As escolas de samba: um mundo de capitais
É certo afirmar que as escolas de samba do Rio de Janeiro estão há anos luz das escolas de outros estados. Na verdade, é preciso tirar o chapéu para essa nova geração de carnavalescos que em todo ano trazem eventos espetaculares e inimagináveis. Nos últimos tempos, por exemplo, a Unidos da Tijuca arrancou inveja, curiosidade e desespero dos seus adversários. A Grande Rio, a Unidos da Tijuca, o Acadêmicos do Salgueiro, a Vila Isabel e a Beija-Flor tem mostrado alegorias que, dificilmente não retiram o entusiasmo e o espanto do espectador.
A despeito de minha resistência a certas cópias de enredos do carnaval do Rio de Janeiro, especialmente no carnaval de São Paulo, dificilmente não vamos nos render a indústria carnavalesca que se formou naquele estado. E olha que temos carnaval muito bem feito e profissional em diversos estados do país como no Espírito Santo e em Santa Catarina. O desenvolvimento industrial e fantástico do carnaval no Rio de Janeiro, podendo errar aqui e ali, pode ser creditado a três fatores.
Em primeiro lugar, é inegável a percepção de recursos e capitais econômicos, culturais e políticos. A antiga capital do Brasil consegue, em larga medida, aparentar que, o que acontece lá, acontece cá e em todo canto do país. O Rio é uma caixa de ressonância de diversos acontecimentos e o eixo Rio-São Paulo é sempre lembrado, principalmente nas novelas e nos telejornais. De todo modo, o apoio da Prefeitura, de outras Prefeituras, do Estado, de outros Estados, do setor privado, notadamente em enredos patrocinados, e de outras fontes - que não vou me arriscar falar por aqui - são cruciais para o maravilhoso carnaval.
Em segundo lugar, é forçoso nos render a criatividade daqueles profissionais do samba. Obviamente é equívoco achar que a criatividade atinge todas as escolas da mesma forma. Mas o que foi possível ver pela TV pelo menos quatro escolas praticamente humilharam as outras em plena “covardia carnavalesca”. Não posso me referir à harmonia, tampouco à evolução. Atenho-me aqui ao enredo muito bem feito e a letra do samba maravilhoso que saíram do coração da Vila Isabel, do voo fantástico da Beija-Flor em suas alegorias e adereços, da bateria sempre bem arranjada dos Acadêmicos do Salgueiro, da ousada comissão de frente da Grande Rio e das deslumbrantes fantasias que ganharam a Unidos da Tijuca e a Imperatriz Leopoldinense. Carros bem planejados, trabalhados, artesanalmente delineados, alegorias teatrais que, de uma forma ou de outra, ganharam vida com seres humanos no interior e fora delas. É o carnaval da Unidos da Tijuca que outrora trouxe um DNA vivo em uma alegoria no corpo da escola. É criatividade que não acaba mais, apesar dos exageros que algumas cometem com as baterias e com os passes históricos do mestre-sala e da porta-bandeira.
Em terceiro e último, o carnaval industrial do Rio de Janeiro, rico e caprichoso, ainda possui como força a poderosa Rede Globo de Televisão que, literalmente massificou, reproduziu e globalizou o evento. A Globo, por vezes erra, mas acerta em mostrar este espetáculo que revela não somente nossa cultura, mas nossa capacidade de adaptação, aceitação das condições objetivas de vida de ser brasileiro, condições sempre hierarquizadas, autoritárias, violentas e sádicas. As escolas de samba do Rio de Janeiro e também as de São Paulo estão correndo atrás da visibilidade midiática, mas não podemos nos render a isso, pois as escolas de samba tanto no Rio como em outras capitais e cidades desse país, ainda tem muito a mostrar, principalmente em sua capacidade de criação de empregos, economia, símbolos culturais e sociabilidades diversas.
De tudo isso, conclui-se que ainda temos muito a aprender com o carnaval do Rio de Janeiro. Mas não creio que seria interessante copiá-los. O carnaval é composto de diversas faces e delas a criatividade é um atributo universal. E ela não está presente somente no carnaval das escolas de samba. Lembremos o festival de Parintins, cidade localizada no interior do Amazonas que, como se sabe, tem exportado muitos artesãos para o Rio, São Paulo, Vitória e Florianópolis. O interessante talvez, longe da produção em massa - própria da indústria cultural - seria os profissionais do carnaval buscarem as peculiaridades de cada região revelando enredos diversos, belos, maravilhosos e os muitos modos de fazer esta festa. Não existe somente os profissionais e o carnaval do Rio de Janeiro. É preciso deixar que apareçam outros profissionais que, longe dos apelos midiáticos, também são criativos e aptos a, pelo menos, chegar perto das ideias de uma Unidos da Tijuca, Beija Flor ou Vila Isabel.