Flashes do Casé
Flashes do Casé
Pelos idos de 1870, aos domingos, o pároco de Brejo da Madre Deus celebrava missas. Portanto, havia no povoado uma pequena casa de oração. Essas paragens faziam parte da Fazenda Capim, desde antes de 1833. Anos depois, (depois de 1870), os devotos erigiram uma igreja em homenagem a Nossa Senhora da Conceição. E Frei Cassiano de Comacchio, que pregava nas missas em 1881, sugeriu que o nome da comunidade fosse mudado. Tendo ao norte Jataúba, ao sul São Bento do Una, a oeste Sanharó e a leste Tacaimbó, bem no centro desses pontos cardeais nascia Belo Jardim. E ali, em 1902, nasceu Ademar.
Ademar Casé.
Pelo sobrenome talvez um sino tenha soado em sua memória. Isso mesmo, trata-se do avô da nossa conhecida e não menos prestigiada Regina Casé.
E com isso vamos aos flashes.
O pernambucano Ademar Casé, com 20 anos incompletos, integrava o grupamento militar do Recife, que foi para a capital federal em virtude do que entraria para a história como “Os 18 do Forte”, um dos episódios do Movimento Tenentista.
Data: julho de 1922.
No mesmo local e ano tinha lugar a Exposição Internacional do Rio de Janeiro, o Centenário da Independência do Brasil e a primeira transmissão de rádio oficial, em 7 de setembro.
Talvez algum poeta das estrelas, desses que não estão sujeitos ao tempo linear e que dedilham liras em nuvens cintilantes, tenha suspirado ao observar o Ademar voltar de navio para Pernambuco sem ter visto a inauguração desta mídia no país. E com certeza ruminou: “veremos...”.
Dados oficias nos dizem que Roquette-Pinto e Henrique Morize foram os precursores, tendo inaugurado – em 20 de abril de 1923, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro. Entretanto, há controvérsias...
O sofisticado aparelho era repasto de poucos e a programação reproduzia discos de grandes concertos e óperas, conferencias ao vivo, declamações de versos, algumas noticias de jornal.
A Companhia dos Telégrafos, reguladora dessa novidade que contava no máximo com 4 emissoras, decretava que as mesmas não podiam ter publicidade, pois não passavam de clubes que reuniam “amantes das ondas hertzianas”.
Alguns anos depois... no início da década de 30 o dial carioca era ocupado por 14 emissoras.
Casé já estava enraizado no Rio, vendeu rádio de porta em porta, fez o primeiro jingle (Padaria Bragança em 1932), e, na alvorada deste mesmo ano, lançou o primeiro programa de rádio comercial do Brasil, cujas transmissões foram iniciadas em 14 de fevereiro de 1932.
Sucesso imediato.
Um de seus filhos, Paulo, esclarece que dois fatores harmonicamente combinados abriram os caminhos para Ademar:
“Tudo foi apoiado na sua inteligência criativa e intuitiva. Não tinha grandes bagagens de erudição. O que ele tinha de extraordinário eram a criatividade e o caráter. Um caráter inabalável".
Arte é movimento, rádio é um trem que propaga no ar, artista é um movimentador e no meio disso tudo Casé funciona como um regente que tocou vidas sem conta, algumas inclusive impulsionou. Tipo de missão que gera notáveis depoimentos.
Vejamos Nássara.
Antônio Gabriel Nássara, carioca filho de libaneses, compositor, caricaturista, desenhista, foi vizinho de Noel Rosa, compôs uma pá de marchinhas carnavalescas, disputou concursos com Lamartine Babo e Ary Barroso e seu maior sucesso foi o tema "Alá-lá-ô”.
Nássara diz o seguinte: “para os artistas, era uma tranqüilidade trabalhar com Casé. Quando acabava a irradiação, lá vinham Ademar e a mulher dele, dona Graziella, com o dinheiro separadinho para todos nós”.
A propósito, dona Graziella, parceira de vida inteira de Ademar, se conheceram num cinema e juntos atravessaram o século XX.
Marilia Batista, nascida Marília Monteiro de Barros Batista, carioca de 1918, cantora, compositora, instrumentista, considerada uma das mais importantes intérpretes da obra de Noel Rosa (aliás, o próprio Noel Rosa foi contra-regra do Programa Casé), nos conta assim: “A primeira vez que o Casé me ouviu cantar foi durante uma apresentação no cinema Broadway, na Cinelândia. Chegou pra mim, disse que tinha gostado muito da minha voz e acabou me contratando ali mesmo. O cachê combinado era de 45 mil réis por cada apresentação no programa de domingo. Era um belo cachê, não dava nem para acreditar”.
