poderes especiais dos Sonhos
O Mistério do Mundo dos Sonhos
Manuela Nogueira
Introdução
Os sonhos são fenômenos tão antigos como o próprio homem. Não surpreende, portanto, que durante séculos muitos se tenham dedicado à sua interpretação.
Deixando de lado a simbologia popular dos sonhos —que interpreta, por exemplo, os sonhos com figos frescos como êxito e alegria, e os sonhos com figos secos como problemas—, pode dizer-se que ao longo do tempo as interpretações místicas ou sobrenaturais deram lugar aos ensaios de leituras científicas, no quadro da psicanálise. Apesar disso, os sonhos continuam a ser um campo aberto de indefinições, sujeito a enorme controvérsia.
Na época dos egípcios, os sacerdotes, que interpretavam os sonhos e faziam a sua gravação em hieróglifos, eram muito considerados, acreditando-se que tinham poderes especiais.
Na Bíblia, há cerca de setecentas referências a sonhos. Para os cristãos, talvez o mais importante seja o sonho que tiveram os Reis Magos, para não revelarem a Herodes o local onde nascera Jesus
.No tempo dos gregos e dos romanos, os sonhos eram vistos como sinais dos deuses ou das almas dos mortos. As pessoas valorizavam o contexto dos sonhos, e até os chefes militares se faziam acompanhar nas batalhas por intérpretes de sonhos, que os ajudavam a decidir a estratégia mais apropriada.
Aristóteles acreditava que os sonhos resultavam de funções psicológicas do indivíduo, e também de doenças silenciosas. Com esta atitude mostrava a grande sabedoria que o distinguiu na sua época.Os intérpretes dos sonhos ajudavam a fazer diagnósticos na medicina de então.Na antiga cultura chinesa, dizia-se que os sonhos eram uma viagem ao passado e que nunca se devia acordar uma pessoa, porque ela podia perder a alma. Por essa razão, alguns asiáticos menos esclarecidos rejeitam relógios com alarme. Certas tribos de nativos da América do Norte e do México achavam que os sonhos lhes davam oportunidade de contatar com os antepassados. Essa crença levou a Na época dos egípcios, os sacerdotes, que interpretavam os sonhos e faziam a sua gravação em hieróglifos, eram muito considerados, acreditando-se que tinham poderes especiais.
Na Bíblia, há cerca de setecentas referências a sonhos. Para os cristãos, talvez o mais importante seja o sonho que tiveram os Reis Magos, s rituais de muitos gêneros, alguns deles macabros.
Na Idade Média, os sonhos eram considerados tentações diabólicas, e as referências mefistofélico na literatura da época ofereceram matéria para muitas formas de expressão artística.
No início do século XIX persistiam as preocupações metafísicas, mas começou uma era interpretativa diferente. A ciência evoluía e as causas dos sonhos passavam a ser atribuídas a estados de ansiedade, a problemas digestivos e a acontecimentos da vida quotidiana.
Na segunda metade do mesmo século XIX, o interesse pelo estudo e pelo significado dos sonhos proliferava em livros, em conferências e em reuniões do foro intelectual e místico.
Psicanalistas e outros estudiosos debruçavam-se sobre este tema.Para um melhor esclarecimento, a título de condição necessária, abordamos primeiro o sono.
.Num sono de oito horas reconhecem-se, em geral, quatro a cinco estádios, que podem assumir duas características ou fases.
O NREM (
non rapid eye movement
) ocupa a maior parte do tempo em que se está adormir, cerca de 75%.
O REM (rapid eye movement ), a que alguns autores chamam sono paradoxal, é uma fase durante a qual há intensa atividade (observável num eletro encefalograma EEG)e é muito importante para o equilíbrio físico e psicológico. Dura aproximadamente20% a 25% do tempo em que decorre o sono. Segundo os estudiosos, ao longo das normais oito horas de sono repetem-se ciclicamente as quatro fases seguintes:
Na primeira fase (NREM), os olhos quase não têm movimento, há um arrefecimento corporal e os batimentos cardíacos são mais suaves. É a preparação para o sono; estado sonolento.
Na segunda fase (também NREM), a situação anterior é acentuada, mas ainda não se dorme profundamente. O EEG denota frequências mais lentas. Diz-se que o organismo está em reparação dos efeitos do stress do dia anterior; as glândulas endócrinas recompõem-se e entra-se em sono quase profundo.
Na terceira fase (continua-se em NREM), os sinais metabólicos estão extremamente baixos, vagarosos. Dura entre 15 e 20 minutos. É difícil acordar nesta fase.
