Cultura Sexual e Sexualidade: elementos de dominação social
Cultura Sexual e Sexualidade: elementos de dominação social
Gabriela Costa Faval
Resumo
A sexualidade passou por diversas mudanças práticas e conceituais ao longo da história. O advento do cristianismo introduziu o pastorado, responsável pela maior prática de controle e disseminação de regras morais das sociedades antigas e que perdura até hoje; a prostituição e a homossexualidade levaram a medidas de controle de doenças, passando a restringir as práticas sexuais; movimentos sociais como a revolução sexual, o feminismo, a luta por direitos civis e a liberdade gay geraram reviravoltas nos costumes e nas possibilidades sexuais. Todos estes acontecimentos, somados a outras situações culturais, sociais e políticas, configuraram as definições dos papéis sexuais dentro de uma sexualidade normativa e, consequentemente, conflitos entre os gêneros. Entre a abjeção de um e o fortalecimento de outro, foram estabelecendo-se relações de poder que, nem sempre, resultavam em opressores e oprimidos, mas demonstravam que a sexualidade devia ser compreendido como um instrumento social e cultural, mas também político.
Palavras-chave: Cultura, sexualidade, gênero, cultura sexual.
Abstract
Sexuality has undergone several changes and conceptual practices throughout history. The advent of Christianity introduced the pastorate, responsible for most practical control and dissemination of moral rules of ancient societies and continues today; prostitution and homosexuality led to disease control measures, going to restrict sexual practices; social movements like the sexual revolution, feminism, the struggle for civil rights and gay freedom generated twists the manners and sexual possibilities. All these events, in addition to other cultural situations, social and political, have shaped the definitions of gender roles within a normative sexuality and hence conflicts between genders. Between abjection and a strengthening of another, were settling power relations that do not always resulted in oppressors and oppressed, but showed that sexuality should be understood as a social and cultural tool, but also political.
Keywords: Culture, sexuality, gender, sexual culture.
 
INTRODUÇÃO
As atitudes sexuais diferem de acordo com contextos sociais distintos. Cada período da história da humanidade apresenta culturas sexuais, valores e crenças aplicados à sexualidade que mudam com o tempo e sob o efeito de alterações político-culturais.
Apesar de, só recentemente, a sexualidade ser compreendida como algo socialmente construído, foi essa compreensão da natureza intersubjetiva dos significados sexuais que permitiu enxergar a sexualidade como um importante elemento de regulação social.
A atenção inicial voltou-se para os “roteiros” sexuais que organizam a interação sexual dos indivíduos nos diversos locais sociais, revelando cenários culturais mais amplos, práticas discursivas e complexos sistemas de poder que produzem os significados e experiências da sexualidade. O “foco” de interesse, então, passou a ser a variedade de culturas sexuais e os espaços culturais que ali se manifestam.
Segundo Parker (2000), em muitas situações,
[...] as noções de atividade e passividade nas interações sexuais provaram ser mais importantesna definição da identidade sexual do que a “escolha” do objeto ou do sexo do parceiro(p.134).
Apesar das pesquisas sobre identidade sexual se direcionarem, em grande maioria, para as práticas homossexuais, o advento da AIDS deu surgimento a questões voltadas para os “grupos de risco”, em específico para os profissionais do sexo, através dos quais se constatou que as trocas sexuais e econômicas eram muito mais complexas e variadas do que se imaginava. Essa troca de sexo por favores, dinheiro ou presentes, nem sempre pressupunha uma identidade sexual mas em alguns contextos, eram organizadas entorno de uma consciência especifica de identidade.
Qual o significado de ser macho ou fêmea em uma cultura sexual? Esse papel se transforma de uma cultura para outra? Como seus representantes interagem sexual e socialmente? Todos os machos e fêmeas biológicos passam por uma socialização sexual, onde seus papéis e noções culturais são modeladas ao longo da vida, determinando desejos, sentimentos, práticas sexuais específicasdos seus grupos de idade ou status social e as alternativas sexuais possibilitadas dentro de suas culturas.
