UMA PEQUENA ALDEIA CHAMADA TERRA (Adonai Sant'Anna)

Foi com um conto do húngaro Frigyes Karinthy, publicado em 1929, que surgiu o conceito de seis graus de separação. Dizia este célebre autor que "arte não pode existir sem ciência". Pois bem. Neste caso, foi o artista quem genuinamente influenciou a ciência.

A teoria dos seis graus de separação estabelece que qualquer pessoa no mundo está a seis passos ou menos de quem quer que seja, por meio de conhecimento pessoal. Logo, a cadeia "um amigo de um amigo" conecta duas pessoas quaisquer de nosso planeta em, no máximo, seis passos. Em uma notícia de 2011, por exemplo, foi divulgado que usuários do Facebook estão distantes em média por 3,74 graus de separação (o que corresponde ao número de pessoas em uma cadeia de relacionamentos virtuais, excluindo a última). Neste contexto, a distância média entre dois usuários quaisquer do Facebook é (pelo menos em 2011) de 4,74. Estudos semelhantes já foram feitos para outras redes sociais da internet, como LinkedIn, Orkut e Twitter.

Matemáticos, por sua vez, conceberam sua própria maneira para avaliar um conceito correlato, a saber, o de distância de colaboração. Dois matemáticos quaisquer estão diretamente conectados se eles colaboraram entre si para a publicação de pelo menos um artigo em periódico especializado. Por exemplo, se o matemático X colaborou com Y em um artigo, então a distância de colaboração entre ambos é 1. E se Z colaborou com Y, mas não com X, então a distância entre X e Z é 2. E assim por diante.

Resolvi então avaliar a minha distância de colaboração relativamente a alguns nomes conhecidos entre matemáticos, físicos, filósofos e linguistas. Meu principal objetivo é justificar, de maneira informal, qual é o real mecanismo que está em jogo na questão de graus de separação discutida acima (fortemente conectada à noção de distância, seja pessoal ou profissional).

De acordo com o Mathematics Genealogy Project, existem 185.533 pessoas no mundo cadastradas como matemáticos, pelo menos até o momento de fechamento desta postagem. E, de acordo com o MathSciNet, minha distância de colaboração com Carl Friedrich Gauss é 7. Esta cadeia de colaboração é definida pela seguinte sequência: Gauss - Minkowski - Einstein - Straus - Aczél - Luce - Suppes - Sant'Anna. O detalhe curioso é que Gauss, considerado o Príncipe dos Matemáticos, nasceu no outro lado do Oceano Atlântico e em 1777.

Resolvi, então, avaliar minha distância de colaboração relativamente a outros nomes conhecidos da ciência. Minha distância de colaboração é 2 para Marcelo Gleiser e Constantino Tsallis. É 3 para Murray Guell-Mann e Alfred Tarski. É 4 para Paul Erdös, John Nash, Yakir Aharonov e Richard Feynman. É 5 para Albert Einstein, Stephen Hawking, Richard Courant, Noam Chomsky, Artur Avila, Alan Turing, John von Neumann, Michael Atiyah, Avshalom Elitzur e Celso Grebogi. É 6 para Erwin Schrödinger, Karl Popper, David Hilbert, Enrico Fermi, Alexander Grothendieck, Grigori Perelman e Paul Dirac. É 7 para Felix Klein e Gauss. E é 8 para Henri Lebesgue. Nomes igualmente conhecidos como Henri Poincaré e Niels Bohr não fazem parte de cadeia alguma de colaborações comigo.

Em um universo de centenas de milhares de nomes (se incluirmos matemáticos, físicos, filósofos e linguistas) e tomando como base de referência somente artigos publicados na área de matemática (que é a área do conhecimento menos citada na literatura científica), por que essas distâncias são tão pequenas, mesmo que comparemos com cientistas que nasceram mais de dois séculos atrás?

Examinando as cadeias de colaboração que geram os números acima, fica claro que, no meu caso específico, isso se deve a parcerias profissionais que fiz com apenas oito colegas: Suppes, Doria, da Costa, de Souza, Hu, Maia, Krause e de Barros. Naturalmente fiz parcerias com outras pessoas. Mas os nomes acima são de indivíduos que mantiveram a formação de parcerias consistente e diversificada ao longo de anos e com alguma persistente relação com matemática. Por exemplo, apesar de minha distância de colaboração relativamente a Einstein ser 5, minha distância pessoal é 3. Isso porque conheci Edson Farah, que conheceu David Bohm, que conheceu Einstein, o qual morreu antes de eu nascer. E apesar de meu colega de pesquisa Otávio Bueno ter uma sólida carreira com mais de 140 artigos em periódicos especializados de circulação internacional, a interseção de sua produção com matemática é muito menor do que com filosofia. E os números acima não levam em conta produção filosófica, no sentido estrito do termo.

Ou seja, para aproximar um indivíduo do mundo, seja em âmbito profissional ou pessoal, basta que este indivíduo se aproxime de pessoas que se aproximam de pessoas. Esta afirmação pode soar como algo trivial, mas não é. Por exemplo, neste momento estou batalhando para me inserir no mundo da linguística. E apesar de ainda não ter conquistado isso (é necessária muita paciência), minha distância de colaboração relativamente ao linguista Noam Chomsky é de apenas 5. Isso se deve às minhas parcerias com Patrick Suppes, o qual investiu nesta área muito tempo atrás. À medida em que eu efetivamente produzir em linguística, esta distância deve diminuir. Ou seja, a aproximação entre pessoas não deve se limitar ao simples caso de compartilhamento de um único interesse em comum. Se você, leitor, não tem familiaridade com cinema, aproveite para aprender algo sobre cinema com algum amigo seu que conhece e gosta do tema. Isso o aproximará do mundo. Se não tem familiaridade com matemática, aproveite a cultura matemática de seus amigos que cultivam esta área do saber. Isso também o aproximará do mundo. Se não tem familiaridade com homossexualismo, aproveite para aprender algo com seus amigos homossexuais. Isso também diminuirá o tamanho do mundo e do seu mundo. E quanto menor for este mundo, menores serão as chances de preconceitos, de desentendimentos e de conflitos, e maiores serão as chances de você crescer enquanto profissional e enquanto ser humano. O crescimento de cada um de nós depende da diminuição de nossos mundos.