Um olhar de respeito ao Outro: os Paiter Suruí.
Um olhar de respeito ao Outro: os Paiter Suruí.
Os livros de Betty Mindlin, dentre eles “Diários da Floresta” e “NÓS PAITER: Os Suruí de Rondônia” têm o mágico segredo de levar quem os lê a um encontro com o Outro, no caso os povos indígenas Paiter-Suruí de Rondônia, debruçar sobre as vivências de um passado não tão remoto, primeiro contato oficial com esse povo deu-se em 1969, mas antes o genocídio já havia se instalado com a brutal luta pela terra e suas riquezas: minérios, madeira, látex... o contato, deu-se num ato de desespero dos indígenas para evitar o próprio extermínio, acometidos por sarampo, tuberculose, ação invasora de suas terras por não indígenas e indígenas. De uma população de aproximadamente cinco mil Paiter Suruí estavam reduzidos a aproximadamente 250 pessoas na época do contato oficial, atualmente somam, aproximadamente, 1.450. Reerguer-se, fazer ser respeitado no âmbito nacional e internacional é uma luta constante desse povo, é o que os têm mantido vivos. Vivências que da “A terceira margem do rio”, palavras de Guimarães Rosa, os observo, apática. Até quando?
Enquanto a antropóloga Betty Mindlin, no ano de 1979 e seguintes, mergulhava no mundo dos Paiter Suruí , e os defendia das atrocidades praticadas contra esse povo para que pudessem continuar a ser gente de verdade, como eles mesmos se autodenominam. Uma menina de onze anos, que chegara do sul do país no ano de 1977 para morar na cidade de Cacoal, Rondônia , empolada de sarampo e extremamente magra e que por saber ler e escrever e as condições de pobreza familiar no ano seguinte passou a trabalhar no comércio local, Casa do Cacau, mas que vendia de tudo: de ferragens a gênero alimentício, e com curiosidade via e ouvia o riso frouxo, gargalhadas das mulheres de pele bronze avermelhado, cabelos lisos longos e negros cortados franja, com muitas cores nos colares, os olhos puxados parecidos com os dos homens , mulheres e crianças que mendigavam na cidade de Naviraí em Mato Grosso do Sul; mas essas mulheres daqui não tinham os olhos sumidos daqueles; seus olhares eram de encantamento com o novo, e sem cerimônia entravam na caixa com água que ficava no chão perto da entrada do comércio, umas traziam seus filhos rechonchudos, acomodados nas costas numa tipoia.
Quando a irmã da menina sulista ficou doente foi levada ao único hospital da cidade, construído em madeira rústica, doentes se amontoavam por todos os espaços. Indígenas deliravam, cuspiam sangue, acometidos, principalmente, por sarampo e tuberculose; os não indígenas , principalmente, pela malária e muitas almas eram libertas.
A dor de cada um não trouxe união: indígenas, madeireiros, garimpeiros, seringueiros, colonos disputavam a mesma terra, a terra que tanto se propagou lá no Sul de que era farta e sem dono. A terra já tinha dono; donos dispostos a morrerem para defendê-la e morreram tantos, restando-lhes, atualmente, a área de 247.870 hectares. Busca sobreviver em meio a inúmeras dificuldades, principalmente, a de ser respeitado como ser humano que são. E há quem fale que “Índio e preguiçoso e que não deveria ter terra nenhuma”. São poucos os olhares para o que a população não indígena fez com esse povo: trouxe morte embrulhada na mortalha de uma cultura “moderna capitalista individualista” pautada pelo ter que supera os valores do ser.
O tempo passou a galope pela menina sulista, que só viu fragmentos de realidades, envolta na própria luta pela sobrevivência, agora para, arregala os olhos e lá num passado ouve as gargalhadas coloridas das mulheres Paiter Suruí; enquanto lê as obras literárias de Betty Mindlin sobre esse povo, e pensa: “tanta coisa aconteceu enquanto eu dormia”.