(Para Nina)
 
   O que menos interessa ao outro é a nossa biografia. Ela faz-se em cada termo, palavra afável ou inflexa que desvela o poder de ter sido, o de ter esculpido ao londo desta vida, um ápice de nada, num átimo de tempo – insisto: existo. Num paradoxo, quanto menos identificado estou, raiz fincada no chão tiver, menos serei eu mesmo, mais serei o OUTRO. Este, sim, reflexo de mim mesmo me aufere consciência.
   Eu vejo, sinto, pressinto, respiro o outro no amplexo côncavo do espelho. Quantos eus perfilam no instante desta constatação? As palavras insinuam-se laureando a finitude do ser. Nelas mergulhado, ouso enfretar o silêncio na aventura perspicaz. Você colocaria o seu sonho numa moldura, fosse ela um enfeite submerso em possibilidades de fraturas? Olhar é, em certa medida, transgredir, desnudar-se de tantos "eus" contingentes da existência. Sou a permanência da Inonimado, num tempo e espaço determinados em que o sujeito-objeto se fundem. A vida me é dada sempre no fio da navalha, no entrelaçar de acontecimentos nem sempre duradouros, nem sempre fugazes. Entretanto, resisto. Existo apesar de saber que minha biografia oriunda-se nos protótipos intra-uterinos de infindas gerações.
   Reflito: a sua idade é a idade de seus sofrimentos? Você é um homem, ou você é apenas uma reação impensada num lapso do ETERNO. O homem, é bom lembrá-lo, é capaz de ler a mensagem do mundo. Decifra-me mse sou enigma de tantas imagens. E, o homem jamais é um analfabeto. Ao invés disto, é aquele que reflete ainda para pensar. Onde estamos? Quem somos? Para onde vamos? A sua terra, onde fica? É uma aldeia? Grande, pequena. A montanha faz sombra, ou o mar, constantemente, vem acariciar os seus pés?
   O homem é sempre aquele que, na multiplicidade de linguagens, pode ler e interpretar. Viver é ler interpretar. No efêmero pode ler o Permanente, no temporal, o Eterno; no mundo, Deus.
   Você tem uma casa de milhares de tijolos, ou é uma casa de poucos "tijolos cor-de-rosa, gerânios na janela, pombas no telhado... " A ternura sobrevive escondida sob os ardis de seus pés? Eu possuo as estrelas, pois "ninguém antes de mim teve a ideia de as possuir". E a sua vida gira em torno de quê, das moedas, ou em torno das estrelas? Você já teve um cão? Chorou quando ele morreu: "Eu me julgava rico de uma flor sem igual, e é apenas uma rosa comum que eu possuo"
   Mas a vida é assim mesmo: "Eu caço as galinhas e os homens me caçam. A gente so conhece bem as coisas que cativou. Eu te olharei com o canto do olho e tu na dirás nada. A linguagem é uma fonte de mal entendidos. Mas a cada dia, te sentarás mais perto... Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz". Deitado na relva, ou em outro lugar qualquer, você também chora, ou isso é coisa de gente fraca? Ah, ia me me esquecendo de dizer que estudei o homem, suas neuroses, psicoses, estudei o homem na Filosofia, Psicologia, eu o estudei na Universidade, mas só o conheci mesmo no dia-a-dia da vida. E, nos livros: Metafísica do Olhar, História de Pingo, Contrapasso Poético, Crônicas de Amor, Liras ao Vento e neste Encontros,  eu falo um pouco dele, o homem, e o ficciono para você.
   Vem comigo pelas veredas insondáveis do pensar e passíveis do imaginar. Vem como a memória o chama, ela precisa de você.
   Tantas perguntas, quantas questões...

                               Roberto Gonçalves

 
RG
Enviado por RG em 19/10/2013
Reeditado em 16/02/2014
Código do texto: T4531960
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