A ABERRAÇÃO DO RACISMO
"As pessoas formam famílias, tribos, sociedades, nações. Todas essas entidades, - das moléculas dos seres humanos e destes aos sistemas sociais- podem ser considerados "todos" no sentido de serem estruturas integradas e também "partes" de "todos" maiores, em níveis superiores de complexidade. De fato, veremos que "partes" e "todos", num sentido absoluto, não existem."
Fritjof Capra
O ambiente em que vivemos se manifesta aos nossos olhos sob três faces: pluralidade, unidade e energia. Sob um rosto multiforme e variado, ele é um organismo que esconde uma indissolúvel unidade, mantida pela energia contida no núcleo de cada um dos seus elementos. Essa energia é a informação inicial que neles se hospeda, e os faz procurar, no ambiente em que vivem, os elementos que necessitam para realizar a necessária complementaridade. Nesse sentido, tudo que existe no universo é plural e singular ao mesmo tempo.
A atomização é o processo pelo qual os constituintes básicos da matéria universal se dividem, se qualificam e depois se reúnem novamente, formatando as realidades do mundo fenomênico. E, em cada átomo da matéria decomposta, reflete glorioso, esse indefinível sentido de unidade, que se manifesta, pela manutenção, em todas as partes pelas quais ela se multiplica, das propriedades observadas no todo.
Por isso dizemos que o universo inteiro está contido em cada grão de poeira existente no cosmo, e também em cada célula dos organismos que a natureza criou.[1]
Na intimidade do ínfimo se encontram as propriedades do imenso com todas as suas intenções e qualidades. É como se todo o real existente fosse derivado de uma substância única, que subsiste exatamente por causa dessa sua propriedade essencial, que é a identidade entre todas as suas partes.
Pelo fato de ser homogênea, a essencialidade da matéria consegue projetar-se, como uma vontade que une, sobre os múltiplos de sua substância, conferindo a todas as coisas a unidade que se observa entre os elementos materiais. Essa unidade é uma força que faz com que a diversidade elementar do universo, e particularmente os seres vivos, tenham que praticar uma necessária interação, como função das relações que necessitam para realizarem suas finalidades.
Essa relação de complementaridade não precisa integrar, necessariamente, um ideal humanístico para ser natural. Nesse sentido, o predador que consome a sua presa, na ação natural de preservar a própria vida, não comete nenhum ato antinatural. É uma interação útil e necessária no processo da vida que se desenvolve. Não existe um conflito na luta que se observa entre o leão e o antílope, ou entre a pomba e o gavião, mas sim, um esforço da natureza, onde a supressão de um pelo outro feito é um evento natural e necessário á conformidade do processo.
É diferente da luta que se trava meramente pela supremacia ambiciosa e arrogante, que ultrapassa os limites da necessidade de sobrevivência e aperfeiçoamento da espécie. A natureza inventou a luta pelo aperfeiçoamento da espécie, a arrogância e a estupidez humana inventaram o conflito e a guerra. E principalmente a ideia da existência de raças e graus de supremacia entre elas.
A energia resultante de uma interação entre dois elementos se mede pelo grau de transformação que ocorre em cada um dos elementos envolvidos nesse processo. Esse resultado é também a medida da evolução individual de cada um. A energia que transmitimos uns aos outros, a energia que transmitimos às coisas com as quais interagimos, a energia que recebemos das pessoas e das coisas, eis o motor de todas as transformações. E a potencialidade do quanto "somos" em cada momento da nossa vida é o resultado desse processo. Por isso não há raças superiores nem inferiores, mas apenas pessoas em diferentes processos de interação, com diferentes resultados em seus ambientes e estruturas físicas ou sociais.
Quando me relaciono com uma pessoa, ela se modifica em consequência da informação que recebe de mim. Da mesma forma, sou modificado pela informação que dela recebo. Informação é energia e nós somos produtos de relações e de relações entre relações. Por isso nada pode ser descartado como inútil ou inferior. E nenhum argumento justifica a exclusão, seja do que for, que a natureza um dia produziu. No desenho do universo que Deus projetou, a falta do mais insignificante elemento implica em torná-lo incompleto. E torná-lo incompleto é mutilá-lo. E tudo que é mutilado é feio. É pura aberração.
Não existe ideia mais aberrante do que o racismo. O que faz do racista uma verdadeira aberração num mundo onde todos são partes e todas as partes são essenciais ao todo.
[1] Quem quiser ter uma idéia melhor desse processo pode ler o maravilhoso conto de Jorge Luis Borges, chamado “O Aleph”. Aleph é a primeira letra do alfabeto hebraico e no simbolismo da Cabala significa Deus em sua primeira manifestação no mundo da existência positiva. No conto de Borges, o Aleph é como se fosse um átomo do universo que contém todas as suas propriedades, as quais podem ser contempladas ao mesmo tempo. Na física moderna o conceito análogo que mais se aproxima desse fenômeno é o chamado bóson de Higgs, chamado pelos cientistas de “partícula Deus”.