JOGOS DE GATO E RATO

A crítica literária, ainda que nem sempre bem-vinda, cumpre a função do "refletir e reexaminar" o escrito recém saído do forno. Ou, devido à complexidade e/ou foco do assunto, auxiliar no seu aprimoramento estético. Analisa-se forma e conteúdo. A análise crítica é corolário do ato de escrever e do objeto formal da publicação. Publicar – especialmente em voz poética – é dar voz à Confraternidade, mesmo que ela chegue carregada de egos, com o ranço do egocentrismo, que a nada de bom conduz, e só serve para afastar o leitor. Até mesmo quando o disfarçamos para mascarar intimismos e inventamos a falácia do “eu poético”, conceito teórico pelo qual se pretende barrar ou minimizar o ego autoral posto à mostra – especialmente no lírico – e que costumeiramente tumultua os afetos envolvidos na parceria real cotidiana do autor da peça textual. De nada adianta discutir, descobrir e/ou alardear que o poema nasce do alter ego e não do ego, frente ao escoar das realidades nas relações afetivas: o parceiro fixo nunca entenderá como e de onde o poema nasceu... Vale tudo para cumprir o propósito de disfarçar ou velar a veracidade – recriando-a – e urdindo a nova verdade ao receptor, através da fantasia ou da farsa. A arte, muito além de ser cópia do transcurso do viver, é fotografia nebulosa dos desejos mais inconfessáveis. E é ao leitor que temos de dar de comer aquilo que é o melhor: gostoso, palatável. Para tanto, temos de saber, por primeiro, o que é bom para o nosso organismo. O “ser fraterno” não exclui o amar e seus implícitos jogos de gato e rato.

– Do livro O CAPITAL DA PALAVRA, 2013/14.

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