INFÂNCIA

Hoje quando volto minhas lembranças para o passado reconheço que a melhor fase na vida de um ser humano é a infância, na qual tudo se absorve com maior facilidade. É verdade que os traumas adquiridos nessa época são janelas mais difíceis de serem fechadas, porém, é um tempo inocente, sem preocupação, malícia e ódio.

Feliz foi o tempo em que tínhamos tempo, podíamos brincar livres pelas ruas sem fobias. Vejo nossas crianças de hoje vivendo a serviço da velocidade, do rápido desenvolvimento do pensamento e da impaciência. Até as primorosas brincadeiras como as cantigas de roda, salva-latinha, pique-esconde e outras perderam espaço para uma tecnologia informatizada. Para onde foram os belíssimos banhos sob a chuva, os carrinhos de lata com pneus de paineiras e as amizades? Tudo isso foram substituídos pelos computadores, jogos on line nas lan houses e os amigos agora são virtuais ou encontrados via msn, orkut, facebook, whatsap etc. Nossos adolescentes, quase sempre incentivados pelos pais e, todavia pela sociedade lutam para ficarem adultos e fazer parte de um mercado de trabalho que vem se tornando cada vez mais exigente. Esquecemos de que o desenvolvimento de nossas crianças depende das aventuras vividas por estas e submetemo-las a uma constante violência.

Às vezes, tenho o tempo como maldito que levou a minha infância, outrora, o tenho como bendito por não me negar experiência e, apesar de carregar as cicatrizes do tempo, continuo com certa ingenuidade, inocência e sem nada saber. Não me dou o luxo de ficar sentado à beira de um caminho incerto. É verdade que o meu olhar ainda se perde nas lembranças dos vultos pueris, num verão ora sôfrego, ora brando, mas aprendi a caminhar lado a lado com o tempo, pois o mesmo tempo que levou a minha puerícia, trouxe-me experiência e me prepara continuamente para essa vida cheia de mistérios, ou para a morte desconhecida.

Aprendi que quanto mais obscurecido for o verão mais os céus mandarão chuvas de alegrias duradouras. Hoje, reconheço que infeliz é o homem que tenta manipular o tempo e apenas os verdadeiros amigos entendem o sentido de uma amizade, assim como somente os verdadeiros leitores compreendem os sentimentos de um poeta.

Neste exato momento faço somente duas coisas: escrever e chorar. Quando escrevo busco compreender e reportar aquilo que não se reproduz, ouço o coração sem ignorar a razão, desnudo os meus sentimentos elusivos e sufoco a saudade. Quando choro expurgo minha alma e minhas lágrimas são larvas do meu verdadeiro ser. Perdoe-me leitor, por manchar sua leitura com lágrimas nostálgicas de um tempo que já se foi e não volta mais. Umedeça-se com as minhas lágrimas, compreenda a minha tristeza e rir com as minhas alegrias, pois a minha saudade pode ser a sua lembrança.

Quanto às perdas, isso acontece, às vezes, amigos entram e saem da vida da gente, como aves de verão no Universo. Às vezes tenho medo que o pouco que me resta se tornem apenas caras pelas avenidas da vida. Muitos já se tornaram apenas lembranças em minha cabeça. Ao mesmo tempo fico encorajado, sinto como se eu estivesse próximo deles todo o tempo, pois mesmo aqueles que partiram de repente, sem tempo para se despedir, para mim não morreram, simplesmente encantaram. Sei que ninguém morre quando permanece vivo tostando as lembranças daqueles que ficaram.

Gilson Vasco
Enviado por Gilson Vasco em 20/09/2014
Código do texto: T4969168
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