SEXUALIDADE: CONSTRUÇÃO OU DOM?
Há dias, estava a ler um ensaio sobre os fundamentos da sexualidade e as verdadeiras razões do ser homem e mulher, que fiquei bastante surpreendido com a sutileza e simplicidade de argumentação da autora. O artigo intitulado " A beleza do masculuno e do feminino", da jovem Engrácia é tão pertinente e a temática actual, que julguei não poder passa despercebido a quem quer que o leia; por isso, decidi, a partir dele, tirar algumas ilações e fazer algumas e importantes considerações.
Realmente, ser pessoa é uma maravilha e, sê-lo como mulher ou homem, melhor ainda; eis a completude da sexualidade humana: "Deus os fez homem e mulher (Gn 5,2), e não só para reproduzirem-se, isso também, mas, e sobretudo para doarem-se, para amarem-se, para partilharem a vida como dádiva e seus momentos, para oferecerem-se um ao outro, em fim, para que se complementem; não primeiro o homem e depois a mulher, nem primeiro a mulher e depois o homem: os dois co-existem numa harmonia tal, que sua existência não pode ser coisa melhor que dom gratuito de Deus.
Dado esses pressupostos, o que dizer das tendências que visam a ofuscar e reduzir a sexualidade humana a um simples brinquedo, a objecto único de prazer? como fruto imediato dos próprios desejos? haverá um terceiro sexo? a pessoa pode ser homem ou mulher ou ainda um pouco dos dois? a pessoa tem o direito de reverter a seu bel-prazer a sua sexualidade, mesmo que seu sexo seja por si odiado? mesmo que seus pressupostos biológico-hormonais apontam para um terrível desvio sexual? a pessoa pode decidir, em função de seu livre arbítrio, a sua masculinidade ou a sua feminilidade? realmente esse é um assunto muito complexo e que constitui-se num dos grandes dilemas de sempre, mais ainda nestes tempos chamado de modernos ou pós-modernos, onde a VERDADE é constantemente apresentada como sendo uma conquista individual que se pode alcançar de qualquer forma e por quaisquer meios, onde o relativismo impera e dita as regras do nosso existir, seja cultural, social, ético e até religioso, e onde o ser humano tornou-se e torna-se a cada dia que passa e a velocidade super vertiginosa, um SER totalmente ambíguo, desprovido de qualquer essência, de qualquer significado: realmente, nunca foi tão difícil compreender e perguntar-se sobre o ser humano, como em nossa época, dizia MARTIN HEIDEGGER, ilustre pensador moderno.
Dada a complexidade do problema, que tópicos, que chaves de leituras e consequentes soluções do problema podemos dar? também não é justo, em nome duma crença ou de qualquer convicção dizer simplismente que Deus nos fez homens e mulheres e assunto encerrado; que essas novas tendencias de desvio sexual são uma terrível doença e que os afectados devem tratar-se. O assunto é tão complexo e deve ser tratado com prudencia, inteligencia e muita caridade, e, se possível, mais caridade que inteligência, pois estas pessoas são também humanas, filhos de Abraão e destinatários do desejo salvífico de Deus.
A seguir, aponto algumas considerações como tópicos ou chave de leitura e, talvez, possíveis soluções:
1. Por ser a sexualidade e suas constantes ambiguidades uma questão tão complexa, o seu diálogo deve englobar profissionais de diversas áreas: biólogos, médicos (geneticistas sobretudo), sociólogos, filósofos, religiosos e não apenas profissionais da área jurídica, de modo a não reduzi-la a um problema unicamente do Direito, porque não é.
2. Jean-Paul SARTRE, ilustre filósofo francês, em sua obra-prima (O Ser e o Nada: Ensaio de Ontologia Fenomenológica) afirma e reafirma, desde uma perspectiva existencialista, a vocação natural e primária de todo o ser humano: construir a própria existência a partir das próprias escolhas. Logo, para esse pensador, perguntar-se sobre o homem e a mulher é perguntar-se sobre a sua liberdade, sobre duas decisões, sobre a sua condenação a ser livre. A partir desse pressuposto, muitos afirmam que, sendo as próprias escolhas o fundamento da nossa existência, é evidente que a masculinidade e a feminilidade são uma construção e não um dom, e, sendo como tal, cada um decide e escolhe o próprio sexo, a própria orientação sexual. Será isso verdade?
Que o ser humano é livre, isso é verdade e do pleno conhecimento de todos; mas, liberdade consiste em fazer qualquer tipo de escolha, seja ela racional ou irracional? humana ou desumana? certa ou errada? natural ou anti-natural? Chegados a esse ponto, o pensamento impecável de Santo Agostinho nos ilumina: Para o bispo de Hipona, antes da liberdade, temos, como dom, o LIVRE ARBÍTRIO, que é a capacidade nata de desejar e optar pelo objecto desejado. Para ele, esse dom pode ser usado para diferentes fins, sejam eles bons ou maus. Quando usado negativamente, a pessoa não é livre, mas quando, racionalmente e iluminado pela graça de Deus o usa para o bem, ela é livre; logo, para Agostinho, a liberdade consiste no recto uso do livre arbítrio.
