Vírus conceitual

É preciso denunciar a existência de um “vírus conceitual”, à maneira de vírus de computador, atuando na mente de pessoas, principalmente aquelas ainda em formação, as crianças. É uma informação verbal ou não verbal que a criança recebe e em torno da qual organiza sua vida. É lógico que a mente de uma criança se organiza a partir de informações recebidas do meio ambiente, verbais e não verbais. Em relação à informação verbal, dizer a uma criança “eu te amo” a faz organizar-se em torno da convicção de ser aceita. De outro lado, dizer a uma criança “você é isso”, ela não tem discernimento suficiente para, não sendo, repelir o rótulo com um “não, não sou”, no momento em que ouve uma afirmativa a seu respeito, mas evoluirá, crescerá, e, não sendo, se rebelará contra a informação que a rotula, e, assim, orienta o desenvolvimento de sua personalidade. Isto não é exatamente um vírus, pois quem disse, sabe que o disse, e disse à criança. Dizendo “você é isso” a uma criança, ela pode ou não se organizar a partir da informação recebida, mas sempre terá a oportunidade de reorganizar-se quando perceber que a informação dada não confere com o que ela realmente é. Retornando ao “eu te amo”, Gregory Bateson, na metade do século 20, descreveu um processo que pode levar à Esquizofrenia e deu o nome de Vínculos Duplos. É a situação em que a mãe, com um comportamento de rejeição à criança lhe diz “eu te amo”. O Verbal está desvinculado do não verbal. É não-senso pensar que um bebê entenda o significado de “eu te amo”, ela entende o significado do comportamento, comunicação não verbal”, que adentra à sua mente e a faz organizar-se em torno da convicção de que não é amada, não é aceita, com um agravante, pode organizar-se com uma mente esquizofrênica. Funciona como um virus, uma informação que muda a direção da organização do conteúdo mental da forma em que se daria sem a sua presença.

Quando se diz a uma criança “você é isto” de forma não verbal é um pouco mais complicado de explicar. É não-senso pensar que uma criança sadia não perceba o ambiente em que vive. Adultos com convicções do tipo “quem age assim, é assado”, ou “quem age fazendo isto, é aquilo”, analisam o comportamento da criança-agindo-“assim”-ou-fazendo-“isto”, e comportam-se com ela como se ela fosse “assado”, como se ela fosse “aquilo”. Não dizem, no entanto, dizem à criança diretamente “você é isto!”, ou seja, não se joga com a criança um jogo limpo, para que tenha a opção de escolha sim/não, seja no momento em que recebe a informação, seja mais tarde. O móvel do crescimento e desenvolvimento mental de uma criança é a aceitação pelo ambiente. No caso do “eu te amo”, para compreender, basta jogar o par não aceitação/aceitação em cima do par dor/prazer, o que causa dor tende a ser evitado. No entanto, a criança não aceita pela família onde foi inserida não tem como fugir dali, não sendo aceita terá seu desenvolvimento marcado pela tônica da não-aceitação. Um dia perceberá, ainda na infância, que não é aceita, e negará, pois não pode admitir a si mesma que seus parentes não a aceitam; ou então dirá a seus parentes, que reagirão e podem receber um comportamento em reação ao que disse que a faça reprimir sua percepção: seu desenvolvimento mental não se dará de forma sadia. No caso de dar a informação não verbal “você é isto” desvinculada da informação verbal correspondente, ou seja, agindo com a criança pela impressão de que “ela é isto”, sem usar um jogo limpo dizendo claramente “você é isto”, coloca a criança também no jogo da aceitação/não aceitação. Como? Os adultos com quem a criança se relaciona dizem entre si, ela, esta criança, “é isto”, e se comportam então aceitando-a do jeito que ela “é”, pela convicção de que se deve aceitar o outro como ele é. Na somatória de inter-relações humanas entre a criança e os adultos que a julgam, ela organizará sua mente em torno do que “é”, e esta informação é um “vírus conceitual” que pode desviar a criança completamente do desenvolvimento pleno do que “é” realmente, e não do que pensaram que ela fosse. Um adulto que está criando uma criança não sabe exatamente o que a criança “é”, em termos comportamentais, e ninguém pode saber, pelo simples fato de que a criança não “é”, esta à procura de “ser”. A criança não sabe o que “é” pelo mesmo motivo, e encontra nesta informação não verbal, o modo como se comportam com ela, um modo viciado por uma impressão de que ela seja algo que realmente ela não é, um caminho para Ser. O móvel do desenvolvimento é ser aceito, assim, a criança se conforma ao que pensam que ela “é”, e se desenvolve em direção a “ser”, de forma com que garanta sua aceitação. É uma informação que atua como um vírus já a partir do fato de que nem mesmo os adultos que dizem de uma criança “ela é”, sabem que estão induzindo, orientando, o comportamento para que ela seja. A criança é muitas vezes orientada pelas informações que recebe do meio ambiente, principalmente dos adultos ou de crianças maiores, para ser o que parece ser, em detrimento do que seria sem esta orientação externa.

A tônica atual ainda é dada por informações nascidas no final do século 19, início do século 20, quando podia se especular sobre a mente e o comportamento humano, sem metodologia científica e publicar pensando estar sendo científico. Os textos deste período descrevem o Pensamento corrente no Mundo das Idéias, instância em que os atos humanos são interpretados em termos culturais, “é isto”, “é aquilo”, e o corrobora “cientificamente”, passando a constituir “verdades” por critério de autoridade: “fulano disse”, muitos dos quais alimentam na Cultura o tipo de vírus que aqui se descreve.

É preciso complementar Karen Horney, “o ser humano possui uma propensão inata para a auto-realização, e, se os obstáculos forem removidos, o indivíduo se desenvolverá e se transformará num adulto maduro plenamente realizado”. (Karen Horney, Neurose e Desenvolvimento Humano), enxergando como obstáculo ao pleno desenvolvimento do ser, o induzir uma criança a comportar-se pela tradução de seus atos em “ela é”, principalmente nas cochifalas, a que a criança não tem acesso. A criança é a bolota de carvalho da alegoria de Karen Horney e esta indução nada mais é que orientar o desenvolvimento de sua personalidade para ser aquilo que, aos olhos dos adultos e do ambiente “é”, muitas vezes apenas como um fator cultural, mas podendo ser também uma orientação predeterminada na mente do adulto.

Para se compreender tudo isto, basta jogar este texto em cima da compreensão do que ocorrem com as crianças portadoras de Síndrome de Down: durante séculos, se disse nas cochifalas, “ela é mongol” e se comportou com tais crianças induzindo-as a serem o que delas se pensava. A partir de um dado momento, descobriu-se que estas crianças têm uma potencialidade que pode se auto-realizar, e hoje o quadro social de portadores desta síndrome é completamente diferente do que era. É preciso ter bem claro na mente ser possível, pela criação, transformar um ser humano em macaco, mas é impossível transformar um macaco em ser humano.

(25 de fev de 2012)

Gilberto Profeta
Enviado por Gilberto Profeta em 10/07/2014
Código do texto: T4877372
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