SALVADOR, UMA MULATA ASSANHADA

 
Durval Carvalhal



Foto de Elevador Lacerda



               Comemora-se a fundação de Salvador em 29 de março de 1549, quando Tomé de Souza chegou com seis embarcações, três naus, duas caravelas e um bergantin, com ordem do rei de Portugal, Don João III, de fundar uma cidade-fortaleza chamada de São Salvador.
      Na verdade, a terra é antiquíssima, habitada pelos tupinambás. Em 1503, Américo Vespúcio deu-lhe o nome pomposo de São Salvador da Bahia de Todos os Santos, uma das sete denominações que teve, cristalizando-se em Salvador, dividida em Cidade Alta, sede do poder civil e Cidade Baixa, área marítimo-comercial, ligadas sobretudo pelo Elevador Lacerda e Plano Inclinado Gonçalves.
        Mas, sua fundação oficial foi, portanto, há 465 anos, abrangendo uma área de 693.276 Km2, num clima tropical atlântico, erigida “com arrogância sobre uma costa rochosa, verdadeiro promontório com setenta metros de altura”, segundo a historiadora Katia Mattoso.
               Dentro dessa ótica, nasceu já cosmopolita, já cidade, já capital, já primeira capital do Brasil, cheia de belezas e encantos, qual uma bela mulata. Virou “mulata assanhada, que passa com graça, fazendo pirraça, fingindo inocente, tirando o sossego da gente”. Em 1763, perdeu seu charme de capital do Brasil para o Rio de Janeiro. Mas conservou toda sua magia e seu encanto.
              A brisa marítima a fascina e a mulata assanhada não se cansa de percorrer os 80 km praianos, que vão de Inema, no subúrbio ferroviário, até a Praia do Flamengo, na outra ponta da Soterópolis, praias banhadas pelas águas da Baía de Todos os Santos e do Oceano Atlântico.
           Aconchegante, acolhe amigos turistas e os leva ao Centro Histórico, ao Mercado Modelo, à Igreja do Senhor do Bonfim, aos restaurantes para saborear a rica culinária da boa terra e virar a noite nos ensaios dos blocos de carnaval, esbaldando-se no pagode, no axé, no samba, no forró e no arrocha.
               Morava no bairro da Liberdade, onde curtia o Ilê Aiyê, mas se mudou para Pernambués, o bairro de maior proporção de afro-brasileiros, com mais de 70.000 moradores. Mas é puro reflexo da característica da Roma Negra, multicultural e multirracial, ostentando 51,7% de pardos; 27,8% de negros; 18,9% de brancos; 1,3% de asiáticos e 0,3% de ameríndios.
       Vaidosa, a assanhada mulata anda nos trinques, elegantemente, e participa de tudo. Desde a confraternização universal da chegada do ano novo, até o Natal, destacando-se a Lavagem do Bonfim, a Festa de Iemanjá, o carnaval, São João e a Independência da Bahia.
                 Sensualíssima, não perde a oportunidade de paquerar o Caboclo, só pra pirraçar a Cabocla. Pra não sair na pior, parte para Cosme e se não der certo, fica com Damião. Parece Lucíola de José de Alencar.
                Adora ver o Bahia jogar no Estádio Otávio Mangabeira, Fonte Nova, impositivamente rebatizada pelo nome de Itaipava Arena Fonte Nova. Mas se alguém a convidar para ir ao Estádio de Pituaçu, ela vai, só pra pirraçar os rubro-negros.
 
               Intelectualizada, a mulata pirracenta adora Gregório de Matos, Casto Alves, Ruy Barbosa, Jorge Amado e Dorival Caymmi. Adora teatro, barzinho e cinema e se orgulha do samba de roda cantado na Bahia e que deu origem ao samba moderno.
            Faceira, elegante, despojada, sensual, alegre, bonita, falante e de talhe bacântico, a mulata assanhada é, também, religiosa e costuma frequentar as 365 igrejas da primeira capital da América Portuguesa.
                 Quão excêntrica e ditosa é esta mulata assanhada! De corpo violado de bailarina; andar modelar de manequim; nádegas carnudas de vedete; seios pontiagudos de donzela; lábios melífluos de Iracema; olhos ressecados de Capitu; cabelos enegrecidos de índia paraguaia; doçura de Mãe Menininha; faceirice da solteira dona Flor... Assim é Salvador, mulata na cor, repleta de amor, cercada de esplendor. Viva a assanhada Mona Lisa do Brasil!
Durval Carvalhal
Enviado por Durval Carvalhal em 05/04/2014
Reeditado em 29/03/2019
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