DO SAGRADO AO DESNUDO: A MULHER NA HISTÓRIA E NA ARTE
Lindembergue Francisco dos Santos, graduando em história pela UFRPE
RESUMO:
Este trabalho apresentará os resultados iniciais de uma pesquisa sobre a presença feminina na história da arte. Trará um breve contexto histórico da arte e da inserção feminina como modelo e como artista. Entende-se a arte como elemento decisivo na formação dos grupos sociais e de enorme relevância para compreendermos os complexos lugares do feminino e do masculino construídos socialmente. O feminino não se manteve extático no campo da arte. A figura feminina ganhou outras proporções, saiu da cena em que era retratada e passou também a retratar sua própria história. Veremos como a história da arte encontra a figura feminina desnuda em moldes religiosos e nos tão comuns retratos do século XVIII na Europa.
Palavras-chave: Sexualidade, gênero, pintura e cotidiano.
ABSTRACT
This paper presents the initial results of a research about the presence of women the History of the Art. It will bring a brief historical context of art and female inclusion as a model and as artist. Art is understood as a decisive element in the formation of social groups and with great relevance for understanding the complex parts of the female and male socially constructed. The women did not remain ecstatic in the field of art. The female figure took other proportions, left the scene in which she was portrayed and also began to portray their own history. We will see how the history of art figure the female nude in a manner so common in religious and portraits of the eighteenth century in Europe.
KEYWORDS: Sexuality, gender, painting and daily.
Introdução:
A presença feminina na história e na arte é contada ao longo do tempo por diversas situações e acontecimentos. Como exemplo, temos a Vênus de Willendorf . Sendo uma das mais importantes referências do seguimento artístico na história. A Vênus foi encontrada na Austrália, estando hoje exposta no Museu de História Natural de Viena. Foi encontrado em um Sítio arqueológico, obra do período paleolítico, na cidade de Willendorf. A Vénus não pretende ser um retrato realista, mas uma idealização da figura feminina. A vulva, seios e barriga são extremamente volumosos, de onde se infere que tenha uma relação forte com o conceito da fertilidade. Os braços, muito frágeis e quase imperceptíveis, dobram-se sobre os seios e não têm uma face visível, sendo a cabeça coberta do que podem ser rolos de tranças, um tipo de penteado ou mesmo vários olhos.
Um passeio pela história
Uma obra de grande relevância para a história da arte é uma produção do Renascimento Nórdico, O Casamento de Arnolfini de Jan van Eyck , segundo os historiadores da arte, essa é a mais importante obra desse artista flamengo. A obra exibe o então, rico comerciante Giovanni Arnolfini e sua esposa Giovanna Cenami. Nessa obra é claro a presença da vida, quando o artista procura transmitir por meio da gravidez da esposa de Giovanni di Nicolao Arnolfini. A figura da mulher nesse período que representava apenas a constituição da família e o agregar de valores financeiros, nesse momento a mulher tem um papel “apenas” como reprodutora de filhos. Van Eyck consegue ainda muito mais do que o simples ato de pintar, onde por meio de sua riqueza de detalhes, deixa passar a serenidade e a preocupação no rosto da senhora Arnolfini. No tocante dos detalhes da obra, observa-se que por ser uma pintura concebida para a exibição doméstica, o que permitiria vê-la de perto, os detalhes se misturam com uma escrupulosidade microscópica, somente possível graças ao emprego do óleo e de enfeites especiais, como exemplos têm o espelho ao fundo da obra repleto de detalhes que passa despercebido aos olhos de muitos. Analisando a obra e o artista num contexto histórico, percebemos que nesta época aparece uma sociedade avançada com uma economia baseada nos produtos têxteis de luxo e no comércio, favorecido por sua excelente posição estratégica, por ali passavam as grandes rotas comerciais terrestres que iam da Itália e da França até o Atlãntico Norte, facilitando assim a produção e beneficiamento dos artistas da região.
Com um aspecto ainda mais presente do feminino na história da arte e nesse caso o religioso diretamente ligado aos preceitos e a vida da sociedade, Hugo van der Goes , pinta em 1476, A Adoração dos Pastores . Nesse trabalho de cunho feminino encontram-se alguns camponeses e anciões a admirar a criança que seria o menino Jesus. Os anjos mais uma vez apresentam suas características afeminadas, temos uma mulher no papel central da obra e vemos na base de seus pés flores colocamos que provavelmente seria ofertório a criança. A mulher nesse caso representa nada menos que a contextualização do aspecto familiar, da fraternidade, do amor, aonde a generosidade vai de encontro às necessidades da criança em ter e receber carinho, afeto...
