SER OU NÃO SER CARICATURA II
“A propósito do massacre de Paris 2015”
(Réplica a José Valgode)
Ao longo de toda a história da Humanidade sempre esteve bem patente, nas congeminações e práticas existenciais dos seres humanos, a prática da comunicação e da dinâmica cognitiva, com vista à consecução das mais variadas formas de subsistência e de satisfação vital. Várias e ricas foram essas vertentes comunicativas mesmo sabendo nós, por pesquisas historico-científicas, que nem todas elas se revelaram pacíficas nem totalmente eficazes. Daí que, naturalmente, resultaram eventos de carácter agressivo e, por vezes, destruidores do direito antropológico sobre tudo o que poderia ser considerado propriedade natural.
Desde os tempos pre-históricos – por alturas da emergência e evolução do Homo Sapiens Sapiens (tempo esse apelidado de Paleolítico Superior) – desde que surgiram as primeiras pinturas rupestres, que há notícias da prática efectiva de comunicação real entre os seres humanos, tendo em vista, na sua variação, as circunstâncias concretas das regiões por onde evoluia a vida dos grupos humanos mais diversos. Conhecem-se, assim, as mais díspares actividades do dia-a-dia, como a caça, a pesca, a disputa pelos meios de sobrevivência e, como consequência da progressiva fixação em territórios propícios, o início das primeiras actividades agrícolas e das primeiras invenções.
Desta evolução e progresso do homem resultou, finalmente, o surgimento da arte da Escrita e do início das Civilizações. E com elas, como é óbvio, consubstanciou-se a necessidade da formação do Estado, da propriedade colectiva ou privada, e o primado das Leis e do seu reforço através do poder militar.
É evidente que poder-se-ão considerar como substracto desta historicidade três vectores de carácter, digamos, ideológico e cultural: a magia (como mistério), o mito (como crença) e a Religião (como compromisso). Entre estes três vectores situou-se, conjunturalmente e em alternativa, a ideia e prática de Escravatura (como sustentáculo do poder, qualquer que ele seja) e a ideia de Libertação (como emancipação e realização pessoal). E, por mais estranho que pareça, foi a Comunicação concreta, entre os variados agentes decisórios da relação dos povos uns com os outros, que esteve na origem de todo o evoluir histórico.
Assim, os sinais e os sons, a letra e as imagens, o canto e o culto e outras “formas de comunicar”estiveram decididamente na origem do desenvolvimento, do progresso e das convenções ou códigos. Desta dinâmica nasceram consequentemente diversas formas de expressão, entre elas (as mais das vezes à margem dos poderes constituídos) o hábito tradicional da actividade crítica e irónica no que concerne à relação entre dominadores e dominados.
Neste contexto, como poderemos integrar as ditas Caricaturas que, como sabemos são, obviamente, formas de comunicação?
Entra aqui, nesta questão, concretamente, o conceito de simbolismo que é como quem diz a representação de ideias, sejam elas positivas ou negativas. E, como simbolismo que é, evidentemente, há que se lhe atribuir rigorosamente o seu verdadeiro sentido: apenas, e só, a projecção teatral de certas manifestações que, pelo seu teor apelativo, fazem referência a “atitudes radicais” que necessitam de ser denunciadas para correcção atempada e equilibrada das comuns relações no seio da sociedade.
E não é só pelas imagens ou figuras, mais ou menos emotivas, mas também pelos sons, pelas indumentárias, pelos gestos ou sinais, pelo simples uso das coisas mais triviais do quotidiano, que as caricaturas assumem o seu papel artístico: o cartoonismo. No fundo, são formas simplesmente humanas de comunicação que se justificam nos seus contextos próprios. Todavia, como sempre têm defendido todos os grandes pensadores ao longo da história, a Arte da Ironia deve contemplar os justos limites do bom senso, evitando-se sempre toda e qualquer colagem à viciação do direito da «liberdade de imprensa».
Claro que, como caldeamento ou juiz nesta intervenção, nada melhor que a Cultura. E é aqui que reside o fiel da balança na prática e no equilíbrio da arte caricatural. Nem é propriamente, quanto a nós, a “questão da liberdade”ou mesmo a “questão moral ou religiosa” que está em causa neste fenómeno mas sim, são os níveis de Cultura e, já agora, de formação educativa que serão sempre decisivos para a boa harmonia e diálogo social.
É pela Cultura que se distinguem os traços civilizacionais genuínos de cada povo e de cada Nação. Se houver uma tradição correcta dos níveis escolares de cada geração, assumindo as Instituições mais diversificadas de cada Sociedade - entre elas destacando-se a Família - o seu papel responsável na correspondente gestão dos conteúdos formativos e educacionais, poderemos esperar seguramente que eventos da agressividade social que infestam as sociedades de hoje dificilmente ocorrerão.
O Estado – gestor primacial do bem público e privado, no topo do qual se deve colocar a Cultura – é pela sua justificação a principal das Instituições. Por outro lado, também as Igrejas (não propriamente a Religião, demasiado vaga) com os homens e as mulheres que as corporizam, deverão constituir-se oportunamente, no tempo e no espaço próprios, como responsáveis deste devir social.
Se ocorrer efectivamente uma Cultura Dialogal entre os mais diversos Agentes Sociais toda e qualquer Caricatura, nas suas variadas expressões, não passará de um mero passatempo modal.
Prof. Assis Machado
Frassino Machado
In CAMINHOS DO MEU PENSAR