CARNAVAL CULTURAL
Segundo os antigos filósofos, o homem é um ser com múltiplos aspectos. Da mesma forma, podemos falar do carnaval de maneiras diversas. Alguns evangélicos fogem do carnaval, pois, para estes, é uma festa pagã demoníaca, sem nenhuma relação com o cristianismo, pois nenhum versículo da bíblia fala do carnaval. O “carnaval” seria uma herança de Sodoma e Gomorra.
Penso que já não é tempo de avaliar nosso carnaval com categorias religiosas. Para a alegria dos carnavalescos de hoje pouco importa se o carnaval tem sua origem nos cultos orgiásticos em homenagem ao deus Dionísio na antiga Grécia; se nas bebedeiras dos bacanais romanos; se começou com os tambores nas cidades e nos campos dos povos germânicos, tentando expulsar os espíritos do inverno, chamando os espíritos da primavera; se é de origem cristã medieval, com festas em que a Igreja permitia ao povo comilanças de carne, antes dos 40 dias de jejum que precedem a Páscoa, e começam com a quarta-feira de cinzas . Hoje, carnaval é simplesmente carnaval.
Aspectos carnavalescos são características das mais diversas culturas em todos os tempos históricos. Portanto, carnavais são festejos simplesmente humanos. Em todas as culturas encontramos danças, máscaras, disfarces, fantasias, transgressões da rotina diária, da vida burocratizada e racionalmente estabelecida, com renúncia à individualidade e ao papel profissional. Esta busca por alguns dias sem regras, sem etiquetas, sem “papéis” sociais, sem identidade de classe... leva as pessoas a se perderem na multidão, a assumirem com máscaras outra personalidade, talvez aquela que gostariam de ser, a dançarem freneticamente, a experimentarem desinibidamente prazeres e alegrias reprimidas em sua luta pela sobrevivência. Num carnaval do homem civilizado tudo isto pode acontecer sem excessos prejudiciais, no maior respeito mútuo, como manifestação de convivência humana alegre e feliz de descontração.
Desta forma, o carnaval é um festa com todos os ritmos, com todas as fantasias, com todas as raças, etnias, povos, classes sociais, manifestando aspectos de suas culturas, convivendo sem distâncias. O carnaval é das crianças, dos jovens, dos adultos dos idosos. O carnaval não faz distinção entre homens de fé, ateus e agnóstcos; entre ricos e pobres, entre patrões e operários, entre negros, brancos, pardos ou índios. Carnaval é uma festa multicultural, de convivência humana sem discriminações.
O Carnaval civilizado não “libera” trombadinhas, marginais, bebedeiras, desregramentos sexuais, ou qualquer outro excesso que desrespeita a dignidade de vida dos foliões. Por isto, o carnaval é uma festa que reúne cidadãos de todo o Brasil para se encontrarem na alegria. Cidadãos do mundo inteiro intercambiam suas fantasias, suas danças, sua música, sua alegria. Se o Carnaval de Pernambuco se orientar neste sentido, Pernambuco será um exemplo que os homens podem viver universalmente em paz multicultural.
Inácio Strieder é professor de Filosofia- Recife-PE.