Essas comunidades estruturam as possibilidades de interação sexual entre os atores sociais individuais, definidas através de regras implícitas e explícitas e regulamentos impostos pelas culturas sexuais de comunidades específicas. Tornou-se, então, de grande relevância compreender as “redes sexuais, os sistemas de significados e os princípios sociais estruturais que organizam as possibilidades de interação” (PARKER, 2000). É essa consciência sobre as possibilidades de interação que determinam os diferenciais de poder social e cultural, principalmente entre homens e mulheres, mas também entre os diversos grupos sexuais socialmente construídos. Segundo Parker,
Precisamente devido ao fato de que diferentes culturas sexuais organizam a desigualdade sexual de formas específicas, essas regras e regulamentos culturais colocam limitações específicas ao potencial para a negociação nas interações sexuais – e condicionam, por sua vez, as potencialidades para a ocorrência de violência sexual, para padrões de utilização de medidas preventivas, para as estratégias de redução do risco de HIV/AIDS e assim por diante. (PARKER, 2000. p. 138)
Todos os estudos sobre as culturas sexuais e suas interações, permitiram compreender que as mudanças ocorridas nas relações de gênero e sexuais, tinham reflexo direto e indireto em mudanças políticas, econômicas e culturais mais amplas.
No processo histórico, quatro movimentos sociais se destacam pela marca do que poderia ser visto como sua perspectiva mais politizada da pesquisa social e cultural sobre a sexualidade: a revolução sexual, o feminismo, a liberação gay e o movimento de direitos civis. Esses movimentos não geraram apenas mudanças específicas, mas também liberdades para homens e mulheres dentro de um sistema sexo/gênero, onde a sexualidade biológica é culturalmente traduzida em ação.
Se, por um lado a revolução sexual e o feminismo giravam em torno das origens da opressão à mulher e da utilidade da exploração feminina para o sistema capitalista, o movimento gay colocou em julgamento as categorias ocidentais da masculinidade, da feminilidade e da sexualidade normativa, bem como a própria corporeidade. Já o movimento negro, surgido dentro dos direitos civis, aumentou a consciência de que as ideologias da sexualidade estão carregadas de pressupostos sobre raça, classe e nacionalidade, que moldam a sexualidade através de políticas de raça e etnicidade.
Quando se questiona o “natural” nas questões sexuais, destacando o processo histórico da sexualidade e sua compreensão como instrumento social e cultural, destaca-se, também, o fato de que “a desigualdade de gêneros e a opressão sexual não são fatos imutáveis da natureza, mas artefatos da história” (PARKER, 2000).
A via de mão dupla dos poderes sexuais
A sexualidade esteve manifesta desde o surgimento da humanidade e, não apenas como característica biológica, mas como instrumento de poder, moeda de troca. Se, por um lado a história dá indícios de uma dominação sexual masculina, por outro lado há, também, amplos sinais de que as mulheres das primeiras sociedades do velho mundo eram ativas na sexualidade e, nela, detinham certo poder de barganha. Ainda nessas sociedades, a necessidade da introdução de padrões regulatórios surge em contraposição ao reconhecimento do prazer sexual, em nome da ordem social e até de uma sobrevivência econômica.
Povos da antiguidade fizeram uso da arte para representar a dominância do falo – caso de Pompéia, cujas ruínas trouxeram à tona esculturas, pinturas e decorações em alto e baixo relevo adornando casas e ruas – e o papel reprodutivo da mulher. Algumas vezes representava-se o ventre feminino, mas sempre implicando a dominação sexual masculina.
Práticas onde se evidenciava o travestismo foram representadas em pinturas e esculturas, cuja origem poderia ser devido a uma redução no percentual de mulheres nessa sociedade, fazendo com que homens assumissem tarefas cotidianas exclusivamente femininas, ou por identificação de indivíduos “diferentes” dentro do grupo, mas às mulheres era negado o direito de vestir-se ou agir como homem, sendo raras as exceções.
A introdução da agricultura, por volta de 9000 – 8000 a.C, também trouxe mudanças significativas para a sexualidade, principalmente a feminina. A prática sexual, antes vista como meio de obtenção de prazer, sem parceiro(a) definido, passa a mudar paralelamente ao surgimento da noção de propriedade. A garantia da terra e sua transmissão aos descendentes exigia que essa descendência fosse determinada, assim,foram adotadas medidas (regras) para controlar a sexualidade feminina, de forma a que o sexo passasse a ter uma forte função reprodutiva. Isto, por sua vez, gerou diferenças evidentes no âmbito das relações sociais, entre os padrões sexuais de homens e mulheres, como afirma Stearns:
Todas as sociedades agrícolas tornam-se, de certo modo, patriarcais – isto é, dominadas por homens (e de pai para filho); e uma expressão fundamental do patriarcado foi o impulso de controlar a sexualidade feminina e diferenciar padrões por gênero (STEARNS, 2010. p. 31)
O sexo como função reprodutiva também afetou a sexualidade feminina. Em algumas comunidades rurais difundiu-se a ideia de que era indecoroso ou inapropriado que o apetite sexual de um casal permanecesse inalterado com o passar dos anos. Isto associado ao sexo para fins reprodutivos tirou das mulheres o direito a exercer sua sexualidade após a menopausa ou diante de uma situação de viuvez, negando-lhes, inclusive, a possibilidade de novo matrimônio.
