A MEMÓRIA E A ORALIDADE POR MEIO DA ARTE NO MCP: A NOVA REALIDADE EDUCACIONAL EM RECIFE NA DÉCADA DE 1960.
Autor: Lindembergue Francisco dos Santos - UFRPE
Orientadora: Drª. Marcília Gama da Silva - UFRPE
RESUMO:
Esta comunicação tem por finalidade analisar o trabalho realizado pelo Movimento de Cultura Popular no Recife, no início da década de 1960 e em especial durante a Ditadura Militar. O material que hoje se tem para estudo sobre o MCP relata todas suas atividades de mobilização educacional, artística e estudantil e dos poderes constituídos. Quando se faz referências a esse aspecto, não podemos deixar de ser citar importantes personalidades da história, educação e cultura como Ariano Suassuna, Francisco Brennand e Paulo Freire, que estiveram como membros fundadores do evento, atuando durante o mesmo e exilados (BANDEIRA, 1997) por fazer parte do Movimento de Cultura Popular - MCP. Nos diversos documentos disponibilizados em jornais da época, prontuários funcionais da Delegacia de Ordem e Política Social - DOPS-PE disponível no Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano – APEJE, em Recife e por meio de entrevistas orais, seus relatos e memória dos participantes do movimento que ainda estão em atividade. Buscou-se por meio desse trabalho a realização de um “raio x” da funcionalidade do movimento, seu poder de agregar valores a cultura e sobretudo de educar por meio dos diversos seguimentos artísticos trabalhados pelo movimento, principal foco de estudo dessa investigação.
PALAVRAS-CHAVE: Educação, Ditadura Militar e Cultura.
ABSTRACT
This communication has the objective of analyze the work of the Movimento de Cultura Popular in Recife, in the early 1960s and especially during the Brazilian military dictatorship. The material now we has to study the MCP reports all its activities to mobilize educational, artistic and student and authorities. When referring to this aspect, we can not avoid citing important personalities in history, education and culture as Ariano Suassuna, Francisco Brennand and Paulo Freire, who were founder members of the event, during the same working and exiles (FLAG, 1997) to be part of the Popular Culture Movement - MCP. In various documents available in newspapers of this time, functional records of the Departamento de Ordem Política e Social – DOPS of the Brazilian state of Pernambuco, available in the Public Archives State Jordão Emerenciano - APEJE in Recife, capital of that state, and through oral interviews, stories and memories of their participants of the movement are already active. We tried to work through this realization of an "x-ray" of the functionality of the movement, its power to add value to culture and especially to educate through different segments of the artistic movement worked; these are main focus of this research study.
KEYWORDS: Education, Culture and Brazilian Military Dictatorship.
Introdução
Durante os anos negros da Ditadura Militar no Brasil, diversos são os relatos de história e tragédias ocorridos nos quatro cantos do país. A realidade estampada nos jornais da época como algo que era uma maneira segura e correta de implementar a ordem no território nacional, ao longo do tempo ganhou outra conotação: de repressão, desumanidade, desrespeito e tantos outros adjetivos que podem ser a citados sobre esse período. No início da década de 60 do século XX, tem inicio em Recife um movimento que vai mudar completamente o jeito de fazer educação no Estado de Pernambuco. Era o MCP – Movimento de Cultura Popular que baseado fortes interesses na mudança da estrutura educacional propõe-se a construir possibilidades em trabalhar a educação pautada no fazer artístico. Essa proposta começa a contagiar diversos seguimentos da arte, os profissionais da educação, da saúde e de outras tantas áreas que ao longo do tempo irá se agregar ao movimento. A adesão ao MCP toma proporções gigantescas. Essa adesão vai partir dos estudantes de diferentes universidades em Recife, por meio do voluntariado ao movimento. No decorrer desse texto entenderemos melhor como todo se consolidou, partindo de diversos artistas das áreas de teatro, música, pintura, escultura, poesia e os diversos seguimentos da sociedade tomando partido das propostas. O movimento cresce de tal maneira que vence as barreiras para o interior de Pernambuco e posteriormente toma conta de outros Estados.
Criação do Movimento de Cultura Popular
A criação do MCP ocorre nos governo do então prefeito de Recife, Miguel Arraes. Segundo Germano Coelho, diretor do departamento de documentação e cultura, o MCP “Não é simplesmente uma sociedade civil: é um movimento, isto é: algo em marcha, dinâmico, que recusa estratificar-se e existe para incentivar o desenvolvimento da cultura...” . Ainda na declaração do diretor é perceptível que o movimento não trata apenas de um grupo de pessoas e sim de uma coletividade em prol do bem comum.
