SOBRE MISÉRIA CULTURAL, O FUNDO DO POÇO E VALESCA POPOZUDA
Um dos modos mais eficazes de garantir o controle sobre uma população é fazer com que a mesma torne-se cada vez mais pobre, não necessariamente em termos econômicos e financeiros, mas sim – e sobretudo – em termos culturais e intelectuais. De fato, a miséria de uma nação, nesse sentido, torna-a muito mais suscetível à manipulação de governantes mal-intencionados.
Note-se que a decadência cultural de um povo pode ser implementada de cima para baixo, isto é, a partir das classes dominantes, que em geral detêm o poder político e controlam a grande mídia. Governos populistas, como o nosso, se esforçam para paulatinamente denegrir ou menosprezar os verdadeiros arrimos de toda nação realmente desenvolvida e civilizada: a Alta Cultura e a Erudição. Taxam-nas, de modo proposital embora velado, de “convenções arrogantes”, coisa de gente metida. Em contrapartida, defendem incansavelmente uma visão antropológica de Cultura. Isto porque, para a Antropologia, TUDO o que é feito pelo homem no convívio com seus semelhantes é considerado parte integrante da “Cultura”. Tudo mesmo: desde rinhas de galo até piadas grosseiras contadas nos bares; desde as maneiras de interação dos jovens urbanos nas baladas até os atos de infanticídio cometidos por tribos indígenas contra crianças nascidas com algum tipo de deficiência. Tudo, para o antropólogo, faz parte da Cultura e merece portanto a sua atenção.
É óbvio que uma interpretação tão abrangente do que seja a Cultura jamais poderia fazer qualquer tipo de juízo de valor a respeito dos fatos culturais analisados. Aos olhos da Antropologia, que enxerga tudo de modo distante e imparcial, simplesmente não há espaço para distinções e julgamentos. Como diria Enrique Discépolo, autor da cáustica letra do tango Cambalache, “todo es igual, nada es mejor”.
Dessa forma – e com uma boa dose de cinismo manipulador –, intelectuais servis à causa governista passam, por exemplo, a defender que uma letra de funk da favela tem a mesmíssima importância de um texto clássico de nossa literatura. De fato, para esses deformadores de opinião, Valesca Popozuda está no mesmíssimo patamar em que se encontram Machado de Assis ou Lima Barreto (e discordar disso é pedir para ser chamado de preconceituoso ou elitista).
E é assim que as coisas vão sendo niveladas, por baixo e sordidamente. A glorificação de tudo o que é medíocre e rasteiro e o concomitante escárnio dirigido àqueles que aspiram a ideais mais sublimes e elevados já fazem parte da mentalidade coletiva brasileira. Chegamos ao fundo do poço, mas ainda continuamos cavando.
P.S. A propósito, a referida funkeira foi homenageada na semana passada pela Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro por suas notáveis contribuições à Cultura Nacional.