Outro método de controle da sexualidade feminina foi o surgimento, no nordeste da África, da circuncisão feminina (retirada do clitóris para redução da libido e limitação do prazer sexual). A prática ocorria sem qualquer acompanhamento ou higiene médicos e resultava na morte de 90% das mulheres que a sofriam.
As regras e normas morais que tiveram surgimento a partir de então, só afirmaram ainda mais essa diferença entre a sexualidade masculina e feminina. O adultério foi um claro exemplo disso, sendo considerado adúltero o homem que mantinha relações com uma mulher casada, mas não o contrário, já que era dado ao homem o direito de ter concubinas. O uso do véu encobrindo o rosto das mulheres casadas, justificava-se como uma forma de protegê-las das investidas sexuais e, assim, controlá-las.
A violência e a exploração provenientes dos estupros e da prostituição também têm seu destaque nesse processo, porém identificavam apenas um lado do poder, exercido sobre os grupos mais vulneráveis, um exemplo claro de dominação. No referente às sociedades agrícolas, não fica muito definidoo que era ou não estupro, devido à pequena existência de registros e a leis não muito claras sobre essa prática. Mesmo após as primeiras leis (judaicas) que condenavam o estupro, não significou efetivamente uma restrição, visto a vítima (mulher) devia comprovar que não tinha sido consensual. Ainda cabia, aqui, uma ressalva: se a vítima fosse solteira o estupro era considerado uma ofensa ao pai, seu “dono” perante a sociedade e se fosse casada, a ofensa era ao seu marido, “dono” por acordo de casamento, ou seja, o crime nunca era visto como uma agressão à mulher. A pena ao estuprador era, muitas vezes, casar-se com a vítima, mesmo contra sua vontade, o que resultava em um castigo para a vítima.
O patriarcado instituído até então, deixava claro que a mulher representava um conjunto familiar e não um ser individual. Por outro lado, a prostituição representava uma parte dos homens e mulheres que não se submetiam às normas morais, ou seja, detinham certa “liberdade” e, com ela, ganhavam espaço para negociar social e politicamente. Essa prática, provavelmente, se deu pelo surgimento de novas punições ao adultério e pela massiva introdução do dinheiro às sociedades agrícolas, resultante de uma especialização econômica. A venda de prestamos sexuais tinham como fonte, talvez o único grupo de mulheres e homens independentes e no controle de suas próprias sexualidades.
As guerras também contribuíram para a escravização e consequente prostituição ou abuso de mulheres. Apesar de condenáveis em muitas sociedades, os bordéis surgidos acabaram se tornando fonte de renda para o Estado, graças ao pagamento de impostos. A igreja, que condenava a prática, também conseguiu obter lucros graças à venda de indulgências e à exigência de pagamento do “dízimo” como condição para “negociar” o perdão perante Deus.
O papel das cortesãs deu a muitas mulheres atenienses considerável prestígio e envergadura social, como no caso de Aspásia, amante do político Péricles e dona de prostíbulos, que se tornou símbolo do poder das prostitutas de elite gregas. Elas tinham acesso a diversas informações, os chamados “segredos de alcova”, que as colocavam em posição de igualdade em muitos debates políticos e filosóficos e lhes concediam instrumentos para obter e negociar vantagens sociais e econômicas.
Homossexualidade: uma prática política
Não é raro que se acredite ser, a homossexualidade, uma prática contemporânea, bem como a maioria das práticas sexuais conhecidas, no entanto, a prática homoafetiva remota de épocas muito antigas, provavelmente na pré-história já existisse.
Como afirmam documentos, relatos e registros históricos, a homossexualidade era tida, por muitos povos da antiguidade, como algo corriqueiro e natural. Em determinado momento, essa prática passou a ser proibida e até condenável e esta mudança trouxe consigo, também, mudanças significativas ao convívio social e a moralidade, em muitas sociedades gerando, inclusive, leis. Por um lado, os homossexuais chegaram a ter o mesmo poder de barganha das prostitutas, mas não se pode negar que a perseguição a eles foi maior e mais profunda, persistindo até a atualidade com práticas de exclusão e morte, principalmente após as grandes mudanças religiosas originadas pelo cristianismo e por interesses políticos.