A atuação do MCP ocorreu nos diversos pontos da cidade. Os projetos além de ser a base do governo municipal eram constituídos de um estudo procurando conhecer a realidade minuciosa do povo. Membros do movimento tidos como especialista em diversas áreas eram encarregados dessa análise que era feita na sede do movimento no Arraial do Bom Jesus, e implantação das ações ocorria de maneira próxima à população carente geralmente dos morros e alagados, principal local de trabalho e realização das ações.
Diretoria e sócios fundadores
Inicialmente o movimento vai ser constituído por cerca de 70 membros, são os sócios fundadores. Posteriormente é eleita diretoria do movimento. Entre os participantes fundadores estão grandes nomes da cultura local e hoje nacional dos mais variados seguimentos, tais como: Ariano Suassuna (teatrólogo), Cristina Tavares (Jornalista), Abelardo da Hora (Escultor), Paulo Freire (professor/educador), Germano Coelho (professor), Geninha da Rosa Borges (professora/atriz), José Cláudio (pintor), Hermílio Borba (teatrólogo), Cesar Leal (poeta), Francisco Brennandt (escultor) entre tantos outros.
Divisão Administrativa
Para o funcionamento das atividades do MCP, a estrutura administrativa era o grande diferencial. O movimento não estava pautado apenas nas ideias educacionais, culturais e de saúde. A constituição administrativa do movimento era dividida em: secretaria, setor de comunicação e arquivo, de pessoal, de material e patrimônio, de contabilidade e orçamento, de obras, núcleo de transporte, de serviços gerais e de mecanografia. Toda essa estrutura era desenvolvida de maneira harmônica e funcional, possibilitando a realização de diversas atividades. Todas as atividades desenvolvidas pelo movimento eram detalhadamente acompanhadas pela administração.
Adesão Voluntária dos Estudantes
A adesão a proposta do MCP pelos universitários era grande. Segundo relatos, em um primeiro movimento convocatório a essa classe cerca de 60 estudantes tiveram presentes, comprometendo-se de cada qual levar outros tantos em um novo encontro. Quando de sua próxima reunião estavam presentes 420 estudantes superando as expectativas da coordenação . As principais universidades da época tais como a UFPE e a Universidade de Recife, tiveram seus alunos envolvidos no apoio ao movimento. Fim de 1960 um apoio forte ao MCP é destaque na impressa, era o curso de Direito que por meio do DA demonstrava a intenção de está presente contribuindo para as atividades.
Os tipos de alfabetização
De início o movimento começa a trabalhar com educação de base, promovendo por meio das suas formas diferenciadas de ensino, educação a milhares de crianças. Em 1962 já tinha atingido cerca de 10 mil estudantes que até o momento não conhecia o lápis e o papel em sala de aula, essa atividade tinha como orientadora a professora Anita Paes Barreto. Observando a educação de adultos sob a coordenação de Paulo Freire, as atividades eram bem variadas. Os principais meios para educar essa faixa etária eram os Centros de Cultura e os Clubes de Leitura. Nesses espaços os trabalhados fluíam por meio do áudio visual, que promovia uma série de debates com os temas mais relevantes e próximos da realidade da educação. O rádio os dos braços fortes da educação do MCP passou pela fase de testes e preparava-se para ser implantado para a grande massa da população. Esse processo era acompanhado de um livro de leituras disponibilizado para os alunos do projeto. O objetivo principal dessa ramificação do movimento era difusão dessa forma de educação em todo o nordeste.
As escolas do MCP
Com a inauguração das escolas do movimento, as oficinas da prefeitura passaram a trabalhar em regime extraordinário para dar conta de todas as bancas para as primeiras escolas e as próximas que devem ser construídas posteriormente. Dentro de pouco tempo a iniciativa apoiada por todo o governo municipal de Miguel Arrais, passa a construir diversas escolas em toda a parte da cidade. A inauguração das primeiras escolas ocorreu no dia 01 de maio de 1960, conforme noticiário dos jornais. Essa iniciativa deu novo ânimo aos moradores da Cidade de Santo Amaro e de todo o subúrbio, acreditando na proposta de que em pouco tempo do grande número de analfabeto seria quase que erradicado. Ainda naquele ano o MCP inaugura mais 18 escolas primárias reforçando seu projeto de atividade de ensino e erradicação do analfabetismo. Das muitas notícias nos periódicos da época, o convite a visitação as escolas do movimento era algo recorrente. Nos jornais eram publicados os endereços, horários e atividades desenvolvidas.
