O estranho mundo da Disney
Com certeza, todos nós conhecemos as aventuras de tio Patinhas, Mickey, Donald, Pateta e tantos outros personagens que compõem o universo Disney. Muito poucos podem dizer que nunca leram uma revista desses personagens, deliciando-se com suas aventuras e trapalhadas mas, estranhamente, talvez poucos notem que o mundo da Disney segue uma lógica estranha, que não poderia ser bem aplicada no nosso mundo real e que podem servir para discutir e questionar qual é a ideologia que existe por trás das mensagens implícitas em cada história.
Comecemos pelo trabalho. Se notarmos bem, quase nunca vemos nenhum personagem trabalhando. Donald, por exemplo, está sempre tentando arrumar um emprego, geralmente um cargo bem insignificante, às vezes numa empresa de seu tio Patinhas, mas quase sempre é despedido. Não é estranho que consiga se manter e a três sobrinhos sendo tão inepto para conseguir ficar num trabalho? Outro que chama a atenção é Pateta, com seu intelecto altamente limitado.Pateta é tão incapacitado para cuidar das coisas que, quando vai consertar algo, inevitavelmente, quebra.
Aliás, muitos são os que não têm profissões definidas neste universo. A gente poderia se perguntar do que vivem pois, embora não sejam ricos, é óbvio que têm uma fonte de renda que permita que possam viver sem preocupações. Entre os poucos que aparecem com meios definidos de viver, estão Horácio, que tem uma oficina, professor Pardal e tio Patinhas, que é capitalista.
Donald é um caso singular. Ele quer subir na vida e tenta, de todos os modos, ser "alguém". Seus sobrinhos vivem frustrados porque, enquanto tantos têm bons empregos, seu tio vive sendo despedido. Por que Donaldo não dá certo em nada? Comumente, ele se diz azarado mas, em algumas histórias, fica sugerido que ele é naturalmente incompetente. O que a figura de Donald quer ensinar? Que nem todos nasceram para ter sucesso, como o seu tio Patinhas, de quem ele, aliás, sente uma inveja descarada? Mas a América não é a terra das oportunidades? E a ideia de que, com esforço e dedicação, qualquer um pode ter sucesso?
Se Donald pode atribuir sua situação ao azar, ao destino ou à sua natural incompetência, não se sabe mas, e Gastão? O primo Gastão se diz sortudo e, tudo o que faz, dá certo. Não se diz se ele trabalha ou não, mas vemos que tem um padrão de vida que lhe permite comprar roupas caras e bons carros. Gastão, convenhamos, adora humilhar Donald, que inveja sua boa sorte, considerando-se injustiçado por nunca vencer o primo e rival.
E Patinhas? Bem, ele lutou para conquistar seu patrimônio, isso fica bem patente em algumas histórias onde ele fala do seu passado, mas é óbvio que, além da determinação, ele se vale de uma boa dose de falta de escrúpulos. Patinhas é altamente avarento, explora seus empregados, não hesita em usar Donald para alcançar seus objetivos (como viajar a lugares distantes em busca de tesouros, onde, estranhamente, todos os habitantes são índios, ignorantes e miseráveis) , trapaceia para colocar seus rivais para trás e adora seu dinheiro como um deus.
O que podemos concluir? Talvez nada, porque o objetivo não é encerrar a discussão, mas deixar claro que todo texto tem mensagens ocultas que precisam ser discutidas, porque todos os que produzem textos, mesmo um aparentemente tão inocente como uma história em quadrinhos, transpõem ideologias que podemos estar assimilando passivamente e sem refletir.