O FIM DO HOMEM E A ÚLTIMA HISTÓRIA
Raros são os exemplos, dentre os filósofos brasileiros, de pensadores empenhados na defesa do indivíduo. Para cada Olavo de Carvalho existem inúmeras Marilenas Chauís, e podem ser contados nos dedos de uma mão as críticas atuais à nova ditadura de costumes que assola o país: o “politicamente correto”. Talvez o mais assustador nesta patologia da cultura não seja aquilo que ela expressa, mas sim o que ela esconde.
Vivemos numa sociedade em que nada pode ser mais temido do que uma opinião independente. É necessário ajustar-se rigorosamente a todos os pseudo conflitos que a “mídia amiga” faz questão de noticiar diariamente. Assim, embora não seja evidente a primeira vista, existem opiniões prontas as quais devemos recorrer para não sofrermos a “exclusão social de nossas ideias”. Frases feitas sobre Deus, conduta sexual, pena de morte e aborto (só para citar alguns exemplos) invadem nossos computadores, telefones celulares, iPhones e redes sociais de uma maneira capaz de anular o indivíduo na mais humana das suas dimensões – a histórica.
A sociedade brasileira internalizou de maneira tão forte a “luta contra os preconceitos” que abdicou da capacidade de formar juízos “a priori”. Não existe mais valor ou tipo de vida boa, justa, ou bela cuja busca atormentava os gregos. Tudo é hoje vítima do relativismo e a ideia de testar hipóteses, importada do pensamento cientifico, tende a fazer com que toda ética contemporânea torne-se, como disse Jorge Luis Borges, um ramo da estatística. Nesse processo de abdicação da sua individualidade, o homem contemporâneo vem sendo massacrado pelos conceitos emprestados de dois discursos: o marxista e o psicanalítico. Caso eu me manifeste com pensamento independente devo ser visto como um possível “doente mental” ou como “representante de alguma elite”. Não vão faltar aqueles que pensam que vou invadir algum MacDonald's com um fuzil ou que tenho interesses econômicos sustentando minhas ideias.
Responsáveis pela relativização dos valores fundamentais à nossa civilização, Freud e Marx são perigosos para independência da filosofia pela sua capacidade de expressarem cosmovisões, ou seja, teorias que operam no domínio da totalidade . No marxismo toda atividade humana e a cultura que sobre ela se edifica são frutos da luta de classes; na psicanálise a causa é a repressão. Não existe nestes dois sistemas um espaço verdadeiro para o ato de filosofar. Explico por que, mas primeiro algumas definições: entendo “filosofar” como buscar a verdade e entendo verdade como concordância entre a razão e o seu objeto de contemplação. Se parto a priori destes princípios torna-se evidente que o ato de conhecer é produto de uma consciência individual.
Não existe conhecimento completo a ser compartilhado plenamente por que não é possível transformar toda espécie humana numa consciência única. Abordei este assunto num artigo anterior chamado A Questão da Verdade e a Obsessão pelo Consenso, mas meu objetivo aqui é outro. Trata-se de fazer um alerta para o fato de que a adesão a qualquer sistema de pensamento que explique a história “como um todo” anula o ser humano individualmente transformando-o num autômato para quem todas as causas e efeitos possíveis já foram fornecidos. As duas grandes experiencias totalitárias do seculo XX, o comunismo e o fascismo, são ricas em exemplos de prisioneiros de Hitler e Stalin que compartilhavam o fato de não terem história. Reunidos como animais, estes homens, mulheres e crianças foram vítimas de fanáticos que usaram de sistemas totais para explicar a realidade e seus males apontando soluções que habitam nossos pesadelos até hoje.
Em 1992, Francis Fukuyama acreditou que a história tinha chegado ao seu fim. Ele pensava que o capitalismo tinha superado todos os fatores e contradições capazes de justificar a emergência de um mundo socialista. Ironicamente, suas próprias teorias me parecem comprovar o contrario pois se é verdade que um dos sistemas venceu ele o fez sobre os indivíduos e não sobre hipóteses. A mensagem assustadora que fica daí é que nos confrontamos, cada um de nós e definitivamente sozinhos, com uma tarefa tão grande quanto antiga: a mudança de consciência. Seja lá o que isso signifique, ou qual o caminho para alcançar, me parece a única solução para fugir do “fim do Homem” e para não ser esta a “Ultima História”.
Porto Alegre, 3 de janeiro de 2013
Milton Pires
cardiopires@gmail.com