A SOLIDÃO ETERNA

De há muito percebo que os poemas e prosas nunca são, a rigor, essencialmente meus, e, sim, dos domínios do leitor. Neles, a palavra inicialmente me fecunda e me agasta com o imediatismo da criação e o desafio do entendimento presente e futuro: o meu e o do pretenso leitor. É pela recepção literária que o texto transmuta-se e ganha existência. Antes do ato receptivo é matéria inerte, mesmo que aparente e formalmente criado. Cria asas e voa de pronto, milagre da reflexão proposta. Aliás, me apercebo que sobre muitos deles tenho somente na memória o registro da criação e os direitos autorais daí decorrentes. Chegam ao mundo pela mão do alter ego, e em sua maioria, são ideados como pequenas verdades a serem ditas em linguagem metaforizada, codificada, a um leitor ávido de novidades. Os alter egos são estes duendes inominados que me habitam em tempo integral e não pagam nem aluguel por usar-me como casa. É provável que sejam eles o decalque digital de minhas artérias e veias entupidas de leituras e de experimentações. Há, nos intrusos, sempre a angústia e o medo de se extinguirem por falta de companhia. Em mim - hospedeiro - ocorre a certeza do finar-se. E, se tiver que vir que venha, e seja bem-vinda a possível memória literária no coração do idioma. Todavia, por certo, muito mais solitária sem a presença dos outros egos, que falam à revelia de minha vontade...

– Do livro O CAPITAL DAS HORAS, 2014.

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