O TAMBOR COMO ELEMENTO DE AFIRMAÇÃO DA CULTURA INDÍGENA

O tambor é tão ancestral quanto o próprio ser humano. Tem uma importância impar na cultura indígena e de outros povos. Na vivência indígena o tambor é usado nos rituais de cura física e espiritual, nas danças em agradecimento as caças que alimentam, na preparação para festividades, etc. de acordo com a cultura e a cosmovisão de cada povo.

Tem-se o tambor como um elemento sagrado, pois, da caça adquirida na mata, esticada em troncos de árvore, reproduzia o grito e o sofrimento do animal imolado e seu som ecoava por toda floresta, por toda aldeia. Como uma forma de gratidão, a pele do animal era usada para a fabricação de tambores, representando também a relação existente entre homem e natureza, com respeito, cuidado, por isso, o tambor torna-se elemento sagrado. Pode-se dizer que essa foi a primeira manifestação de religiosidade relacionada ao tambor. Outra forma de uso está na vivência indígena, seu uso criava um contato direto com os mortos, levando em conta que, os guerreiros ao ouvirem o som do tambor vinham unir-se aos que estavam tocando.

Acredita-se que o som da percussão tem o poder de tirar do homem a consciência e o juízo, entrando este em contato com o sobrenatural, portanto, o tambor foi excluído de muitos rituais entre alguns povos indígenas.

O toque do tambor retrata uma profunda relação dos povos com a terra, que para os indígenas é tida como Mãe. Dela vem o sustento que fortalece o homem e faz surgiu à vida. Para ela todos um dia irão voltar. O toque do tambor nos faz entrar nessa sintonia onde o coração do homem se conecta ao coração da terra e há uma fusão de reinos constatando a força da ancestralidade dos povos.

Para a cultura indígena, o tambor é um dos instrumentos mais sonoros por estar relacionado ao lado musical e religioso. Existem os tambores feitos de madeira, tronco de árvores escavados e com pele de animal, de taboa, de bambu, feitos e moldados a fogo. O tambor em sua essência e utilidade é utilizado para enviar e receber mensagens espirituais, uma verdadeira forma de linguagem e é ensinado através da transmissão oral aos mais novos. Milênios se passaram, a cultura evolui junto com a humanidade, e os povos continuam a fazer uso do tambor, a ele une-se o chocalho, atabaque, que propiciam uma sonoridade em suas danças e rituais uma vez que a música é universal.

Dentre os povos que usavam o tambor em sua musicalidade está o povo Tupinambá ainda presente em nossos dias em sua afirmação e resistência. Esse povo tido como grandes na musicalidade, tangiam uns tambores em que não dobravam as pancadas (marcação dos tempos ou compassos) esse mesmo povo citou o tambor, as trombetas e buzinas em sua utilização musical. “O tambor era conhecido pelos Tupinambá antes da chegada dos europeus”, (Guzmám, 2012).

Destacam-se hoje os povos que usam o tambor em sua ritualidade e musicalidade como exemplo temos: o povo Kambeba, Tikuna, Tembé, Kokama, Kariri, Macuxi, Tupinambá, Guarani, Fulni-ô, Parakanã, entre outros. O tambor é utilizado em algumas danças do povo Macuxi como: pirixara, tukui e aleluia.

Para fazer o tambor do povo Macuxi é necessário muita habilidade e conhecimento tradicional como, por exemplo: formão para cavar a madeira, martelo e lixa para deixar a madeira com uma espessura de 2 a 3 cm, e em seguida tem que lixar a madeira ate ficar bem macia. Depois de fazer esse procedimento que leva em media 3 horas, é necessário que se ponha a pele do veado campeiro de molho, depois faz-se o corte na medida certa da circunferência, depois de furar as margens da pele é amarrado com filha de Kurawa e tem que deixar bem apertada ate ficar um som adequado e está feito o tambor.

Já na cultura do povo Tikuna o tambor é usado em rituais como a festa da moça nova, nas suas musicalidades. Ao longo dos tempos essa cultura milenar sofreu influências. Mas soube se manter íntegra em sua essência. Com seus rituais, suas crenças, sua visão das coisas da vida e do mundo. O canto para o povo Tikuna e para os demais povos é uma forma de afirmação, de mostrar sua sabedoria através dos cantos que tem uma representatividade para cada momento, para cada ação. Na festa da Moça Nova usam pequenos tambores chamados de tatus, seu som vai tomando conta da aldeia envolvendo quem chega, os convidados são levados para fazer parte da dança sempre em círculo, com canto e acompanhamento de tambor, essa dança acontece na casa preparada para a celebração do ritual. Tem os cantos de conselhos, cantos para ralar o jenipapo, cantos para cura, cantos para celebrar o ajuri, entre outros e alguns são feitos de improviso, mas sempre usando o tambor (Huttner, 2007).

