Três mulheres e Dois de Julho (opinião)
Não sei exatamente quem declarou a “mulher é um sexo frágil”. Talvez por falta de óculos, leitura e até por falta de mulher… Há pessoas que querem tanto a “imagem e semelhança” que anulam o brilho da guerreira que está ao lado. Ser guerreira é não se deixar anular e nem querer a anulação do outro. É participar como produtora da historia.
Houve um período em que as mulheres precisavam assumir uma “identidade” masculina para serem lidas e “aceitas” na sociedade. O universo da produção literária por exemplo, era delimitado para o público masculino. Quantas foram parar nos hospícios por conta dos textos escritos? Atitude desse gênero não serviu para manter a mulher na cozinha nem muito menos no quarto. Em todas as épocas as pessoas buscam preencher lacunas, contribuir com a construção da historia e romper fronteiras mesmo quando a Senhora Convenção coloca a placa “proibido”.
E a Bahia é rica de mulheres que não aceitaram o convencional, não se permitiram ficar a “espera do acontecer” mas fizeram a hora e a historia da/na Bahia. Esse texto deixará algum historiador com “pulga atrás da orelha” e a pergunta: O que estão fazendo no meu pedaço? O provérbio de “cada macaco em seu galho” é totalmente ultrapassado no ramo científico e na sociedade contemporânea. Porque foi graças a “invasão de terrenos” não temos mais “arte pela arte”, mas uma arte pela vida!
Brincadeira à parte, complemento à maneira oswaldiana “só a antropofagia nos une…” Nesse momento estou saboreando leiga e respeitosamente um pouco da historia da Bahia, mais especificamente a data da sua independência: O dia 2 de Julho de 1823. Antes, engolíamos sem mastigar um monte de datas decorativas, desculpe-me, comemorativas. Jamais refletíamos o porquê delas no jantar, almoço, lanche… Ninguém respondia, mas estavam lá, inexplicáveis. Hoje, o que ficou para trás a literatura traz para frente, sem nenhuma preocupação com os fatos históricos, mas de olho na atuação das mulheres que contribuíram para que os mesmos saíssem das linhas mal traçadas.
Onde já se viu uma mulher, essa espécie tão frágil, enfrentar um grupo de marmanjos portugueses embriagados? Falar do Dois de Julho, data que marca a Independência da Bahia, obrigatoriamente passamos pelos casos de resistências de muitas mulheres baianas que se opuseram contra as tropas portuguesas. No entanto, destacaremos três desse universo ilimitado e apagado: Joana Angélica, Maria Quitéria e Maria Felipa.
Joana Angélica, a abadessa que em 19 de fevereiro de 1822 ao enfrentar uma tropa portuguesa que invadiu o Convento da Lapa, em Salvador, resistiu para que a invasão não atingisse uma ala restrita às mulheres e foi brutalmente atacada, vindo a óbito no dia seguinte.
Dizem que a tragédia ocorreu porque o então general português Madeira de Melo tentava conter a oposição de militares brasileiros, numa vã tentativa de silenciar o sonho de liberdade. Não há dúvida que o desejo da independência do Brasil estava presente nas ações dos baianos. Algo só que ocorreu meses depois, em setembro do mesmo ano e de forma bem branda, acompanhada do “gritinho” histórico. Deixando para trás o sangue de uma religiosa que é assassinada aos 60 anos no próprio convento que dirigia, tornando-se mártir da independência da Bahia.
Outro caso de luta se deu com a Maria Quitéria. Quitéria por ser parente de militares, não aceitou ficar em casa vendo os conflitos pela liberdade acontecerem. Pegou a farda emprestada do cunhado e como sabia manejar muito bem as armas, fingiu ser homem e se integrou no Batalhão dos Periquitos. Chegando a ganhar honras do Exército Brasileiro como soldado Medeiros.
Maria Quitéria entrou para a história da independência, na força, coragem e no grito, bem mais original do que o do Ipiranga. Se a mulher Maria Quitéria era “frágil”, transmuta-se de homem, tornando o soldado Medeiros, um “homem” valente e destemido com direito a honrarias pela bravura “masculina”.
E o que dizer da coragem de Maria Felipa? Com uma força fora do comum, liderou aproximadamente 200 pessoas e juntas lutaram contra os portugueses. Na Ilha de Itaparica ela e seus liderados queimaram várias embarcações portuguesas, seduziram os marinheiros e depois agrediram com folhas cansanção. Pelo menos é essa história que é mostrada sobre essa heroína, negra, alta, forte e muito corajosa.
Como a historia de Felipa me inquietou, e se você é leitor(a) atento(a) deve ter a mesma dúvida: Por que das três mulheres guerreiras apenas para a negra é utilizada a questão da sexualidade da mulher? Será que não prevaleceu uma pontinha de preconceito racial ao registrarem a história de Maria Felipa?
Não sabemos responder nem pretendemos seguir esse caminho. Mas sem dúvida na Bahia o Sol da liberdade brilhou primeiro. O dois de julho culminou uma vitória já pintada por muitas mãos femininas. E se a batalha era para homens, a Maria Quitéria driblou a Sra. Convenção e mostrou porque a mulher nunca aceitou um “não” sem procurar convencer o outro de que vale a pena pensar na possibilidade do “sim”.
Fonte complementar: Jornal Tribuna da Bahia/ 2013
“ Mulheres da independência”