Todavia, não só de alegrias vivia o MCP. Ainda no primeiro ano de sua atividade uma escola utilizada no Alto do Pascoal, foi desocupada com ordem judicial, esse ato pegou todos os membros do movimento de surpresa. Imediatamente por ordem do prefeito, o departamento jurídico da prefeitura procurou providenciar suspender a ordem judicial para retomar o funcionamento da escola, alegou o prefeito na época .
Material didático e outros
Tendo em vista o número de escolas já inauguradas em outubro de 1960, o prefeito faz solicitação de material didático ao Instituto Nacional dos Estudos Pedagógicos. Essa ajuda do Governo Federal na maioria das vezes era atendida devido à credibilidade que o movimento adquiriu em tão pouco tempo. Diversas editoras locais passaram a contribuir com a iniciativa do movimento doando livros didáticos para serem distribuídos aos alunos, a exemplo a Editora do Brasil, doou 100 unidades. Outras editoras como Agir, Nacional e Melhoramentos participaram com sua contribuição.
Dos materiais utilizados para os exercícios, que eram chamadas de lições, alguns detalhes chamavam a atenção. As lições tinham conotações políticas em suas citações. Geralmente falavam de pobreza e da situação real de cada aluno. Por outro lado muitos textos ou lições de completar, algo muito utilizado, apontavam para incentivos políticos sobre o voto, crítica a cidade, a situação das partes ribeirinhas faveladas da cidade, tais como: “O alagado é a cidade do povo”, “A ceia do povo é café com pão”, “Por que o povo de Recife mora no alagado?”, “O deputado não vota o pedido do povo”. Esses são exemplo de muitas frases encontradas nas lições do sistema de ensino do MCP. Quando não eram frases, os desenhos apontavam para o mesmo sentido. Ao longo do tempo essas provocações passou a tomar corpo e desgasta o movimento, chamando a atenção das autoridades.
Atividades culturais realizadas pelo MCP
Um dos papéis principais do movimento eram a implantação e popularização do teatro, nas mais diversas camadas da sociedade recifense. Para isso o movimento desenvolveu um plano de apresentações nos bairros da cidade. Para essa atividade o MCP contava de início com o um grupo de teatro amador, um Teatro ambulante e o Teatro do povo, além do Teatro Arraial Velho no Sítio da Trindade. Nas artes plásticas, os projetos eram ligados a coordenação do escultor Abelardo da Hora . Para isso foi criado um Centro de Artesanato e uma Galeria de Arte no centro de Recife, servia para o desenvolvimento e formação de diversas pessoas com aptidão para esse seguimento. Pelo mesmo projeto foram realizadas diversas pesquisas voltadas para a produção carnavalesca do Estado. Todavia, o MCP não ficava restrito as atividades acima citadas. Uma forma usada pelo movimento para atrair e garantir uma possível participação da população era a realização de cursos de artes plásticas gratuito. As aulas deveriam seguir o mesmo padrão das realizadas pelo escultor na Sociedade de Arte Moderna (SAM). O curso contava inicialmente com aulas de desenho intensivo que eram realizadas na sede do MCP no sítio da Trindade . O propósito dessa atividade era criar uma nova geração de artistas no Recife a exemplo do que ocorreu na SAM. Um dos maiores divulgadores das suas atividades era os festivais culturais e as semanas estudantis de cultura popular. Um das delas foi a II Festa de São João da Cidade do Recife em 1962, que além de ter como organizador o MCP, tinha como colaboradores o empresas privadas e prefeituras como a de Natal, conforme mostra o panfleto da época. Outra atividade ligada ao MCP eram as Semanas Estudantis de Cultura Popular. O evento era promovido pelo movimento e pela União dos Estudantes de Pernambuco e o Diretório Central dos Estudantes. O exemplo da terceira semana que contou com apresentações teatrais e a Orquestra Sinfônica do Recife, as atividades eram das mais diversificadas e voltadas para o maior público possível. Durante o ano de 1962, outra atividade realizada com o apoio do MCP foi à parceria do Departamento de Documentação e Cultura da Prefeitura do Recife, com o apoio do MCP para a realização de atividades de espetáculo de ballet e música erudita voltados para a população.
O MCP como modelo
Durante a realização das festas da II Semana Estudantil de Cultura Popular, Recife e o MCP receberam visitantes (estudantes e técnicos) das cidades Fortaleza, João Pessoa, Natal, Maceió e Salvador, para conhecer de peto as atividades do movimento. Todavia com o passar dos tempos e a abrangência do movimento tornou-se comum a participação de visitantes para conhecer as atividades. A repercussão tomou dimensões nacionais por meio da impressa escrita e radiofônica de todo o país.
