ÁLBUM DE FIGURINHAS

“O colecionador tem um componente obsessivo,

mas antes de tudo é um apaixonado”

(Edimara de Lima – Pedagoga).

“- Vovô saiu o álbum da copa! Vamos comprar figurinhas?”

Primeiro, Lucas, vamos fazer as tarefas da escola e se der tempo iremos lá na cigarreira de ‘Júnior’ comprar as primeiras figurinhas.

Já deu para sentir o drama, né!

Concentração dividida entre o dever e o prazer.

Sempre tive fascínio por colecionar. E um desses é o tal “Álbum de Figurinhas”. Lembro claramente de três deles que ainda povoam minha mente: “Os Dez Mandamentos”, “Disney - A Bela Adormecida” e o da copa “Brasil 1962”.

Em cada um, uma referência: Moisés (as tábuas da lei), as Fadas Madrinhas (Flora, Fauna e Primavera), Carbajal (goleiro do México) e Mauro (capitão bicampeão pela canarinha).

O mundo se transformava de maneira tal, que tudo que acontecia por aí parecia estar estampada nas figurinhas. Era um prazer imenso, e mesmo diante das limitações financeiras da época, sempre “sobrava” um trocado economizado para comprar algum envelope.

Aos poucos ia aumentando a quantidade de duplicatas, o que favorecia a uma imediata negociação para trocar por outra, ainda não “colada” no álbum.

Volto ao tempo de hoje, e constato a importância que tem o álbum de figurinhas para o processo de integração e aprendizado das crianças não tão crianças.

Não há como negar quantas possibilidades de sociabilização e diversão pode caber dentro de um álbum!

Vejamos os aspectos significativos da arte de colecionar figurinhas:

Controlar a ansiedade - “vovô vamos hoje (terça) lá? Puxa! Só sábado?”

Planejamento - “preparar a tabela numérica para dar baixa nas adquiridas”

Senso de organização - “separar as repetidas, cuidado ao manusear o álbum”

Classificar - “tratar as repetidas das não duplicatas”

Contar - “reconhecer e exercitar a linguagem numérica”

Ordenar números - “colocar em ordem crescente”

Estratégia de troca/negociação - “como fazer em relação a essa ou aquela figurinha mais difícil”

Interagir com os colegas - “fazer novas amizades”

Repertório cultural - “aumentar o conhecimento ao aprender sobre geografia, história, cultura e linguagem”

Aprender de maneira divertida - “interpretar a mensagem proposta pelo álbum, de forma leve e descontraída”

Organizar as ideias e os pensamentos -“ah! Sim. Quer dizer que...”

Aumentar a memorização - ”essa eu tenho, essa tenho, essa não tenho”

Ter responsabilidade - “como se portar no contexto geral do colecionismo”

Ser mais curiosa - “fazer indagações ao conversar com os colegas”

Ter perseverança - “oba! Falta só dez para preencher o álbum. Vou conseguir”.

Porém um cuidado todo especial: estar atento ao consumismo desenfreado.

Daí a responsabilidade dos pais em orientar os filhos e colocar limites, por exemplo, na compra desenfreada de inúmeros envelopes de figurinhas, sem esclarecer para a criança o significado de cada etapa do ato de colecionar.

Que aprendizado tem se os pais compram logo todas as figurinhas? Imagine essa criança, com o álbum completo, em reunião com os demais colegas, sem participar da dinâmica do intercâmbio social que o processo da “troca” proporciona.

É um grande momento para ensinar aos filhos que eles não têm a obrigação de completar primeiro que os outros, e sim aproveitar toda essa magia para aprender a lidar com naturalidade, o tempo de cada um.

Se você apressa o preenchimento, em nada a criança dará importância. Sua alegria será rápida e perderá a oportunidade de ir construindo com as descobertas, a sua formação.

Por trás de todo esse movimento, tem uma figura que disfarçadamente se reveste de criança: os adultos!

Eles se envolvem com tanto ardor inocente, que se não tiver cuidado, tira o brilho dos olhos das crianças.

E importante: aproveite este momento, principalmente nas seções de trocas de figurinhas, para ressaltar o respeito, a honestidade, e o caráter educativo que o colecionismo proporciona.

Certo dia presenciei um pai dizendo ao seu filho: “não seja bobo, só troque duas por uma”. Me pergunto: em quantos outros momentos esse pai não fomentou o egoísmo, a vantagem, a avareza, disfarçada de “incentivo” ao sucesso?

Mas isso é exceção. De tantos outros também ouvi: “dê, meu filho, essa figurinha para seu amigo. Depois ele traz outra para você”. Isso se chama solidariedade!

Cada figurinha, que passa em distintas mãos, até ser fixada no local a ela determinada, espelha momento de plena alegria que seus personagens nos trazem.

Ao manusear cada álbum antigo, vemos como eles carregaram histórias que embalaram sonhos e descobertas de um tempo que não volta mais.

Eles ainda trazem emoções, mesmo que na folha central esteja faltando a figurinha de número 63.

Cada figurinha ali “pregada” me leva sublimemente à experiência de “substituir” os protagonistas pelos amigos que fui colecionando na trajetória da vida.

Tenho certeza que cada um de nós possuiu um álbum “infinito” com todos aqueles, mesmo que por momentos fugazes, expressam significados positivos. Esse álbum tem uma característica ímpar: não possui figurinhas duplicadas. Portanto não temos como trocar “figurinhas” destes amigos queridos. Eles são únicos.

Veja! Encontrei você!

Eu?

Sim, e é premiada!

Ela é dourada de gratidão por suas atitudes desprovidas de interesses.

Puxa! Quanto você não estará valendo no álbum de Deus?!

“- Vovô só faltam seis figurinhas? Vamos de novo, lá na cigarreira de ‘Júnior’?”

Só se for agora!