ARTE PÚBLICA: ESPAÇO ARTE
Atualmente, muita gente se questiona sobre o significado do termo arte pública. Para alguns, este termo não passa de um pleonasmo, na medida em que toda a arte pode ser considerada pública, porque é exposta em instituições de acesso livre como os museus e galerias. Contudo, na minha perspectiva existe uma clara pertinência para a criação deste termo, na medida em que possibilita distinguir as diversas formas de arte realizadas no espaço público. Arte pública significa, em traços gerais, todas as intervenções artísticas realizadas num espaço público de livre acesso (rua, praça, jardim, metro, fachada de edifício, internet, etc).
A arte pública engloba uma grande diversidade de gêneros artísticos, desde a escultura, pintura, grafite, mosaico, mural, baixo-relevo, happening, desempenho, entre outras formas de expressão. Tudo o que esteja relacionado direta ou “indiretamente” com o espaço público e a sua vivência social. Portanto, não existem fronteiras rígidas e pré-determinadas, porque o conceito de espaço público encontra-se em constante evolução. Por exemplo, a internet tem se revelado, cada vez mais, num espaço público (virtual) por excelência, onde se inscrevem as mais variadas formas de arte (ciberarte).
No que diz respeito à arte pública. Para mim, a arte pública é “uma das fronteiras de resistência” ao processo de globalização e homogeneização cultural. É um processo criativo, crítico-reflexivo como diferença de todo sujeito que provoca o desejo de que as estratégias criativas derivadas à arte pública, em especial à arte relacional e sua forma complexa, sejam levadas a cabo como um tipo de jogo diferenciado, onde o espaço público dentro de uma sociedade, pode ser levado a materializar faltas que construam o local como espaço praticado, vivenciado. Hoje já não podemos nos deixar levar pela homogeneização cultural, que se implanta em todo o mundo, que se impõe a ritmo acelerado, processo este, decorrente da globalização, a qual provoca uma universalização nas formas de pensar e sentir, a realidade como uma estrutura homogénea. O processo criativo da arte pública se torna então uma das fronteiras de resistência.
Definir uma arte que seja pública obriga a considerar as dificuldades que rondam a noção desse conceito. Em sentido literal, seriam as obras que pertencem aos museus e acervos, ou os monumentos nas ruas e praças, que são de acesso livre. Nessa direção, é possível acompanhar a vocação pública da arte desde a Antigüidade, lembrando de obras integradas à cena cotidiana - por exemplo, O Pensador, de Auguste Rodin (1840 - 1917), instalado em frente do Panteão em Paris, 1906 - e de outras mais diretamente envolvidas com o debate político. O projeto de Vladimir Tatlin (1885 - 1953) para um monumento à Terceira Internacional (1920) e o Memorial de Constantin Brancusi (1876 - 1957), 1937-1938, dedicado aos civis romenos que enfrentaram o Exército alemão em 1916, são exemplos disso. O muralismo mexicano de Diego Rivera (1886 - 1957) e David Alfaro Siqueiros (1896 - 1974) pode ser considerado um dos precursores da arte pública em função de seu compromisso político e de seu apelo visual.
O sentido corrente do conceito refere-se à arte realizada fora dos espaços tradicionalmente dedicados a ela, os museus e galerias. Fala-se de uma arte em espaços públicos, ainda que o termo possa designar também interferências artísticas em espaços privados, como hospitais e aeroportos. A idéia geral é de que se trata de arte fisicamente acessível, que modifica a paisagem circundante, de modo permanente ou temporário. O termo entra para o vocabulário da crítica de arte na década 1970, acompanhando de perto as políticas de financiamento criadas para a arte em espaços públicos, como o National Endowment for the Arts (NEA) e o General Services Administration (GSA), nos Estados Unidos, e o Arts Council na Grã-Bretanha. Diversos artistas sublinham o caráter engajado da arte pública, que visaria alterar a paisagem ordinária e, no caso das cidades, interferir na fisionomia urbana, recuperando espaços degradados e promovendo o debate cívico. "O artista público é um cidadão em primeiro lugar", afirma o iraniano Siah Armajani (1939), radicado nos Estados Unidos.
A arte pública deve ser pensada dentro da tendência da arte contemporânea de se voltar para o espaço, seja ele o espaço da galeria, o ambiente natural ou as áreas urbanas. Diante da expansão da obra no espaço, o espectador deixa de ser observador distanciado e torna-se parte integrante do trabalho (nesse sentido, difícil parece algumas vezes localizar os limites entre arte pública e arte ambiental). O contexto artístico que abriga as novas experiências com o espaço refere-se ao desenvolvimento da arte pop, do minimalismo, do pós modernismoe da arte conceitrual que tomam a cena norte-americana a partir de fins da década de 1960, desdobrando-se em instalações, perfomances, arte processual, land art, graffiti art etc. Essas novas orientações partilham um espírito comum: são, cada qual a sua maneira, tentativas de dirigir a criação artística às coisas do mundo. As obras articulam diferentes linguagens - dança, música, pintura, teatro, escultura, literatura etc. -, desafiando as classificações habituais, colocando em questão o caráter das representações artísticas e a própria definição de arte. Interpelam criticamente o mercado e o sistema de validação da arte, denunciando seu caráter elitista.
