UMA ALDEIA ONDE FLORESCE A ARTE
Worpswede, nome de difícil etimologia. Até fins do século XIX, uma aldeia desconhecida, perdida nas regiões turfeiras do norte da Alemanha. Hoje, quem conhece a istória da arte mundial, saberá o que aconteceu em Worpswede.
Localização e a primitiva Worpswede
Deixando a cidade de Bremen, e passando pelo “Vale dos Lírios” (Liliental), desdobra-se ante nossos olhos uma imensa planície, onde há milhares de anos cresce a turfa. Região pobre, sem grandes indústrias. Somente as técnicas modernas de cultivo da terra e da criação de gado conseguiram elevar o nível social dos agricultores ali residentes.
Entre as aldeias desta região, pertencentes à Saxônia-baixa, apenas uma teve a sorte de ser arrancada ao anonimato: Worpswede. Esta aldeia dista cerca de 25 km de Bremen. Distingue-se das outras aldeias por estar situada nas encostas duma elevação, que se ergue estranhamente das planuras monótonas da redondeza. Segundo os geólogos, esta colina é resultado duma moraina da última Era Glacial. Em séculos passados, quando as enchentes cobriam as turfas, os habitantes das baixadas procuravam abrigo em Worpswede, no chamado “Weierberg”.
O “homem da turfa” era pobre, rústico, individualista, castigado pelas intempéries. Fazia o trabalho ingrato de cortar a turfa, levando-a por caminhos aquáticos a Bremen e outras localidades maiores. Hoje o carvão substituiu o aproveitamento deste combustível.
Por causa dos muitos banhados, eram raros os rebanhos. Palha, que descia até ao chão, cobria as casas. Muitas vezes, sob esse único telhado viviam, apenas separados por uma fina parede, gado e família. Homem e natureza harmonizavam-se, movidos pelo ciclo inexorável da vida que se desenvolve e fenece. Atualmente, os muitos alagados da região estão canalizados. Cereais e gado são o sustento dos agricultores.
Na Worpswede de hoje vivem de quatro a cinco mil habitantes. A maioria trabalha em Bremen.
A arte brota da natureza
O nascimento de novos estilos artísticos depende dos momentos históricos das culturas humanas. A arte ou confirma tais momentos, ou é reação contra eles.
Ao Iluminismo da Revolução Francesa seguiu o Romantismo. Quando o lirismo romântico perdeu a sua força de ser, brotou o Realismo. Este predominou na segunda metade do século XIX. Como este estilo quis retratar a realidade, nos seus mínimos detalhes, perdeu-se em banalidades e formalismos, acabando numa arte irreal de atelier. Este esvaziamento artístico fora motivado pelas condições duma Europa decadente, onde vicejavam falsos sentimentalismos e hipocrisias de toda sorte. Muitos quadros, oferecidos para a venda nas feiras de arte, eram tão inautênticos como suas molduras douradas. Ainda hoje, muitos herdeiros de obras adquiridas naquela época tentam desfazer-se de suas heranças enganadoras.
Tal romantismo-realismo vazio provocou uma profunda insatisfação nos autênticos ambientes artísticos. Por isto, a geração nova de artistas desejava caminhar por outras veredas. Procuravam conteúdos e vigor para a arte. Para isto era necessário quebrar as estruturas rígidas que dominavam o mercado e as associações de artistas. O primeiro passo para consegui-lo foi o estudo dos grandes na história da arte alemã. Albrecht Dürer motivou o impulso nicial para o novo caminho. Em suas palavras os jovens encontraram a orientação a seguir. Dürer havia dito:
“Somente a vida na natureza nos ensina a verdade sobre os seres. Por isto é necessário contemplá-la com atenção, pois do nosso ser não somos capazes de extrair algo melhor do que Deus colocou na natureza. A verdadeira arte se encontra na natureza. Quem conseguir extrai-la dali, a terá.”
A volta à natureza seria a solução. A natureza, porém, não se encontrava nos ateliers, nem nas galerias de arte, nem na agitação das grandes cidades.
Fundaram-se, então, associações de artistas que abandonavam os grandes centros para morarem em aldeias, rodeadas de paisagens agrestes. Esta nova tendência fez com que um grupo de jovens pintores se estabelecesse em Worpswede.
Por que Worpswede?