O grande tchans do Casé foi que ele profissionalizou o esquema. E fez isso na base da intuição e do bom senso. Seu principal assistente, Silvio Salema Garção Ribeiro, cantor muito aplaudido na época, diria em entrevista anos mais tarde que o programa era de fato inovador, mesmo que seu idealizador não entendesse nada de rádio e não tivesse qualquer conhecimento na classe artística.
Ponto para ele.
Silvio fez a ponte com a classe, tirando da arquibancada para o campo Noel Rosa, Lamartine Babo, Silvio Caldas, Chico Viola, Carmen Miranda, Francisco Alves, etc. E o termo arquibancada não é tão impreciso quanto possa parecer. Abaixo, fazendo uma salada de fontes, vai uma dica da mentalidade de 1935:
“Muitos dos músicos e cantores se apresentavam, até então, por pura diversão, em festinhas, quermesses ou clubes.
Só dessa forma era aceitável que um jovem da “melhor sociedade” pudesse exercer tal tarefa. Era o caso dos rapazes do Bando da Lua, grupo que se notabilizou como acompanhante fiel de Carmen Miranda. Na primeira vez em que passou pelo microfone do Casé, o grupo se recusou a receber cachê:
"Semanas depois aceitaram o primeiro - 20 mil réis para dividir por sete - e mesmo assim porque Almirante tomou o envelope da mão de Casé e o enfiou na mão de um deles. Para torrar o dinheiro antes de voltar para casa, comeram e beberam à gorda numa leiteria da Galeria Cruzeiro e, com o que sobrou, voltaram de táxi para o Catete”.
• Ademar acompanhava cada detalhe que acontecia no estúdio.
• O grande segredo do Programa Casé eram as músicas.
• Pelos microfones do Casé passavam os maiores nomes da época – cantar ali era motivo de orgulho.
• Para Moreira da Silva, o melhor era o clima de amizade que havia no programa.
Líder de audiência nos anos 1930, reduto de novos talentos e ícone da chamada Era do Rádio, Mayrink Veiga foi fundada em 21 de janeiro de 1926.
Alcunhado "Ziegfield brasileiro", (referência a Florenz Ziegfeld, produtor teatral norte-americano das primeiras décadas do século 20), por Heber Bôscoli, que em 1941 ainda acrescentou: “O Programa Casé é a mais popular de todas as programações particulares. Já caiu no domínio publico.”
Romanceando com destaque o que já foi romanceado em livro, num certo domingo em 1942, a família reunida em volta de um aparelho de rádio.
O speaker anuncia:
“A PRA 9, Rádio Mayrink Veiga, 1220 quilociclos, tem a honra de apresentar...o Programa Casé. O mais tradicional programa radiofônico do Brasil, comemorando hoje dez anos de existência. De agora, nove da manhã, até a meia noite, os senhores vão poder acompanhar a mais incrível reunião de estrelas da música, do humor e do rádio-teatro”.
Trecho do livro “Programa Casé – o rádio começou aqui” – autor Rafael Casé, neto do Ademar).
A título de curiosidade, um dos apelidos de Florenz Ziegfeld era Criador de Estrelas. Tudo a ver com o Casé.
Com isso o rádio estava conquistado. Após 19 anos de sucesso ininterrupto, pelos idos de 1951 Casé atina qual será a próxima etapa: uma aventura chamada TV.
A TV Rio estava praticamente nas areias da praia, em frente a uma colônia de pescadores. As câmeras não podiam ser desligadas, sob pena de no dia seguinte não funcionarem, em virtude da devastadora maresia. Os estúdios funcionavam no prédio do antigo Cassino Atlântico em Copacabana.
Em algum lugar há uma frase que expressa mais ou menos assim: quem tem uma grande idéia, normalmente tem mais de uma.
Casé pensou num programa chamado “Noites de Gala”. Outra linha de pensamento exprime que ter uma idéia não basta, é preciso colocá-la para funcionar.
Nomes se juntaram nesse projeto: Sergio Porto, Carlos Thiré, Flavio Cavalcanti, Walter Clark, Murilo Neri e Abraão Medina.