A land art figura entre os exemplos associados à arte pública. O espaço físico - deserto, lago, canyon, planície e planalto - apresenta-se como campo onde os artistas realizam grandes arquiteturas ambientais como, por exemplo,Double Negative [Duplo Negativo] (1969), de Michael Heizer (1944), Spiral Jetty [Pier ou Cais Espiral] (1971), de Robert Smithson (1938-1973), e The Lightning Field [O Campo dos Raios] (1977), de Walter de Maria (1935). As obras de Alice Aycock (1946), A Simple Network of Underground Wells and Tunnels (1975), e de Mary Miss (1944), Untitled(1973), têm outra escala: são instalações postas no ambiente natural que procuram integração entre os materiais - madeira no caso - e o entorno. As obras de Richard Long (1945) acompanham os passos e o olhar do caminhante (Walking Line in Peru, 1972). Em Christo (1935), por sua vez, novas soluções arquitetônicas são obtidas pelo empacotamento de monumentos célebres, como o da Pont Neuf, em Paris, 1985, ou pela ação sobre a natureza (Valley Curtain, 1972).
O espaço das cidades é explorado pela arte pública de modos distintos. Alguns projetos artístico-arquitetônicos associam-se diretamente aos processos de requalificação do espaço urbano e contam com a participação da população local em sua execução (na Inglaterra, por exemplo, o trabalho de Eileen Adams na Pembroke Street Estate, Plymouth). Outros planos de renovação de centros urbanos se beneficiam de obras de artistas de renome. A encomenda feita a Alexander Calder (1898 - 1976) pelo NEA é uma delas. Se o trabalho de Calder, instalado na região central de Grand Rapids, Michigan, 1969, conhece acolhida imediata da população, outra foi a reação mobilizada peloTilted Arc (1981), de Richard Serra (1939) - gigantesca "parede" de aço inclinada que toma conta da Federal Plaza, em Nova York -, retirada do local em 1989, em função dos sucessivos conflitos entre o artista e a opinião pública. Exemplos de projetos e obras que lidam com a cidade como espaço de intervenção podem ser encontrados na escola californiana de Los Angeles - Robert Irwin (1928), James Turrell (1943), Maria Nordman (1939) e Michael Asher (1943) -, que realiza um trabalho sobre as construções urbanas com utilização de fontes luminosas artificiais. A instalação permanente de Daniel Buren (1939) em frente do Palais Royal, em Paris, e a intervenção coletiva no Battery Park City em Manhattan, envolvendo arquitetos e artistas como Armajani e M. Miss, exemplificam outras direções tomadas pela arte pública. Uma alternativa aos financiamentos governamentais é proposta por um grupo de artistas - entre eles Gordon Matta-Clark (1943 - 1978), Richard Landry (1938) e Tina Girouard (1946) - que, em 1971, abrem o restaurante Food, como forma de viabilizar projetos de arte pública (por exemplo Splitting, 1974, de Matta-Clark).
No Brasil, é possível pensar em arte pública por meio de iniciativas individuais de artistas. Na década de 1960, as manifestações ambientais de Hélio Oiticita (1937 - 1980), com suas capas, estandartes, tendas, parangolés, uma sala de sinuca (1966) e Tropicália (1967, ambiente labiríntico composto de dois Penetráveis associados a plantas, areia, araras, poemas-objetos, capas de parangolé e um aparelho de televisão) podem ser tomadas como exemplos de produção artística que interpela a cena pública. Na década de 1970, podem ser lembradas as intervenções na cidade realizadas por Abtônio Lizarga, em parceria com Gerty Saruê (1930), cujo primeiro resultado é Alternativa Urbana. A obra, definida pelos autores como peça de "engenharia urbana", é composta de 28 toneladas de vigas prismáticas de cobertura (fabricadas pela Sobraf), pintadas com faixas azuis, pretas, brancas e vermelhas, cortadas por um desenho geométrico. A proposta liga-se à interação do público com a obra e à idéia de que a arte deve ser "utilitária". Este projeto primeiro está na origem de um projeto coletivo, liderado pelo arquiteto Maurício Fridman (1937). A rua Gaspar Lourenço, na vila Mariana, São Paulo, é escolhida como cenário: o beco é pintado de branco com figuras negras representando as fases da evolução humana; a escadaria, também branca, leva uma lista azul e panos coloridos; os muros, recobertos com letras, números, linhas e bolas coloridas que tomam a calçada. A experiência na rua Gaspar Loureiro, aponta Annateresa Fabris, "confirma a vocação urbana do trabalho de Lizarraga".
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