Fritz Mackensen, estudante pobre da Academia de Arte de Düsseldorf, aceitou em 1884 o convite de uma família de Worpswede para ali passar suas férias. Ficou profundamente sensibilizado pela riqueza de motivos artísticos da região. Nas férias de 1886 retornou a Worpswede. Dois anos depois se fez acompanhar por dois amigos pintores que, com ele, mais tarde fariam escola. Eram eles Otto Modersohn e Hans am Ende.
Com grande idealismo embrenhavam-se estes jovens pelas planícies das turfas com pincel e tela na mão. Dessas excursões nasceram os primeiros estudos e esboços de suas futuras obras. O sopro da natureza os encantava. Ali, longe do reboliço das metrópoles, haviam encontrado a harmonia do homem com a natureza. Resolveram fixar residência em Worpswede para realizar sua vocação de pintores. Isto apesar das duras privações a que estariam sujeitos, ao menos nos primeiros anos de sua permanência neste ambiente rústico.
A região, realmente, era rica em motivos para pinturas. Muitas nuvens, correndo rapidamente pelos céus. O sol projetando seus raios, por entre as nuvens, em variados jogos de luz, iluminando a terra em dourado-marrom, e as águas num azul-escuro. Muitas telas retratavam a vida dos habitantes da região.
Atraído pelo trio de jovens artistas, transferiu-se, em 1892, para Worpswede o pintor Fritz Overbeck. Dois anos depois, seguiu-o o artista Heinrich Vogeler. Agora, os cinco artistas, residentes em Worpswede, formavam uma equipe. Cada um procurava ser original em suas pinturas. Cada qual escolhia livremente os motivos para seus quadros.
Decepções e sucessos
Em 1894 havia chegado o momento de Worpswede sair do anonimato. Mas a primeira exposição de seus pintores em Bremen foi decepcionante. Os “amigos da arte” rejeitaram os quadros, considerados muito rústicos para enfeitar as casas da burguesia. Preferiam os produtos sofisticados dos ateliers das cidades.
Os pintores de Worpswede, contudo, tiveram sorte. A exposição de Bremen foi visitada pelo Presidente do Sindicato dos Artistas de Munique. Este se convenceu de que a arte de Worspwede tinha futuro. Convidou, por isto, a equipe de Worpswede para, no ano seguinte, expor na Feira Internacional de Arte em Munique.
O sucesso foi total.
Mackensen foi agraciado com a grande medalha de ouro da feira; a Pinacoteca de Munique comprou, para suas galerias, um quadro de Modersohn. Segundo a expressão de muitos, Worpswede foi, em Munique, “um acontecimento europeu”.
Desta forma, uma desconhecida aldeia, perdida nas turfas do norte da Alemanha, tornou-se centro das atenções de muitos aficcionadas da arte. Após estes sucessos, grandes personalidades, no mundo dos pintores e literatos, começaram a passar temporadas em Worpswede. Para a literatura alemã é significativo que o escritor Rainer Maria Rilke tenha passado algum tempo nos ermos de Worpswede.
A Worpswede de hoje
Para quem tem a capacidade de extasiar-se perante uma obra de arte, e tiver a sorte de visitar a Worpswede de hoje, poderá apreciar muitas das obras originais que várias gerações de artistas ali produziram. São uma “festa aos olhos”. Expressam o quanto o espírito humano consegue interiorizar o ambiente em que vive, e reproduzi-lo novamente em forma artística.
Nos quadros de Worpswede sente-se a harmonia do homem com a natureza. Evocam a pergunta pelo sentido e destino deste homem, que acompanha o ciclo de crescimento, maturidade e velhice a que toda a natureza está sujeita. As conclusões, que dali seguem, ensinam ao homem, por um lado, que ele é parte desta natureza; mas, por outro, ensinam também que o homem ultrapassa esta mesma natureza. Pois é o único ser capaz de reproduzi-la, libertando-se, em parte, de seus condicionamentos inexoráveis.
A Worpswede de hoje, sob muitos aspectos, é diferente daquela aldeia sossegada dos fins do século XIX. Muitos turistas a visitam. Em muitas casas há exposição de obras artísticas. Possui um museu pré-histórico. Algumas moradias ainda estão cobertas de palha; contudo não por causa da pobreza, mas sim por elegância. Apesar de todas estas alterações, Worpswede continua uma “aldeia” onde floresce a arte.
Inácio Strieder é professor de filosofia. Recife- PE.