Este último era patrocinador do programa e dono das "Lojas Rei da Voz" - tremenda cadeia de lojas do Rio de Janeiro nos 50 e 60, focada na comercialização de rádios, eletrolas, discos e instrumentos musicais, afinal, “Noites de Gala” era um programa musical numa nova mídia. E o sr. Medina, atento aos fluxos, sabia que naquele momento o mercado de rádio, vitrola e geladeira era de reposição, ao passo que o da TV era de implantação. Que nem o rádio nos anos 20, poucos tinham televisores nos 50.
Na opinião de Walter Clark, o custo de um programa daqueles era de pelo menos 10 vezes maior do que qualquer outro.
Quem sabe no século 22 essa fórmula caia por terra, todavia, até então, para não dizer até agora, arte necessita de um centro avante ligado ao din-din e Medina correu para Philco e Philips com uma proposta de compra de 1.000 aparelhos, desde que eles fizessem a parte deles que seria, trocando em miúdos óbvios, investir no programa.
Em 1955 plasmou-se o sucesso. “Noites de Gala” estréia com: Carlos Thiré, Tom Jobim, Vinicius de Morais, Sergio Porto, Fernando Sabino, Walter D’Ávilla, Luis Delfino, Elizeth Cardoso, etc.
Alguns “cases” do programa, que falam por si:
• O jovem cantor canadense Paul Anka teve ali inesquecível momento, sendo suas músicas uma febre na juventude brasileira.
• O pai da atriz Gloria Pires, Antonio Carlos, fazia um quadro de humor nos moldes da Escolinha do Chico Anísio. Aliás o próprio Chico fez nesse programa seu primeiro tipo na TV – um recruta do exercito.
• Na edição especial em virtude de 13 de maio, Elizeth Cardoso, Alaíde Costa, Ataulfo Alves, Heitor dos Prazeres, as irmãs Marinho, Waldemar Santanae outros apareceram com trajes de Debret reinventados por Sorensen, bamba dos figurinos. Pela primeira vez o ex-marinheiro João Candido, herói da histórica Revolta da Chibata, surge na TV numa entrevista para Alberto Guerreiro Ramos, um dos mais importantes sociólogos brasileiros. No encerramento, Flávio Cavalcanti, direto do Museu Histórico Nacional, exibe o original da Lei Áurea e a pena com que a princesa Isabel assinou.
E pensar que a TV já teve esse naipe...
Até com o Kennedy eles foram falar.
Flávio Cavalcanti tinha esse sonho: entrevistar o presidente dos Estados Unidos. Durante uma viagem a Nova Iorque a oportunidade surgiu. Ele conversou com uma amiga ligada a embaixada, que conversou com alguém do FBI, e depois de muita insistência, utilizando os equipamentos do próprio governo americano, foram recebidos por um Kennedy bem humorado e simpático, na Casa Branca.
Em meados da década de 60, advertido mais de uma vez por seu médico e com 30 anos de sucessivas, inovadoras e bem sucedidas empreitas nas principais áreas da comunicação de seu tempo, Casé deixa o cenário.
Em depoimento preservado no Museu da Imagem e do Som, ele reflete com a sabedoria dos vencedores:
“Eu procurei fazer de um sonho uma realidade, embora, muitas vezes, ficasse temeroso de um fracasso. Mas quando uma idéia nasce numa pessoa, enquanto ela não der aquele passo à frente, não vai se sentir realizada. (...) Considero que consegui dar uma pequena contribuição para a divulgação do rádio, da publicidade e das músicas popular e erudita da minha terra”.
Foi para outro plano em 1993. Mais um semeador cujas sementes vingaram de modo extraordinário.
Encerramos com duas idéias, uma delas extraída do prefácio feito por Fernando Lobo, compositor e estudioso da MPB, falecido em 1996.
“Foi no tempo, naquele tempo em que a revoada de nordestinos se intensificava cada vez mais. Saiam de seus cantos, de suas pequenas casas do interior, seduzidos pelo mar, enfeitiçados pelas coisas bonitas que viam nos cosmoramas das feiras de suas cidades. E partiam como aves de arribação, levando a cara e a coragem no matulão quase sem nada. Eram os do norte que vinham e se espalhavam por esse Rio de Janeiro, pelos 4 cantos de um mundo danado de grande, com tanta gente já trabalhando, dizendo bem não carecer de mais gente que viesse para trabalhar também”.
A outra vem de um pensamento mais universal: "Quem julga a si mesmo merecedor nato, nasceu neste planeta para não perder um segundo sequer com coisas que não lhe façam se sentir como ele realmente é - um realizador".
