Farisaísmo
Quando se fala em traição, vem-nos à recordação uma série de fatos observados: um amigo que traiu um ideal ou a palavra empenhada, o desertor que passou às fileiras inimigas, o político que esqueceu os compromissos assumidos.
A passagem da traição de Judas, que se juntou aos fariseus para consumar o fato que levou seu instrutor à condenação e à morte - conforme textos bíblicos -, somada às constatações pessoais que vamos fazendo dia-a-dia configuram o quadro eloquente da traição continuamente praticada entre os homens desde tempos distantes.
Esses fatos não teriam um significado mais profundo e instrutivo?
O conhecimento logosófico projeta sua luz sobre a questão milenar da traição afirmando que a mente inferior do homem - esfera mental não cultivada e suscetível a todo tipo de influência negativa - representa seu Judas pessoal. A mente que alberga pensamentos contraditórios, os quais fazem o ser humano tomar atitudes contrárias a seus sentimentos, como se algo mais forte que ele agisse dentro de si traindo-o continuamente e fazendo-o carregar sobre seus ombros o peso de seus erros e consequentes sofrimentos.
A psicologia farisaica caracteriza-se por sua sistemática oposição à Verdade manifesta. Pretendendo ser sua intérprete precisa, é, ao contrário, a inimiga da Verdade e do Bem. Querendo tudo para si menospreza os critérios e as razões alheias, colocando-se na ilusória posição de uma superioridade inexistente. Intrigante e conspiradora, hábil em jogar uns contra os outros, deleita-se com o espetáculo maquiavélico promovido por sua mente doentia e desmedida ambição, que está sempre a incliná-la para o poder e a riqueza. Aos que a descobrem em suas ocultas intenções, verte o fel secular do rancor que as mais duras e sofridas experiências não foram capazes de extirpar.
Nos tempos antigos os fariseus julgavam-se os únicos seres fiéis às Leis de Deus, capazes de interpretar a Verdade. Isto deveria colocá-los numa posição de privilégios defronte dos que não fossem iluminados como eles supunham ser. Deveriam ser intermediários entre a Verdade e a alma que por ela ansiava. Na realidade, com sua estreita visão, encarcerados nas linhas dos livros, letras mortas, encontravam-se muito distantes da Verdade, por estarem muito distantes dos outros seres humanos, seus irmãos.
Escribas fanáticos, doutores pedantes, eméritos tergiversadores, deixaram uma herança negativa que fustiga as mentes e os corações humanos até os dias atuais.
A psicologia farisaica vive da mentira e da tergiversação, da conspiração, do ódio e do rancor. Está em todas as partes: nas ruas, nos governos, nas empresas, em instituições diversas. Tem seu assento em nossas próprias mentes, caso não saibamos nos defender de sua influência nefasta, que torna os seres hipócritas e pedantes, bajuladores e falsamente humildes e mansos; limpos por fora, mas sujos por dentro.
Não basta identificá-la e apontá-la nos demais, senão defender-se de sua influência negativa, que afasta o ser humano da felicidade e da Verdade.
O farisaísmo equivale à hipocrisia e ao fingimento, uma sutil tendência negativa da natureza humana, com suas raízes no formalismo religioso dos fariseus; além de voltar as costas à Verdade, esmeraram-se na arte de torcer seu significado dando à mentira aparência de verdade com o deliberado intuito de submeter os semelhantes, surpreendidos em sua inocência e boa fé.
As nossas instituições estão eivadas destas figuras teatrais, com sua eloquência mentirosa, seus discursos aparentemente irrepreensíveis, cuja conduta nada tem a ver com seu palavrório enfeitado e oco. É preciso ter olhos bem abertos para surpreender essa tendência, que equivale também à impostura e à falsidade.
O que não se tem pensado é que esta tendência ou deficiência mental existe na grande maioria dos seres humanos como consequência de um grande desvio na integração das qualidades pessoais. O desconhecimento da enigmática e misteriosa realidade dos pensamentos que governam a mente humana impede o domínio que a inteligência possa exercer sobre os mesmos, dando lugar a uma verdadeira eclosão de pragas mentais, das quais a hipocrisia é uma significativa representante.
O método logosófico de investigação da natureza pessoal e interior propõe o exercício de voltar-se para si mesmo e estudar-se, identificando e eliminando as pragas que porventura existam. Esta capacidade pessoal tem sido postergada pelo desuso proveniente da cultura do escapismo. O sedentarismo mental deve ser abolido através de saudáveis e diários exercícios espirituais que somente a própria pessoa poderá fazer no seu benefício.
O hipócrita não se julga como tal por desconhecer-se, o que equivale a uma prisão espiritual que posterga, indefinidamente, a autorredenção e o aperfeiçoamento individual.
Nagib Anderáos Neto