EQUÍVOCO ANTROPOLÓGICO

As ciências humanas caracterizam o homem como um “ser situado”. A trajetória de nossa existência gira em torno de certos referenciais temporais, espaciais, psicológicos e culturais. Como já adverte um texto de mil anos a.C.: “A vida do homem é 70 anos, os mais fortes chegam a 80, o que passa disto é fraqueza”; o nosso dia-a-dia transcorre em algum lugar: em minha casa, em minha cidade, em meu ambiente de trabalho, de lazer; pertenço a alguma tradição cultural: com linguagem, arte, religião, ciência, sistema político específico. Estes elementos estão como que grudados deterministicamente em nosso existir. Mas, para que eles produzam um existir humanizado, é necessário que sejam respeitados e harmonizados organicamente para satisfazerem as exigências de uma vida com prazer.

Como, no espaço deste texto, não posso analisar a importância de cada elemento do “homem situado”, quero me deter apenas em um aspecto: no projeto “Minha casa, minha vida”. Basta observar como este projeto, em grande parte, é desenvolvido para detectar um equívoco antropológico primário.

Quando se viaja pelo Brasil, de vez em quando, se observa, geralmente em periferias de cidades maiores, centenas de casinhas (embriões!) sendo construídas em fila, uma ao lado da outra. Ali trabalhadores, marginalizados, sem-terra, sem-teto, empobrecidos, favelados, despejados... têm a promessa de serem alocados. Em muitos destes futuros locais habitacionais não há espaços para escolas, praças, clubes, restaurantes, bancos, cartórios, lojas, centros de atendimento médico... nada! As pessoas, que para ali serão alocadas, são estranhas entre si. Nem se prevê treinamento para uma convivência comunitária neste ambiente. É simplesmente um aglomerado de indivíduos. Em pouco tempo teremos novas favelas sub-humanas, resultantes do projeto “Minha casa, minha vida”.

Evidentemente, é constitucional que cada cidadão possua sua casa. Neste sentido, o “Minha casa, minha vida” é fundamental. Mas, para que fosse realmente um projeto humanitário não poderia se resumir em oferecer quatro paredes a alguém para morar. Deveria atender também às outras exigências existenciais de qualquer ser humano. Por isto, executar o projeto “Minha casa, minha vida”, numa dimensão verdadeiramente humana, supõe uma equipe de antropólogos, sociólogos, psicólogos, arquitetos e engenheiros para analisar cada financiamento. E isto, ao que parece, não é tomado em consideração. Simplesmente se “joga” pessoas para dentro de quatro paredes. E isto é um tremendo equívoco antropológico!

Inácio Strieder é professor de filosofia. Recife- PE.