3. Ora, se a natureza, a priori, nos apresenta dois sexos (masculino e feminino), isto no reino dos animais irracionais, como no nosso, como achar coerente, recta e verdadeira a construção da sexualidade por parte do homem ou da mulher? A minha humilde opinião é que, é necessário perguntar-se, com sinceridade e munidos do BOM SENSO e das evidências naturais, do porquê destes desvios, do porquê destas escolhas, do porquê destas e cada vez mais evasivas tendências. Tais comportamentos não serão simples caprichos? simples objectos de desejo? fruto do uso abusivo do poder da escolha? é suficiente e lícito afirmar que, se alguém tem um desvio biológico-hormonal e que tal desvio o inclina possivelmente para uma ambiguidade da sua sexualidade, isso lhe dá o direito de afirmar-se como pertencente ao sexo a que o desvio o inclina?
4. É necessário lutar contra a banalização da sexualidade, contra ideologias que reduzem o homem e a mulher a simples objecto, contra a marginalizaçõ da VERDADE. contra toda e qualquer forma de reduzir e relativisar a ética e todo o pensamento realista, enfim, é necessário buscar os verdadeiros fundamentos que consituem o ser humano ( o homem como homem, e a mulher como mulher) e lutar derradeiramente contra toda a tentativa de transformá-lo em um ser de existência sexual duvidosa, neutra.
5. É mister também, ao lado da VERDADE, fazer um apelo à CARIDADE, aliás, como ressaltava o Papa Bento XVI em sua última encíclica CARITAS in VERITATE, é impossível uma autentica verdade sem caridade e vice-versa. Deste modo, a verdade já não é um sujeito único, simples, arrogante e propriedade dos intelectuais, ela é, antes e sobretudo, verdade na caridade e, por sua vez, a caridade não se transforma em algo irracional, em sinónimo de compaixão cega, pena ou outros atributos anormais e reducionistas; ela torna-se algo mais e melhor, transforma-se em uma caridade saudável, abrangente e, portanto inclusivista, original, com plenos fundamentos, en fim, uma caridade na verdade. Tal como Paulo VI na POPULORUM PROGRESSIO identificava o desenvolvimento com a paz e esta última com o desenvolvimento -O desenvolvimento é o novo nome da paz-, a partir dos ensinamentos do Papa Bento ilustrados em sua ultima encíclica, sobre as relações da verdade com a caridade, podemos igualmente concluir que a verdade é a nova designação para a caridade e vice-versa.
Logo, os questionamentos levantados sobre a problemática actual dos desvios observados nos comportamentos sexuais, em nossas sociedades, já não é apenas uma questão isolada, unilateral, jurídica, científica ou de cunho religioso; torna-se também e sobretudo uma questão de CARIDADE, de reconhecimento e respeito pela pessoa do outro ( nesse caso, as pessoas com comportamentos sexuais duvidosos, sejam eles assumidos ou não, praticantes ou apenas tendenciosos); a aproximação a estas pessoas deve dar lugar à uma sensibilização e solidarização cada vez maior da nossa humanidade, a um diálogo Tu-a-Tu, não fictício ou de cunho conformista, mas aberto e franco, diálogo este moderado pela consideração que devemos todos ter uns pelos outros, sejamos quem formos e do jeito que formos, porém, sem perder de vista a VERDADE como pano de fundo. Enquanto isto, a pergunta relacional crucial continua a ecoar em nossos ouvidos e consciencia: " E quem é o meu próximo?" (Lc 10,29)
6. Considerações finais: Há quem afirma que a sexualidade humana é produto da liberdade e, esta, entendida em sentido relativista por parte destes, dá origem à sexualidade não como dom de um Ser Superior, que, juntamente com o existir, dota o ser humano desta grande graça (a masculinidade e a feminilidade), mas como uma construção individual do sujeito supostamente livre. Logo, desde este prisma, não existe, a priori, uma essência masculina e feminina, ou seja, o ser humano não está no mundo unicamente como masculino ou feminino, ou ainda, ser homem ou mulher é decisão individual de cada um, independentemente de suas predisposições biológico-genéticas.
Uma vez mais a liberdade é relativizada, mal interpretada, até mesmo deturpada, em detrimeto de ideologias anti-naturais e sem realismo algum aparente. A liberdade é muito mais que simples satisfação de desejos pessoais, é também reconhecer a transcendência que envolve o ser humano, em todas as suas esferas e que, por isso mesmo, não o diminui, pelo contrário, o engrandece, pois, o faz sujeito privilegiado de uma aliança de amor, entre transcendencia e imanencia, entre Criador e criatura, entre Deus e o próprio Homem. Logo, como salientava Engrácia, em seu ensaio, "Deus, em sua sabedoria infinita, nos deu uma identidade sexual: masculina e feminina. O determinismo biológico não é escravidão, mas um caminho que se abre à nossa frente para nos aproximarmos de Deus,um caminho para encontrarmos a verdadeira felicidade e nos tornarmos quem realmente somos. Deus que nos criou, nos ama e nos convida a amar. Ele nos conhece melhor do que a nós mesmos e, em seu plano de salvação, nos criou homens e mulheres para que com a totalidade do nosso ser aprendêssemos a nos amar como Ele nos ama. Ou você pensa que Deus seria capaz de errar na escolha da sua sexualidade?" (grifo meu)
Adriano Sumbavela Calimi