Flashes do Casé
Pelos idos de 1870, aos domingos, o pároco de Brejo da Madre Deus celebrava missas. Portanto, havia no povoado uma pequena casa de oração. Essas paragens faziam parte da Fazenda Capim, desde antes de 1833. Anos depois, (depois de 1870), os devotos erigiram uma igreja em homenagem a Nossa Senhora da Conceição. E Frei Cassiano de Comacchio, que pregava nas missas em 1881, sugeriu que o nome da comunidade fosse mudado. Tendo ao norte Jataúba, ao sul São Bento do Una, a oeste Sanharó e a leste Tacaimbó, bem no centro desses pontos cardeais nascia Belo Jardim. E ali, em 1902, nasceu Ademar.
Ademar Casé.
Pelo sobrenome talvez um sino tenha soado em sua memória. Isso mesmo, trata-se do avô da nossa conhecida e não menos prestigiada Regina Casé.
E com isso vamos aos flashes.
O pernambucano Ademar Casé, com 20 anos incompletos, integrava o grupamento militar do Recife, que foi para a capital federal em virtude do que entraria para a história como “Os 18 do Forte”, um dos episódios do Movimento Tenentista.
Data: julho de 1922.
No mesmo local e ano tinha lugar a Exposição Internacional do Rio de Janeiro, o Centenário da Independência do Brasil e a primeira transmissão de rádio oficial, em 7 de setembro.
Talvez algum poeta das estrelas, desses que não estão sujeitos ao tempo linear e que dedilham liras em nuvens cintilantes, tenha suspirado ao observar o Ademar voltar de navio para Pernambuco sem ter visto a inauguração desta mídia no país. E com certeza ruminou: “veremos...”.
Dados oficias nos dizem que Roquette-Pinto e Henrique Morize foram os precursores, tendo inaugurado – em 20 de abril de 1923, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro. Entretanto, há controvérsias...
O sofisticado aparelho era repasto de poucos e a programação reproduzia discos de grandes concertos e óperas, conferencias ao vivo, declamações de versos, algumas noticias de jornal.
A Companhia dos Telégrafos, reguladora dessa novidade que contava no máximo com 4 emissoras, decretava que as mesmas não podiam ter publicidade, pois não passavam de clubes que reuniam “amantes das ondas hertzianas”.
Alguns anos depois... no início da década de 30 o dial carioca era ocupado por 14 emissoras.
Casé já estava enraizado no Rio, vendeu rádio de porta em porta, fez o primeiro jingle (Padaria Bragança em 1932), e, na alvorada deste mesmo ano, lançou o primeiro programa de rádio comercial do Brasil, cujas transmissões foram iniciadas em 14 de fevereiro de 1932.
Sucesso imediato.
Um de seus filhos, Paulo, esclarece que dois fatores harmonicamente combinados abriram os caminhos para Ademar:
“Tudo foi apoiado na sua inteligência criativa e intuitiva. Não tinha grandes bagagens de erudição. O que ele tinha de extraordinário eram a criatividade e o caráter. Um caráter inabalável".
Arte é movimento, rádio é um trem que propaga no ar, artista é um movimentador e no meio disso tudo Casé funciona como um regente que tocou vidas sem conta, algumas inclusive impulsionou. Tipo de missão que gera notáveis depoimentos.
Vejamos Nássara.
Antônio Gabriel Nássara, carioca filho de libaneses, compositor, caricaturista, desenhista, foi vizinho de Noel Rosa, compôs uma pá de marchinhas carnavalescas, disputou concursos com Lamartine Babo e Ary Barroso e seu maior sucesso foi o tema "Alá-lá-ô”.
Nássara diz o seguinte: “para os artistas, era uma tranqüilidade trabalhar com Casé. Quando acabava a irradiação, lá vinham Ademar e a mulher dele, dona Graziella, com o dinheiro separadinho para todos nós”.
A propósito, dona Graziella, parceira de vida inteira de Ademar, se conheceram num cinema e juntos atravessaram o século XX.
Marilia Batista, nascida Marília Monteiro de Barros Batista, carioca de 1918, cantora, compositora, instrumentista, considerada uma das mais importantes intérpretes da obra de Noel Rosa (aliás, o próprio Noel Rosa foi contra-regra do Programa Casé), nos conta assim: “A primeira vez que o Casé me ouviu cantar foi durante uma apresentação no cinema Broadway, na Cinelândia. Chegou pra mim, disse que tinha gostado muito da minha voz e acabou me contratando ali mesmo. O cachê combinado era de 45 mil réis por cada apresentação no programa de domingo. Era um belo cachê, não dava nem para acreditar”.