Em 533 a.C, Justiniano passou a punir a homossexualidade com a fogueira e a castração, alegando que a prática não era um ato aceito por Deus. Esta mudança deu origem a família e ao casamento. Mas para alguns historiadores, como afirmam MOREIRA FILHO e MADRID (s/d), a homossexualidade estava “tão difundida que ninguém dela se envergonhava”. Ao tempo, notabilizou-se a paixão de Ricardo I, da Inglaterra, por Felipe II, da França. Isto deu a compreensão de que a repressão era mais uma questão política que religiosa, já que as prisões sob essa acusação eram um método conveniente para livrar-se dos indesejáveis.
Segundo Vieira (2012) apud Arrendt (s/d), o totalitarismo se baseia na solidão, na experiência de não pertencer ao mundo, que é uma das mais radicais e desesperadoras experiências que o ser humano pode ter (ARRENDT, s/d). O totalitarismo ao qual Arrendt se referia era proveniente da realidade judaica, mas se aplicava ao que Vieira chama de “cis-heteronormatividade”, uma cristalização do totalitarismo que se funda na subjetividade das massas, grifo do autor. Como afirma Vieira,
Neste caso não seria totalitarismo apenas do Estado, mas seria ele, pois, a cristalização de certo desejo de segurança que está no âmago das individualidades e subjetividades, que se cristaliza e enrijece, emerge como um Regime Totalitário que, para existir, deve4 necessariamente elencar um inimigo – e reduzí-lo à condição de abjeção (VIEIRA, 2012. s/p.)
A abjeção imposta a alguns grupos da sociedade é explicada por Foucault (1978), em História da Loucura na Idade Clássica, como condição de inumanidade atribuída a quem fugia da “normalidade”, um padrão de comportamento esperado. No século XIX, a abjeção era o rótulo dado a grupos como “vagabundos”, os degenerados, os homossexuais, as mulheres frígidas, as mulheres “independentes”, pessoas que fugiam do esperado.
A cis-heteronorma torna-se uma abjeção contemporânea, que “determina arbitrariamente o gênero em relação ao genital e que pressupõe a sexualidade do ser humano antes mesmo que este manifeste seus desejos, suas vontades, suas preferências e sua orientação sexual” (VIEIRA, 2012. s/p.).
O foco sobre a homossexualidade desencadeou, ao longo dos anos, debates sobre sexualidade que, mais que um fenômeno quantitativo é a forma pela qual sexo e sexualidade podem ser regulados enquanto problemas econômicos e políticos. Se analisarmos que a prática da homossexualidade e da prostituição, e o relativo poder adquirido por estes indivíduos das relações interpessoais desenvolvidas em suas atividades, significaram uma interferência direta e indireta nos interesses da igreja, conseguiremos compreender porque o foco das per5seguições, das normatizações sociais e da defesa da moralidade recaíram, principalmente, sobre estes dois grupos.
Para Foucault (1978), o século XVIII não evidenciou a proibição de se falar sobre as questões sexuais, mas a regulação deste por meio de discursos uteis e públicos. Este contexto é responsável pelo surgimento do bipoder, elemento que possibilita o cálculo técnico da vida nos termos de população, saúde e interesse nacional, onde sexo e sexualidade são controlados em nome de um capitalismo disciplinário, assegurando institucionalmente o povoamento e uma sexualidade economicamente útil e politicamente conservadora.
Ainda segundo Foucault, a política do sexo não se restringe a grupos específicos, mas refere-se a todos aqueles que povoam os discursos e interagem com o indivíduo o tempo todo.
A distinção entre masculino e feminino não é algo psicológico. Quando falamos em masculi8no, normalmente somos remetidos ao “ativo”; quando falamos em feminino, idealizamos 0o “passivo”. No entanto, essa diferença classificatória entre os gêneros configurou, muito mais que características, uma forma de normatização dos papéis, principalmente os sexuais.