Apoio político e de outros seguimentos da sociedade
“O Ministro da Educação e Cultura, professor Darcy Ribeiro estará em Recife no próximo dia 02 de outubro, terça-feira, atendendo a convite da Universidade do Recife (que lhe foi feito ainda quando era Reitor da Universidade de Brasília) e também a convite do presidente do Movimento de Cultura Popular.”
Essa foi uma das tantas matérias postadas nos jornais da época, onde relatava a presença da forma política em apoio ao MCP. A cada ano que passava o Movimento de Cultura Popular ganhava novos espaços e adesão dos grandes nomes da política brasileira. O próprio ministro da educação passa a tratar o movimento com atenção devida e o apoio do presidente da república, nota citada no jornal do mesmo dia. Outra instituição que declarou apoio ao movimento foi a Liga dos Servidores Municipais, que declarou na época o entusiasmo com “...as obras dos super-homens que e o Movimento de Cultura Popular ...”. Outro seguimento que passou a apoiar o MCP foram os ministros evangélicos da Cidade de Recife. Por meio de abaixo-assinados declararam o fiel apoio as atividades do movimento e se colocaram contra a oposição que estava caluniando e movendo iniciativas para denegrir a imagem e atividades do MCP. O apoio principal partia da presidência da República que mostrava todo o interesse no desenvolvimento do projeto, como fica claro no encontro entre o presidente do movimento Germano Coelho e o presidente da República João Goulart .
A criação do S.A.I.
Para alguns e pelo título do movimento, muitos acreditam que suas atividades estavam restritas a produção artística/cultural e o MCP atuava em um campo muito mais diverso. Como exemplo pode ser citado o Serviço de Assistência Itinerante (S.A.I.), que tinha como objetivo principal era garantir as assistências médica-sanitária às populações desassistidas dentro do interior do Estado de Pernambuco. Para isso realizava rastreamento dos casos de tuberculose, preparava líderes comunitários (religiosos, operários, profissionais liberais, professores, Camponeses) o grupo de vigilante sanitário, etc. Para a realização dessas e outras atividades ligadas a área de saúde, o movimento contou com a participação de um grupo de médicos do Centro de Estudos Médico-Social. O S.A.I., era constituído por dentistas, médicos, vacinador, operador de rio x, entre outros. Eles eram funcionários ligados a prefeitura e trabalhavam em regime de dedicação exclusiva. Porém como todas as atividades do MCP contavam com o grande número de voluntário, eles eram oriundos de diversas áreas da saúde dos últimos anos de seus cursos, servia como estágio. A atuação da divisão de saúde atendia em vários municípios de todas as regiões do Estado, em sistema de rodízio, sendo sua periodicidade a cada duas vezes ao ano. A deficiência de atendimento no interior era tão grande que o último médico a prestar serviço na cidade de Panelas foi em 1958, só com a chegada do S.A.I., em 1963, quase toda a população especialmente da zona rural foi atendida.
Conclusão
Sem dúvida o MCP foi um dos maiores movimentos de atividade de ensino por meio de uma diversa ramificação de possibilidades. O número de pessoas envolvidas participando atuantemente na proposta, aderindo à causa foi proporcional ao tamanho da proposta das atividades realizadas.
Mesmo encontrando muitas divergências por parte da população em especial da política opositora nas obras de Miguel Arraes e não no MCP, percebe-se uma forte confiança nas atividades. No ponto de vista comunista vemos muitos contrariando as normas da sociedade política do Brasil e das instituições de leis constituídas. Muitos de seus membros foram acusados de comunistas, presos como Abelardo da Hora e banidos do país como o próprio Miguel Arraes e Paulo Freire, retornando após o fim da Ditadura Militar. O golpe Militar de 64, o AI-5, certamente foi um dos grandes entraves das atividades do MCP, muito embora que quando o golpe ocorre o movimento já não é mais o mesmo do início da década.
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SILVA, Marcília Gama. Informação, Repressão e Memória: A construção do estado de exceção no Brasil na perspectiva do DOPS-PE (1964-1985). 2007. 264 f. Tese (doutorado em história) – Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Pernambuco, UFPE.
Jornal do Comercio de 1960 a 1964.
Diário de Pernambuco de 1960 a 1964.
Prontuário Funcional do MCP no DOPS/APEJE, Recife.
Lindembergue Santos
É graduando em História pela UFRPE
Marcília Gama da Silva
É profa. do DEHIST / UFRPE
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