Em 1485-86, é produzida a obra O Nascimento de Vênus de Botticelli , que fugiu a todas as regras de bom uso das ideias da pureza exigida segundo os preceitos da religião. O grande impacto dessa obra é causada pelo fato de que jamais um outro pintor teria realizado tamanha ousadia em retratar quase que em forma natural uma mulher. Por outro lado, quando olhamos a obra de Botticelli, percebemos tamanho cuidado com a sexualidade da figura principal. As vestimentas das figuras laterais são carregadas de elementos detalhados que tira a atenção direta do espectador, ampliando a sua observação para toda a obra.
A mais significativa das obras
Pintada em no início do século XVI, Gioconda ou Mona Lisa de Leonardo Da Vinci, representa uma das mais importantes representações artística e inclusive feminina, em toda história da arte. Carregada de mistérios e os ricos detalhes como o suave véu sobre o cabelo. Todavia, nada é mais enigmática do que seu sorriso, é a verdadeira identidade da imagem. Segundo diversos relatos e comparações, a Mona Lisa é o próprio Da Vinci que se retratou (travestido de mulher) diante de um espelho . Segundo Lílian Schwartz , que afirma: “Bastou justapor as imagens para fundi-las: as posições relativas do nariz, da boca, do queixo, dos olhos e da testa combinavam perfeitamente...” ela ainda conclui dizendo “para ela que é a maior das pinturas nada menos que o próprio mestre”. Seria a Mona Lisa o auto-retrato da alma de Leonardo. Iniciada em 1503, a obra apresenta uma das mais importantes representações da técnica do sfumato, como percebe-se de maneira sutil ao redor dos olhos. A pintura foi realizada em óleo sobre madeira, é a representação da mulher Francesco del Giocondo, estando exposta no Museu do Louvre, sendo sua maior atração. Enquanto concepção especialmente feminina, a Mona Lisa determinou um padrão para retratos futuros. O retrato apresenta o seu modelo visto apenas acima do busto, com uma paisagem distante visível em plano de fundo. Leonardo usou uma composição em pirâmide, onde a modelo surge no centro com uma expressão calma e serena.
Outro artista que trouxe grande contribuição para toda a história foi Michelangelo. Autor de grandes obras como o teto da Capela Sistina (obra de muita investigação por diversos especialistas). Ele produziu A Sagrada Família, de 1504. Sendo ele um “rival” de Leonardo Da Vinci, Michelangelo deixa transparecer em sua obra a beleza desnuda da mulher do séc. XVI, mesmo não sendo a imagem principal.
Em um período posterior, um artista pinta no início de sua carreira Uma senhora idosa cozinhando ovos, datada de 1618, ele é Diego Velàzquez . Nesta cena ele deixa clara importância da mulher na vida social da época, embora elas não tenham uma vida própria, sua presença é algo indiscutível na vida dos nobres. Mais sem sombra de dúvida a obra prima do artista é As Meninas de 1656. Nesta retratação da família do rei Felipe VI , fica clara a presença da mulher que desde criança viviam bem cuidadas e carregadas de acessórios, onde demonstrava o poder financeiro da família. Não é apenas uma cena de grupo, mais também a mostra do cotidiano da época . Pouco tempo antes, Rembrandt, pinta Mulher se banhando em um rio ou Mulher no banho . Para esse trabalho existe um grande destaque para a figura principal. Seria ela Hendrickje Stoffels, esposa do artista . Rembrandt foi o pintor das mulheres, onde boa parte de suas obras retratam a figura feminina em diversas situações de sua vida, como Betsabé no banho (1654). A figura é apresentada de maneira toda desnuda, onde a cena ao lado de seu corpo repete as mesmas características de Mulher no banho, com poucos detalhes, deixando esses para a imagem principal.
A revolução e a presença feminina
Devido aos acontecimentos da Revolução francesa, que a inspiração propicia a Eugène Delacroix um instante de a criação de um referencial da mulher na história e naturalmente na arte. Na obra A liberdade guiando o povo, que o artista procura retratar com muitas cores, cenas e costumes e rompendo as normas do conceito acadêmico artístico, quando pinta uma mulher seminua impondo a bandeira francesa. Nesta cena percebemos a presença da mulher que além de desafiadora aos costumes da época, torna-se um ícone para a história e a arte.