O grande tchans do Casé foi que ele profissionalizou o esquema. E fez isso na base da intuição e do bom senso. Seu principal assistente, Silvio Salema Garção Ribeiro, cantor muito aplaudido na época, diria em entrevista anos mais tarde que o programa era de fato inovador, mesmo que seu idealizador não entendesse nada de rádio e não tivesse qualquer conhecimento na classe artística.
Ponto para ele.
Silvio fez a ponte com a classe, tirando da arquibancada para o campo Noel Rosa, Lamartine Babo, Silvio Caldas, Chico Viola, Carmen Miranda, Francisco Alves, etc. E o termo arquibancada não é tão impreciso quanto possa parecer. Abaixo, fazendo uma salada de fontes, vai uma dica da mentalidade de 1935:
“Muitos dos músicos e cantores se apresentavam, até então, por pura diversão, em festinhas, quermesses ou clubes.
Só dessa forma era aceitável que um jovem da “melhor sociedade” pudesse exercer tal tarefa. Era o caso dos rapazes do Bando da Lua, grupo que se notabilizou como acompanhante fiel de Carmen Miranda. Na primeira vez em que passou pelo microfone do Casé, o grupo se recusou a receber cachê:
"Semanas depois aceitaram o primeiro - 20 mil réis para dividir por sete - e mesmo assim porque Almirante tomou o envelope da mão de Casé e o enfiou na mão de um deles. Para torrar o dinheiro antes de voltar para casa, comeram e beberam à gorda numa leiteria da Galeria Cruzeiro e, com o que sobrou, voltaram de táxi para o Catete”.
• Ademar acompanhava cada detalhe que acontecia no estúdio.
• O grande segredo do Programa Casé eram as músicas.
• Pelos microfones do Casé passavam os maiores nomes da época – cantar ali era motivo de orgulho.
• Para Moreira da Silva, o melhor era o clima de amizade que havia no programa.
Líder de audiência nos anos 1930, reduto de novos talentos e ícone da chamada Era do Rádio, Mayrink Veiga foi fundada em 21 de janeiro de 1926.
Alcunhado "Ziegfield brasileiro", (referência a Florenz Ziegfeld, produtor teatral norte-americano das primeiras décadas do século 20), por Heber Bôscoli, que em 1941 ainda acrescentou: “O Programa Casé é a mais popular de todas as programações particulares. Já caiu no domínio publico.”
Romanceando com destaque o que já foi romanceado em livro, num certo domingo em 1942, a família reunida em volta de um aparelho de rádio.
O speaker anuncia:
“A PRA 9, Rádio Mayrink Veiga, 1220 quilociclos, tem a honra de apresentar...o Programa Casé. O mais tradicional programa radiofônico do Brasil, comemorando hoje dez anos de existência. De agora, nove da manhã, até a meia noite, os senhores vão poder acompanhar a mais incrível reunião de estrelas da música, do humor e do rádio-teatro”.
Trecho do livro “Programa Casé – o rádio começou aqui” – autor Rafael Casé, neto do Ademar).
A título de curiosidade, um dos apelidos de Florenz Ziegfeld era Criador de Estrelas. Tudo a ver com o Casé.
Com isso o rádio estava conquistado. Após 19 anos de sucesso ininterrupto, pelos idos de 1951 Casé atina qual será a próxima etapa: uma aventura chamada TV.
A TV Rio estava praticamente nas areias da praia, em frente a uma colônia de pescadores. As câmeras não podiam ser desligadas, sob pena de no dia seguinte não funcionarem, em virtude da devastadora maresia. Os estúdios funcionavam no prédio do antigo Cassino Atlântico em Copacabana.
Em algum lugar há uma frase que expressa mais ou menos assim: quem tem uma grande idéia, normalmente tem mais de uma.
Casé pensou num programa chamado “Noites de Gala”. Outra linha de pensamento exprime que ter uma idéia não basta, é preciso colocá-la para funcionar.
Nomes se juntaram nesse projeto: Sergio Porto, Carlos Thiré, Flavio Cavalcanti, Walter Clark, Murilo Neri e Abraão Medina.
