humano? O que, na verdade, constitui a essencialidade do homem? Chega-se a um número relativamente amplo de respostas:
• racional;
• político;
• pensante;
• é um ser que tem alma ou espírito;
• é livre;
• elege valores e atua de acordo com eles;
• tem uma inteligência teórica e sentimento superiores;
• vive em sociedade;
• faz uso de uma linguagem para se comunicar, etc.
Pensando sobre os elementos fundamentais que caracterizam o homem e que, ao mesmo tempo, o diferenciam dos demais seres presentes no mundo, podemos dizer que o homem é objeto de estudo das mais diferentes ciências, como Biologia, Psicologia, Sociologia, Antropologia, etc., que procuram descrever e explicar os mais variados aspectos de sua vida.
Na condição de ser-no-mundo (Heidegger), o homem se comunica com a realidade de diversas maneiras:
• pela linguagem, que é a estruturação e articulação concreta do pensamento por meio da palavra;
• pela ação intersubjetiva, que se realiza em termos da moral e da avaliação estética;
• pela atuação dentro da coletividade, que é a realidade política;
• pela inserção no mundo, que é produto do passado projetado no presente, isto é, a história.
É esse o caminho seguido pela interrogação filosófica a respeito do homem. A Filosofia, ao se ocupar do ser humano, tem como finalidade provocar uma reflexão sobre sua natureza, bem como sobre o processo de produção de sua existência, e busca transformar experiências vividas em experiências compreendidas. Dessa forma, é possível afirmar que a Filosofia procura compreender o sentido e o significado da existência do homem em seus diferentes aspectos.
Pode-se afirmar que o homem é um ser pensante: não só é capaz de tomar contato com a realidade exterior, transformando-a, se necessário, mas também de se interessar pelo seu mundo interior, buscando continuamente autoconhecimento e aperfeiçoamento.
Como ser racional e pensante transcende os limites impostos pelo seu corpo e cria novas realidades, novas coisas, bem como é capaz de se recriar, modificando-se e aperfeiçoando-se. Por meio do pensamento, o homem se projeta no futuro em busca do infinito
O pensamento e a inteligência permitem ao homem resgatar o passado para melhor compreender o presente e planejar o futuro de forma mais adequada e promissora.
Movidos pelo instinto gregário, os animais passam a viver junto, com a finalidade de sobreviver e conservar a espécie. Os seres humanos também não vivem sozinhos; não são animais solitários, seus motivos para a convivência são diferentes. O indivíduo não existe, como ser humano, fora do meio social. Além dos impulsos vitais que levam os homens a se juntar ou a se opor uns aos outros, eles são estimulados a compartilhar sua existência com os demais, movidos pela necessidade de buscar o bem comum. A coexistência e a cooperação entre indivíduos e grupos são necessárias para a constituição e desenvolvimento das diferentes instituições sociais e políticas que, por sua vez, garantem o bem-estar individual e coletivo. Para possibilitar uma convivência harmoniosa, resultado da associação permanente entre indivíduos diferentes, o homem estabelece normas e padrões de conduta, promulga leis que regulam a vida em sociedade. Nesse sentido, além de ser social, o homem é um ser político: governa com habilidade o destino de sua polis (cidade).
A sociabilidade é inerente ao ser humano e garante a perpetuação de sua história. A convivência social permite-lhe compartilhar experiências e vivências passadas e presentes, bem como projetar realizações futuras mediadas pelo uso contínuo que faz da linguagem. A comunicação pessoal e social é intermediada pelo uso que os homens fazem da linguagem, nas suas mais variadas das formas.
O animal é guiado por seus instintos; no entanto não é capaz de controlá-los. O homem, embora movido em parte pelos instintos, pode dominá-los através de suas livres decisões e escolhas. Sua liberdade o eleva acima do mero agir e existir instintivo.
O homem é capaz de raciocinar, de julgar, de discernir e de compreender, o que o habilita a fazer escolhas e a optar livremente. À medida que suas opções são livres, o homem torna-se responsável por elas. Por ser livre e responsável, pode conviver em sociedade e participar do bem comum. Ao fazer suas escolhas entre bem e mal, certo e errado, verdadeiro e falso, conveniente e inconveniente, ao compreender e discernir as conseqüências de suas ações e opções, o homem se caracteriza como um ser livre.(Sartre).
A existência humana é permeada por questionamentos éticos que requerem repostas urgentes.
Tais questões evidenciam a existência de uma realidade factual (“aquilo que é”) e de uma realidade normativa (“aquilo que deve ser”). Na tentativa de transformar “aquilo que é” em “aquilo que deve ser” o homem se apresenta como um ser moral.
O homem é um ser que possui senso ético e uma consciência moral. Isso quer dizer que constantemente ele avalia suas ações para saber se são boas ou más, certas ou erradas, justas ou injustas. Além disso, faz juízos de valor sobre o modo de ser e de agir dos demais seres humanos. Nesse sentido, é possível afirmar que a ética ilumina a consciência humana, sustenta e dirige as ações do homem, norteando sua conduta individual e social. Como ser moral, o homem é atraído pelo bem, pela justiça, pela verdade, pela honestidade, etc. e repudia a falsidade e a desonestidade.
Como ser estético é permanentemente atraído pelo belo. O homem é o único ser vivo capaz de experimentar as emoções estéticas e compreender o belo. Em virtude dessa característica peculiarmente humana, ele se enfeita, cria a moda e faz objetos sem qualquer finalidade utilitária, mas somente para se deleitar e se contentar. O homem não é somente um apreciador do belo e das coisas belas. Ele pode criar, inventar e renovar o belo por meio da arte, que nada mais é do que a maneira intuitiva segundo a qual apreende a natureza, a realidade concreta e existencial que existe a sua volta.
O homem é o único ser que tem consciência de sua finitude. Sabe que sua vida tem começo, meio e fim: é um “ser-para-a-morte” (Heidegger). Dessa maneira, ele não se satisfaz com o que é ou com aquilo que possui. Está continuamente buscando algo mais. Aspira ao infinito e deseja alcançá-lo. Ao mesmo tempo, está consciente de seus limites: é um ser finito que procura a perfeição e o absoluto.Essa situação contraditória e paradoxal gera uma crise existencial.
Em alguns homens essa crise será superada, em parte, pela crença na imortalidade da alma e na existência de um Deus e de uma vida após a morte. É a maneira encontrada pelo homem para transcender sua contingência e sua limitação impostas pela matéria e alçar vôo rumo à espiritualidade. Saindo do ciclo material, animal e mesmo racional, ele se projeta no mundo espiritual, na esfera do absoluto e do infinito. Assim, pode-se afirmar que o homem também é um ser religioso e espiritual: adora, cultua e reverência forças e divindades consideradas entidades superiores e transcendentais. Diante de um mundo hostil e de uma realidade indecifrável, ele reza, arrepende-se, pede perdão pelos erros cometidos e invoca proteção e segurança a um Deus que condensa as idéias de infinitude, perfeição e completude.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
FERREIRA, A. B. de H. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira
JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Ed.Jorge Zahar, 1996
TROCQUER, René Le. Que é o homem? Ensaio de Antropologia Cristã. Tradução de David A. Ramos Filho. São Paulo: Flamboyant, 1960.
MONDIN, Battista, O homem: quem ele é?- Elementos de Antropologia Filosófica.Trad.de R. Leal Ferreira e M. A. S. Ferreira. São Paulo: Edições Paulinas, 1980
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Editora Ática, 1997