Mulheres desnudas pintadas
Durante toda a história da arte e da mulher em seu meio, a presença constante da religião foi um marco. Porém, nada foi tão marcante na mudança de conceito e quebra de pré-conceitos do que a presença feminina despida nas diversas cenas retratadas pelos mais célebres pintores da historiografia artística.
Característica do período barroco , as obras voluptuosas marcaram seu período. Peter Paul Rubens (1577-1640) foi um dos mais firmes artistas na produção da arte da nudez. Depois de ter estudado em diversos lugares e constituído amizades com renomados mestres da época como Velàzquez, Rubens pinta em 1613 a obra A Toalete de Vênus . Nesse trabalho o artista retrata Vênus rodeada por anjo e demônio, mas a ideia principal era a observação da figura através do espelho ao que o mundo pensava, tendo em vista que a forma do corpo feminino constituído de “excesso” de peso era o ideal de beleza para a sociedade ocidental da época. Ainda Rubens retrata a mitologia grega e a presença da mulher na obra Estupro das filhas de Leucipo (1616-17). Nessas obras acima citadas, constituíram em uma grande revolução de conceitos e pré-conceito na sociedade de então. A visão da mulher ainda era vista neste momento como um ser extremamente ligado aos seus afazeres domésticos, a procriação. As jovens que pousavam despidas eram tratadas de forma desprezível pela sociedade. Outro trabalho que chama bastante atenção por sua conduta de caráter nu foi Almoço na relva (1863), de Manet . Nesse trabalho o artista deixa transparecer a necessidade da quebra do paradigma masculino presente na maioria das obras de uma época machista, busca valorizar uma nova forma de ver a arte e a figura feminina.
As obras primitivas e exóticas de Paul Gauguin retratam diversas mulheres na Ilha de Java no Taiti, entre elas Anna de Java (1890). A figura totalmente despida em uma sala se apresenta com um macaco, esse que provavelmente representava proteção a Anna. A Dança de Henri Matisse (1909) retrata uma das cenas mais alegres da presença feminina na história da arte. Elas que brincam em círculo de nuas, representam a vida e o mundo ao seu redor, destacam-se em meio ao fundo escuro que o artista coloca no trabalho. Com essa obra Matisse quebra limites de uma sociedade que menos carregada de ideologias machistas, ainda observam certas cenas sem muita aceitação. Dois anos antes de Matisse, Pablo Picasso pinta uma de suas obras mais importantes. Les Demoiselles d’ Aviglon (1907), que rompe com várias convenções contidas na arte antiga ocidental. As figuras das mulheres de Picasso demonstravam por si só uma realidade que o mundo feminino começava no início do séc. XX a apresentar, sua independência.
Quando falamos em obras de mulheres desnudas, certamente não lembraremos de No Moulin Rouge (1892) de Henri Toulouse-Lautrec. Esse trabalho traz uma característica peculiar, embora muitas obras do artista tenham sido pintadas vestidas, o ambiente no qual elas foram retratadas remetem a nudez e a sensualidade plena. Lautrec foi o maior pintor das casas noturnas, devido a sua vida de ampla visitação aos prostíbulos de sua região. Esses ambientes representavam uma válvula de escape para seu tamanho minúsculo e aparência fora dos padrões de beleza. Mesmo sem a característica da mulher nua, as cenas reproduzidas pelo artista denotam a busca pela sexualidade.
Mulheres vestidas pintando
Sem sombra de dúvida a presença masculina na criação artística é fato concreto. Por outro lado, em boa parte da história vamos encontrar a mulher pintando. Essa “efervescência” vai se dar no séc. XIX que com artistas como Morisot, por exemplo. Seguindo a linha impressionista de Monet, mulheres como Berthe Morisot e Mary Cassatt realizaram diversas pinturas do gênero feminino, suas representações foram à realização de seu eu na forma de ver a presença da mulher na sociedade. Morisot pinta em 1891 A Cerejeira . Duas jovens na inocência do pomar colhendo frutas. O principal aspecto da obra está para a realização das formas corretas trabalhadas no momento por homem detentores da “sabedoria” artística. O aspecto da pintura apresenta o contexto social da familiaridade entre as jovens que se encontram nesse momento ligadas ao deleite da liberdade natural.
Uma das mais importantes pintoras relacionada na da história da arte, Frida Kahlo foi uma artista por natureza e devido aos seus sérios problemas de saúde conseguiu retratar a morte que a acompanhava. Ao contrário de muitos artistas, Kahlo não começou a pintar cedo. Embora o seu pai tivesse a pintura como um passatempo, Frida não estava particularmente interessada na arte como uma carreira.
