Personalidade do Ano
José Mujica, presidente do Uruguai, é um revolucionário que não pegou em armas. Onde estava este homem que só foi descoberto agora?
A liberação da maconha no Uruguai, não só para fins terapêuticos, é um avanço sem precedentes nessa nossa América Latina, marcada pela hipocrisia eclesiástica e pelo oportunismo dos seus governantes. Homens, em geral – principalmente encontrados em nossas democracias pseudo-capitalistas –, sem uma parcela mínima de espírito público, razão pela qual acabam não podendo governar para os seus eleitores. Homens que estão sempre prestes a ceder vantagens a indústrias e conglomerados estrangeiros, em muitos casos em proveito próprio ou em nome de uma paz ou manutenção da ordem que lhes são exigidas pelos líderes do Primeiro Mundo. Paz que nunca nos satisfaz, diante das tímidas conquistas que nos são oferecidas.
O primeiro desdobramento dessa política de liberação da maconha é a retração a ser observada nos negócios dos traficantes. Pois eles não terão a quem vender clandestinamente, dentro de pouco tempo ou no médio prazo. Porque isso não será mais necessário.
Em seguida virão as eventuais relações entre o que se conhece por crime organizado e certos integrantes de corporações policiais, militares, judiciais, etc., que serão afetadas pelo deslocamento do seu foco motivador. E que, em função disso, perderão substância, podendo mesmo desaparecer.
Será também função dessa liberação a maior evidência de campanhas de conscientização quanto ao consumo exacerbado de drogas em geral, e não só a maconha. Como serão ainda maiores os esclarecimentos quanto aos prejuízos causados à vida das pessoas decorrentes desse consumo. Porque ficará mais fácil falar de algo que já não é tão místico, ou não permanece tão “escondido”. Na medida em que o que não é permitido, tem que permanecer escondido.
Do mesmo modo, é bem possível que a motivação pelo uso da maconha ou de outras drogas, sobretudo pelos iniciantes, comece a não fazer mais sentido. Porque o uso da droga deixará de ser uma conduta “avançada” ou “pra frente”. Tornando-se, nesse caso, cada vez mais tênue a linha divisória entre os “sabedores das coisas” e o grupo dos “por fora”, “quadrados” ou “filhinhos de papai”.
Não temos informações, mas seria interessante sabermos qual a pujança do tráfico de drogas em Amsterdam, cidade onde desde 1968 existem bares em que o consumo de maconha é liberado dentro de determinado horário. O mesmo acontecendo em certas localidades dos Estados Unidos, como os estados do Colorado e Washington. Apenas não sabemos se em bares com horário estipulado.
Se considerarmos que, em todo o mundo, num grupo de 20 pessoas uma pelo menos faz uso da maconha, será fácil entender que é inteiramente inócuo o sistema proibicionista em relação a essa droga.
Se nos fosse possível a deferência, o presidente José Mujica, a despeito de sua conhecida simplicidade e maneira de se conduzir na presidência de seu país, deveria merecer o título de “personalidade do ano”. Sendo justa a sua figuração na capa da revista Time, em lugar do Papa Francisco e, mais ainda, em lugar do presidente Obama.
Rio, 13/12/2013