Na cultura do povo Kambeba o tambor ou tamborinho como é chamado é feito de couro de jacaré ou de pirarucu, para confecção o povo Kambeba “esticava com pau a pele de jacaré e usava madeira molongó ou outra madeira leve para fazer a caixa, ocavam a madeira, faziam uma roda de pau e pregavam a pele de jacaré e/ou pirarucu” (fala da tuxaua Wyca, 2014). E esse tambor é usado para os cantos que envolvem rituais como o Ritual do Curupira onde o Tuxaua chama o Curupira para participar da festa em comemoração à boa colheita, e nesse encontro fazem um canto chamado Zana Makatypa Curupira, usando o tambor como esse elemento de comunicação entre os dois universos natural e sobrenatural unido ao instrumento de sopro e chocalhos. O canto da Garça, o canto do inambu chamado de Atawaretó onde esse animal vem para um encontro em que há uma comunicação entre a natureza e o homem pois, acredita-se na cultura indígena que os animais se comunicam com ser humano, mas, para isso é preciso sentir e silenciar. Por isso, desde pequenos os memuera (filho) e as wayna kuyra (filha), aprendem a arte de silenciar para ouvir e aprender o que vem do seio familiar e de sua ancestralidade (Silva, 2012). A transmissão da musicalidade do povo Kambeba e de outros povos bem como o toque do tambor, é transmitido de geração a geração. “Não existe notação, e o acervo de composições antigas é transmitido pela prática continuada entre as gerações”, (Bastos &Piedade, 1999).

Hoje outros elementos são usados no canto e na dança indígena como atabaque e violão. Porém, “ao contrário do que se poderia supor a tradição musical indígena como um todo não é um objeto de antiquário, é algo vivo e sempre em mutação, sendo constantemente praticada e renovada, incorporando até mesmo material não-indígena, ainda que mantenha seus valores e formas essenciais preservados, e é uma vitrine de suas visões de mundo, cristalizadas em formas sonoras” (Mello, 1999).

Acredita-se que mais povos façam uso do tambor como elemento de comunicação e musicalidade, nesse texto para exemplificar e mostrar o valor do tambor na vivência e cultura indígena alguns povos foram citados. Ao som de tambores e flautas a mãe terra vem falar, vem nos contar de suas dores e cuidado para com o homem, mas, em sua ingratidão este mesmo homem agride e fere sua alma. Em seu colo muitos povos deitaram, caídos e mortos por arma de fogo, pois a arma superou a flecha que não mais fere. E é no canto, ao som de tambores que os povos tecem sua história mantendo sua ancestralidade, mas convivendo com a modernidade da cidade de pedra respeitando a diversidade cultural e convivendo com ela.

A força do tambor pulsa igual um coração que anuncia a vida e a cultura de uma nação. Preservar e respeitar o som do tambor deve ser algo vivenciado por todos como elemento sagrado. Nele reside a força de bravos guerreiros, a força dos encantados. "As canções são um caminho, nomeiam os lugares, e articulam a cartografia da floresta ao movimento dos seus habitantes, além de estarem ligadas ao mundo espiritual dos pássaros", (Montardo, 2006).

Referências

Bastos, Rafael José de Menezes & Piedade, Acácio Tadeu de Camargo. "Sopros da Amazônia: Sobre as Músicas das Sociedades Tupi-Guarani". In: MANA 5(2):125-143, 1999.

Guzmám, Décio de Alencar. Guerras na Amazônia do século XVII: Resistência Indígena á colonização. Belém: Estudos Amazônicos, 2012.

Huttner, Édson. A igreja Católica e os povos indígenas do Brasil: os Ticuna da Amazônia. Porto Alegre, EDIPUCRS, 2007.

Mello, Maria Ignez Cruz. Música e Mito entre os Wauja do Alto Xingu. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 1999

Montardo, Deise Lucy Oliveira. "A Música como Caminho no repertório do Xamanismo Guarani". In: Anthropológicas, ano 10, volume 17(1): 115-134, 2006.

Silva, Márcia Vieira da. Reterritorialização e identidade do povo Omágua- Kambeba na aldeia Tururucari- Uka. Márcia Vieira da Silva. – Manaus, AM : UFAM, 2012.

Márcia Wayna Kambeba
Enviado por Márcia Wayna Kambeba em 19/06/2014
Reeditado em 19/06/2014
Código do texto: T4850967
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