Nota de repúdio ao condenado no caso Assassino

Mais uma vez a velha mídia brasileira se mostra um cúmulo de insensatez em caso absurdo. Uma criança matou seus pais, que eram um da PM e outro da ROTA. Ela tinha treze anos. Tinha porque se matou sem seguida. Então, eis que hoje surgiu o grande vilão, o grande motivador do assassinato, aquilo que culminou para a conclusão da tragédia: um jogo de vídeo game.

Tudo isso porque o moleque, um mês atrás, trocou a foto de seu perfil no Facebook pela do Ezio Auditore, o protagonista do segundo jogo da série Assassin's Creed. Sabe que não é de hoje que essa imbecilidade vem sendo repetida, desde o boom nos anos 2000 e pouco com Counter Strike, até mesmo no caso do matador de Realengo, cujo culpado na época foi o Call of Duty. É tudo muito simples, o cara joga e vira um matador qualificado, simples assim.

Fato é que tudo isso se explica de diversas formas. A primeira é que todas essas pessoas que acusam jogadores... bom, elas não jogam. Não sabem do que se trata e nem se dão à curiosidade de entender. Segundo que, e esse é o mais importante, a velha - e já a caminho de se tornar ultrapassada - mídia está com medo porque tem perdido muito de seu espaço, seja em jornais e revistas, seja em televisão. O mundo mudou e as pessoas não param mais para ver televisão ou ler periodicamente o jornal recém chegado enquanto tomam seu café da manhã. As pessoas veem o que querem, na hora que querem, com o advento da internet. E, mais do que isso, a velha mídia perde espaço enquanto entretenimento pois o mercado de jogos já é bilionário e conta com milhões de jogadores no mundo todo.

Mas vamos às notícias: primeiro o G1 postou hoje esta aqui com um título alarmante. "Suspeito de matar pais PMs usa foto de game de assassino no Facebook". Como se o fato de alguém jogar - ou até mesmo simplesmentes gostar da arte, que convenhamos é ótima -, indicasse que ele poderia ser um suposto assassino. Ora, é simples, é como no caso da "Cura Gay", o título jogo chama a atenção e está armado o circo (até porque a "cura gay" jamais quis curar viadagem alguma). Então, depois de dois parágrafos, seguiu-se uma longa explicação dos fatos, das mortes, tendo o título do post como um grande chafariz como quem clama "clique em mim!". É, a mídia se interessa por vender jornal, e agora tenta se atualizar indo atrás de cliques. Quantas vezes você já não se deparou com um post do UOL ou do Terra que não tinha nada a ver com o título gritante que o levou até lá?

Em seguida o mestre Marcelo Rezende dedicou parte do programa comentando o caso, com uma versão do jogo para PS3 em mãos, e ainda por cima disse que o jogo tem sido criticado e mal recebido em vários países do mundo. Sendo que a série, que conta com um jogo por ano, vai ganhar mais um capítulo ainda esse ano de 2013 com Assassin's Creed IV. Aliás, ninguém falou sobre como é bom poder ser um pecador a vida inteira, matar tantas quantas pessoas puder, mas então se redimir porque diz que "encontrou Jesus" e hoje está curado da vida que tinha. Eu ouvi um aleluia?

É o que eu disse, as pessoas não conhecem. Eu joguei a série e nem por isso sou assassino e muito menos saio subindo catedrais pelas paredes. Outro ponto a ser retido é que é muito fácil falar mal de videogames mas ninguém diz o lado bom deles, tipo de idosos e pessoas em fase de reabilitação que jogam.

O medo leva à raiva, raiva leva ao ódio, o ódio leva ao sofrimento.

Então, vamos aos culpados de fato. A criança talvez até possa ter um distúrbio de psicopatia intrínseca, daí a culpa é do Estado que não sabe cuidar de gente assim. É o mesmíssimo caso do atirador de Realengo, o cara não era o que se considera "normal". Outra culpa é dos assassinados, os pais da criança. Está escrito na capa do disco do jogo: você não pode jogar se tiver menos de dezoito anos. Sim, o jogo tem partes de violência, o que justifica a faixa etária (mas jamais justificaria um assassinato). É como diz uma propaganda que passa pela tevê: tem coisas que o seu filho não está preparado para ver.

Falando nela, como fica a tv nisso tudo? Ah, porque ela não tem programas violentos, filmes, novelas que incentivam os "maus costumes". Ela não é inocente nisso, a criança está igualmente mergulhada num mundo que não pertence a ela. Então você argumenta: "mas essas coisas só aparecem de noite, quando criança deveria estar dormindo". É o mesmo caso da faixa etária na capa de um jogo: é só um número, mas quem fiscaliza o que seus filhos podem ver ou não? Está tudo ali. Ainda mais na tv aberta.

Armas não matam pessoas. Pessoas matam pessoas. E com videogames é a mesma coisa.

Mas o que a gente pode esperar de um país que não considera jogo como sendo cultura, que taxa videogames como sendo considerados máquinas de jogos de azar e que tem mais carga tributária num jogo do que numa arma de fogo (que nem pode ser comercializada em território nacional!)? O que a gente pode esperar de um país que não sabe se uma mídia de jogo, o disco de DVD ou Blu Ray, não decide se é um software ou um brinquedo. O mercado de games no Brasil é o quarto do mundo e olha que a gente pena e paga muito caro para ser assim. Somos o que somos sem incentivo algum, nadando contra a maré. É como se fosse quando vem uma banda grande de fora que lota estádios sem ter uma música tocando em rádios populares. Você não ouve Iron Maiden na Jovem Pan, e eles estão sempre aí fazendo shows monumentais. Nadando contra a maré e sendo grandes. Como os gamers brasileiros.

Mais ainda, videogame é entretenimento. É arte (apesar de uma certa ministra não concordar). Arte marginalizada, no sentido de deixada de lado e ignorada, mas que tem uma receita anual que supera a da indústria do cinema. Ainda assim, se o país não leva a sério seu entretenimento jogado às traças, pode-se esperar que pelo menos ele tenha outras áreas com melhor atuação. Ora, o país chuta pro lado os jogos mas ele tem bons hospitais, uma boa polícia, educação de primeiro mundo. Pois, daqui a pouco o impostômetro já vai bater um trilhão de reais. Você tem noção do que isso quer dizer? Eu escrevo em números para ficar claro o tamanho de quanto a gente paga de imposto: 1.000.000.000. O brasileiro trabalha cinco meses do ano só para pagar impostos. Bom, com tudo isso em mente, o país não leva a sério os jogos mas de resto está tudo bem, né? Né? Alguém? Alô?

Ressalto que de fato não foram só vinte centavos. Taí mais vinte para pôr na conta na próxima passeata. Não, eu não digo necessariamente em abaixar os preços dos jogos. Mas veja o percurso que esse longo texto tomou: falou-se em mídia canalha, em impostos, em qualidade de vida. Tudo isso partindo de um assassinato que teve como bode expiatório aquilo que não podia ser mais inocente.

Ser gamer no Brasil não é fácil. A gente passa por tudo isso do último parágrafo. E continua jogando.

-G-

GaP
Enviado por GaP em 06/08/2013
Código do texto: T4422708
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