A alma indígena.
Lembro-me que quando menino eu convivia com o hábito de ver aldeias de sapes no trajeto da chácara onde eu morava até a cidade. Eu tinha uma boa sensação porque ao passar pelas tribos, no nascer do dia, sentia nas narinas o cozinhar de milho que com o vento se espalhava pela estrada.
Era uma sensação estranha, porque havia um misto de medo que se apagava pela realidade nua e crua que se desenhava à minha frente, visto que lá naqueles casebres simples nada era ameaçador, porque a única visão humana era anunciada pela fumaça preta que saia em prol do desjejum.
Ali, naquele local especifico de morada eu não avistava nenhum índio. Só os vestígios deles. Talvez por isso o medo se esvaia pela distância do entreolhar que oscilava entre a falta de índio e a imaginação de um caboclo. Sempre tive a curiosidade de vê-los dentro daquele barraco, mas meu pai me aconselhava que era melhor deixá-los viver a vida deles, sem nossa interferência, porque poderíamos ser considerados como intrusos.
Assim, eu só via índio na cidade. Mesmo assim, minha atenção para eles era de interrogação porque estavam sempre se envolvendo com bebidas alcoólicas. As mulheres ficavam à espreita e cuidado dos indiozinhos. Quando eles voltavam para as aldeias o índio subia no cavalo e a índia o seguia com o indiozinho no braço. Esse fato sempre me chamou atenção, mas nunca quis contestar porque assim estaria descumprindo a ordem de meu pai de não me tornar um intruso.
É de se ver que a realidade dos índios (há meio século atrás) já era algo concreto no sentido de que a civilização não lhes fazia bem. Eles tinham suas tradições, mas só copiavam do homem branco as coisas que lhes eram nocivas, como é o caso da bebida e da sobrepujança do varão sobre a mulher índia.
Hoje é dia de índio. Ou melhor, neste dia 19 de abril de 2013 é dia de comemorar a alma indígena. Foram eles os primeiros habitantes da terra Tupiniquim. Eles foram encontrados exatamente como são hoje, sem poder de gerir a própria raça e com o avanço do progresso se tornaram joguetes nas mãos dos poderosos que buscavam a terra como fonte de riqueza. Afinal, era uma civilização atrasada que vivia nas matas e era a própria natureza que lhe servia o prato de cada dia.
Isso mudou e muito! Nos dias atuais os índios não vivem mais da terra. Aliás, nem terra eles possuem. São preservadas algumas aldeias que se confundem com áreas urbanas. Essa realidade é que os levou a serem extremamente dependentes, até porque não possuem a vocação para o trabalho, porque a alma indígena era acostumada à caça e à busca da alimentação nas matas. Uns mendigam, outros se entregam ao ócio e a bebida. Mas, em face dos movimentos de humanização da raça eles ainda sobraram em pequenas tribos, sobrevivendo com as migalhas oferecidas pelo Estado.
Assim, no apagar das luzes dessa geração temos de cuidar do que resta, embora as discussões agrárias sejam avassaladoras e por isso estão dizimando as tribos que ainda resistem. Entretanto, não podemos olvidar que o índio hoje é para nós outro setor da sociedade que se encontra excluído, como são muitos outros como é o caso dos favelados e dos chamados ‘sem terra’.
Diante desse quadro, creio que a raça indígena não tem o que comemorar, a não ser o júbilo de ter resistido na manutenção da espécie.