Casada com Diego Rivera em 1929, a quem tinha conhecido um anão antes quando passou a integrar o Partido Comunista do México, sua produção recebeu muita influencia de seu marido. Suas obras, num total de 143, tiveram 55 com tema de auto-retrato . Na maioria das obras de Frida, percebemos a dor estampada na imagem de seu rosto ou em cenas do dia-a-dia e em seu leito de morte, retratação muito comum nos trabalhos anos próximo aos seus últimos anos de vida. Esses exemplos acima citados, nada mais são do que a expressão da realidade e liberdade buscada na sociedade ao longo da história. A maior representação feminina na obra da artista é a sua própria aparência especialmente no leito do hospital, onde passa longos meses em recuperação.
Presença feminina na arte brasileira
A pintura brasileira inicialmente começa no período do Brasil holandês com os artistas da missão holandesa nas terras especialmente de Pernambuco, como a obra de Mameluca (1641), de Albert Eckhout e posteriormente as artes prestigiadas pelo ouro das Minas Gerais ganham um novo direcionamento com os artífices, embora à arte produzida no Brasil de então, tem uma conotação predominantemente religiosa, é a produção barroca conduzindo a história da arte no país tomando novas direções. Posteriormente ganha forma com a vinda da família Real, a fazer arte ganha fôlego, a corte passa a fazer fortes investimentos. Por meio dos pintores da comitiva da Missão Artística francesa conduzida por Lebleton, onde tinha por missão principal introduzir o Neoclassicismo no Brasil e assim eliminar o barroco , grandes nomes vieram entre eles Jean Baptiste Debret , que pintou com muito afinco a cena nacional e a em quase todas as representações a mulher estava presente. Em 1898 quando pinta Gioventù, Eliseu Visconti, vindo da Europa trouxe a novidade do impressionismo, sendo ele o primeiro impressionista brasileiro. Nessa obra de Visconti a mulher é o grande feito da obra, marcante e extremamente sensual, ele consegue causar admiração e polêmica ao mesmo tempo. Um grande nome da cena nacional foi Cândido Portinari, que mesmo realizando muitos trabalhos com a imagem da cena comum da vida do povo de sua região, deixou bem presente em sua obra a presença da mulher como no quadro Café (1935), Igualmente na Europa, diversas mulheres foram pintadas e muitas se tornam artistas. No modernismo brasileiro, grandes referências da arte foram às mulheres, como Anita Malfatti e Tarsila do Amaral que participaram do movimento modernista . Tratando-se do modernismo, uma das pinturas mais sugestivas em caráter de gênero feminino, está a obra de Ismael Nery onde o artista pinta diversos nus, sendo trabalhada na tendência cubista. Uma das cenas da arte feminina brasileira é o Abaporu (1928), onde retrata a realidade da vida seca pelo sol e o cactos e a imagem humana pensativa representando a sociedade que sofre. Mas, nada passa despercebida como a imagem produzida por Lasar Segall, Mãe preta entre Casas (1927), lembrando o resquício do processo de escravidão brasileira. Atualmente das grandes referências das artes no contexto do feminino podem ser citados Francisco Brennand e Abelardo da Hora, em Recife, que mantém presente e tem a figura à mulher como referencial em suas obras de escultura, desenho e pintura.
Conclusão:
Em toda a história e na história da arte, a mulher sempre teve um papel importante papel na formação da sociedade. Nos diversos momentos e contextos sociais, filosóficos, antropológicos, histórico e artístico o gênero feminino foi marcante. Nesse momento da atual e efervescente história da mulher na sociedade, a representação desse importante seguimento da sociedade aponta para as mudanças de conceitos e perspectivas. Assim, analisando ao longo do tempo e da cronologia histórica, compreendemos hoje por meio das representações o desenvolvimento de mulher nos mais diferentes âmbitos sociais e culturais. As conquistas são cada vez maiores apontando para um futuro crescente inclusive na historiografia artística feminina. Esse “feito” pode ser muito bem representado pelas lutas de classe ocorridas ao longo da história, entre elas a da história da arte, como o movimento modernista no Brasil. E acreditando nessa efervescência do poder feminino no campo da arte, entendemos a luta pelas devidas aceitações do gênero no campo artístico.
Referências:
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PIZZO. Esníder. Rembrandt. Tradução Sheila Mazzolenis. Coleção de Arte. São Paulo: Editora Globo, 1997.
Lindembergue Santos
É graduando em História pela UFRPE
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