Este último era patrocinador do programa e dono das "Lojas Rei da Voz" - tremenda cadeia de lojas do Rio de Janeiro nos 50 e 60, focada na comercialização de rádios, eletrolas, discos e instrumentos musicais, afinal, “Noites de Gala” era um programa musical numa nova mídia. E o sr. Medina, atento aos fluxos, sabia que naquele momento o mercado de rádio, vitrola e geladeira era de reposição, ao passo que o da TV era de implantação. Que nem o rádio nos anos 20, poucos tinham televisores nos 50.
Na opinião de Walter Clark, o custo de um programa daqueles era de pelo menos 10 vezes maior do que qualquer outro.
Quem sabe no século 22 essa fórmula caia por terra, todavia, até então, para não dizer até agora, arte necessita de um centro avante ligado ao din-din e Medina correu para Philco e Philips com uma proposta de compra de 1.000 aparelhos, desde que eles fizessem a parte deles que seria, trocando em miúdos óbvios, investir no programa.
Em 1955 plasmou-se o sucesso. “Noites de Gala” estréia com: Carlos Thiré, Tom Jobim, Vinicius de Morais, Sergio Porto, Fernando Sabino, Walter D’Ávilla, Luis Delfino, Elizeth Cardoso, etc.
Alguns “cases” do programa, que falam por si:
• O jovem cantor canadense Paul Anka teve ali inesquecível momento, sendo suas músicas uma febre na juventude brasileira.
• O pai da atriz Gloria Pires, Antonio Carlos, fazia um quadro de humor nos moldes da Escolinha do Chico Anísio. Aliás o próprio Chico fez nesse programa seu primeiro tipo na TV – um recruta do exercito.
• Na edição especial em virtude de 13 de maio, Elizeth Cardoso, Alaíde Costa, Ataulfo Alves, Heitor dos Prazeres, as irmãs Marinho, Waldemar Santanae outros apareceram com trajes de Debret reinventados por Sorensen, bamba dos figurinos. Pela primeira vez o ex-marinheiro João Candido, herói da histórica Revolta da Chibata, surge na TV numa entrevista para Alberto Guerreiro Ramos, um dos mais importantes sociólogos brasileiros. No encerramento, Flávio Cavalcanti, direto do Museu Histórico Nacional, exibe o original da Lei Áurea e a pena com que a princesa Isabel assinou.
E pensar que a TV já teve esse naipe...
Até com o Kennedy eles foram falar.
Flávio Cavalcanti tinha esse sonho: entrevistar o presidente dos Estados Unidos. Durante uma viagem a Nova Iorque a oportunidade surgiu. Ele conversou com uma amiga ligada a embaixada, que conversou com alguém do FBI, e depois de muita insistência, utilizando os equipamentos do próprio governo americano, foram recebidos por um Kennedy bem humorado e simpático, na Casa Branca.
Em meados da década de 60, advertido mais de uma vez por seu médico e com 30 anos de sucessivas, inovadoras e bem sucedidas empreitas nas principais áreas da comunicação de seu tempo, Casé deixa o cenário.
Em depoimento preservado no Museu da Imagem e do Som, ele reflete com a sabedoria dos vencedores:
“Eu procurei fazer de um sonho uma realidade, embora, muitas vezes, ficasse temeroso de um fracasso. Mas quando uma idéia nasce numa pessoa, enquanto ela não der aquele passo à frente, não vai se sentir realizada. (...) Considero que consegui dar uma pequena contribuição para a divulgação do rádio, da publicidade e das músicas popular e erudita da minha terra”.
Foi para outro plano em 1993. Mais um semeador cujas sementes vingaram de modo extraordinário.
Encerramos com duas idéias, uma delas extraída do prefácio feito por Fernando Lobo, compositor e estudioso da MPB, falecido em 1996.
“Foi no tempo, naquele tempo em que a revoada de nordestinos se intensificava cada vez mais. Saiam de seus cantos, de suas pequenas casas do interior, seduzidos pelo mar, enfeitiçados pelas coisas bonitas que viam nos cosmoramas das feiras de suas cidades. E partiam como aves de arribação, levando a cara e a coragem no matulão quase sem nada. Eram os do norte que vinham e se espalhavam por esse Rio de Janeiro, pelos 4 cantos de um mundo danado de grande, com tanta gente já trabalhando, dizendo bem não carecer de mais gente que viesse para trabalhar também”.
A outra vem de um pensamento mais universal: "Quem julga a si mesmo merecedor nato, nasceu neste planeta para não perder um segundo sequer com coisas que não lhe façam se sentir como ele realmente é - um realizador".