Embora os historiadores afirmem que antes do cristianismo, nas comunidades gregas e romanas jáhaviam princípios de moral sexual, que se tornaram “bandeiras” do cristianismo, anos mais tarde, não negam o fato de que, a partir de seu surgimento foram implantadas novas técnicas de imposição dessas regras. Uma delas foi o “pastorado”, que consistia em um grupo de indivíduos “específicos e singulares [...] que desempenhavam, na sociedade cristã, o papel de condutores, de pastores, em relação aos demais” (Foucault, 1978). Esse poder se opunha a um poder político tradicional, por não se referir ao comando sobre um território ou contra um inimigo, mas sobre uma multiplicidade de indivíduos. Contudo, o principal poder atribuído ao “pastor” era a imposição de obediência absoluta, onde quem obedecia praticava a humildade, obedecendo a vontade do outro como se fosse a própria vontade de Deus.
Considerações Finais
Na antiguidade os povos agrícolas praticavam, naturalmente, a homossexualidade e a poligamia. Práticas como, o casamento, a monogamia, o sexo para fins reprodutivos e a perseguição a prostitutas e homossexuais, foram resultados da introdução do capital e dos interesses econômicos e políticos que fortaleceram o cristianismo.
Os discursos entorno da sexualidade configuraram proibições e restrições que condenaram alguns grupos à abjeção e, em muitas situações, levaram a mortes e castrações. O patriarcado que passou a configurar essas sociedades, trouxe consigo a noção de que a ideia do feminino estava diretamente e unicamente relacionada à passividade e, com isso, muitos direitos femininos passaram a ser negados, como a obtenção de prazer sexual e a contrair novo matrimônio após enviuvar. A mulher passou a representar o grupo familiar que integrava e deixou de ser vista como um ser individual.
A prostituição era uma prática cultural não restrita ao mundo feminino. Digo cultural porque fazia parte de uma estrutura social que sobrevivia da escravização de povos inferiores e da utilização de homens e mulheres escravizados, para tal finalidade. De igual forma, a homossexualidade estava inserida nas sociedades gregas e romanas como parte da formação masculina. O processo de aprendizado cultural e político estava diretamente relacionado à prática homossexual, dos 16 aos 18 anos. Os deuses gregos e romanos eram uma clara representação da beleza física e, muitos deles, da luxúria disponibilizada dentro da sociedade.
Mas o ponto principal de todo esse processo foi o poder que se instituiu a partir de tais práticas. Fossem concubinas, prostitutas ou “aprendizes” masculinos, todos estavam em contato indireto com as questões econômicas e políticas da sociedade. Foi justamente este poder que despertou a necessidade de controle desses grupos específicos.
Debater a sexualidade perpassa por uma realidade de opressões e abjeções que perdura até os tempos atuais mas, também revela uma realidade histórica de detenção de liberdades barganhadas e adquiridas a preço de práticas sexuais. Prostitutas e homossexuais foram, por muitos séculos, considerados indivíduos “livres”, que decidiam sobre seu corpo e suas vontades, independentemente das regras morais estabelecidas. A escravidão, independentemente de etnias, representou a subjugação de indivíduos, mas também o relato histórico de escravos que se utilizaram do prestígio adquirido em sua condição, para obter regalias. Longe de ser uma dupla face nas questões sexuais, os poderes estabelecidos a partir das relações de gênero e das práticas relacionadas ao sexo, revelam que a sexualidade não se restringe apenas a uma questão religiosa ou moral, pelo contrário, ela tem uma característica política, cultural e econômica através das quais caminha a sociedade.
 
REFERÊNCIAS
STEARNS, Peter N. História da Sexualidade; tradução Renato Marques. São Paulo: Contexto, 2010.
PARKER, Richard. Cultura, Economia Política e Construção Social da Sexualidade. In: O Corpo Educado: pedagogias da sexualidade. Guacira Lopes Louro (org.). Tradução dos artigos: Tomaz Tadeu da Silva. Belo horizonte: Autêntica, 2000, 176p.
FOUCAULT, Michel. Sexualidade e poder. Conferência na Universidade de Tóquio, 20 de abril de 1978, p. 58-77.
MOREIRA FILHO, Francisco Carlos; MADRID, Daniela Martins (Art.).Homossexualidade e sua história. Disponível em: http://storage/external_SD/Textos/MOREIRAFILHO&MADRID Acessado em: 22/02/15
VIEIRA, Fernando Dantas. Meu devir trans: o totalitarismo da norma e os primeiros passos internos (Entrevista), 2012. Disponível em: https://ensaiosdegenero.wordpress.com/tag/michel-foucault/ Acessado em: 12/02/15