Na quarta fase entra-se num período REM, a tensão sobe, o coração acelera, a respiração oscila erraticamente, os músculos involuntários ficam imobilizados, a função cerebral acelera e revitaliza-se.
As emoções manifestam-se (dura 15 minutos aproximadamente)
É neste último estádio que, geralmente, os sonhos aparecem.
Se o sonhador for acordado, é provável que se lembre do sonho. Mesmo quando acorda sem interferências, pode ter por escassos segundos, a visão do sonho que estava a ter ou de algum pormenor com ele relacionado. Geralmente, não o valoriza.
Há quem defenda, depois de vários estudos, que a fase de REM (quarto estádio) dá equilíbrio ao sonhador, que, se for acordado nesta fase, se sentirá irritado durante parte do dia.
Pode até mostrar agressividade, apetite em demasia, dificuldades de concentração e perda de memória. Para alguns estudiosos, os sonhos ajudam a combater o stress , a recarregar a mente e a revigorar o corpo.
Para filósofos como Sigmund Freud, Alfred Adler, Carl Gustav, Yung e Friedrich Perls – Os sonhos são um patamar de acesso à realidade do homem, uma espreita dela para o inconsciente através da qual se vislumbram misteriosos símbolos que podem ser analisados.
A ciência diz-nos que é uma interrupção da consciência, mas há quem defenda que os sonhos são a descarga necessária de desejos, medos, frustrações e ambições.
Para os espíritas como Allan Kardec (pseudônimo de Hippolyte Leon Denizard Rivail) e Djalma Ângulo entre outros, os sonhos são manifestações da alma que emigra dos corpos durante o sono, e têm uma realidade extra-física.
Sigismund Freud (1858-1939) considerado o pai da psicanálise, no livro A Interpretação dos Sonhos , pretendeu mostrar que nos períodos de sonho-inconsciência, a personalidade humana é desvendada. Desse modo, estudou os sonhos como a perspectiva de compreender comportamento humano. Defendendo que o sonho pode expressar uma libertação pela via do inconsciente, que é composto por uma linguagem simbólica, chegou mesmo a sugerir que por vezes os sonhos revelam verdades ocultas. Esta perspectiva abriu a porta a vários campos de simulação, deformação, bruxaria, etc.Freud refere-se a três categorias da mente:
Id (identidade) - centrada nos impulsos primitivos, nos prazeres e desejos, nas ambições frustradas.
Ego - respeitante ao consciente, ao racional, à moral, ao controlo da mente.
Superego-censor do Id, que também se responsabiliza pelos códigos do Ego, extrapolando o seu eu.
Quando se acorda, os impulsos e desejos do Id são controlados pelo Superego. Através dos sonhos, vislumbra-se o Id e visionam-se os desejos camuflados. Na luta entre o Id e o Superego, as imagens do sonho aparecem confusas. Ao querer lembrar-se um sonho, essa luta afirma-se, e assim se constroem estranhas imagens.
Alfred Adler (1870-1937) sustenta que há uma correlação entre o sonho e a vida. Assim, quanto mais se sonha, mais provável é existirem problemas na vida do sonhador; quanto menos se sonha, melhor é o estado psicológico. Este autor contrariou Freud ao defender que a consciência e a inconsciência se harmonizam e que a vontade e o controlo das atitudes são um processo saudável. Adler entende que os sonhos podem expressar desejos não concretizados e compensar agressões da vida real.Karl Jung (1875-1960), tal como Freud, acredita na existência do inconsciente, embora não o caracterize como anima lista, instintivo, sexual. Considera-o mais espiritual. Por essa razão, divergiu de Freud. Jung apresenta o Ego como o sentido de si próprio e como a pessoa se apresenta aos outros e ao mundo.
Na teoria de Jung, tudo pode ser visto como pares de opostos: macho/fêmea, amor/ódio, bondade/maldade.
Assim, em oposição ao Ego há o «contra-ego»ou a «sombra». A «sombra representa a parte de nós próprios que a nossa mente rejeita, é a nossa faceta primitiva, inculta, que se deseja ocultar. É talvez o «selvagem»que queremos dissimular.
Friedrich Perls (1893-1970) é o fundador da Terapia Gestalt, uma técnica para preencher os vazios do ser, e acredita que nos sonhos esses rejeitados «eus»aparecem.
Perls aconselha a que se tente dialogar na primeira pessoa com os elementos do sonho, mesmo os inanimados. É um modo de exorcizar o conteúdo dos sonhos e de reconhecer sentimentos que se deixaram sepultado e não valorizados.
Perls não reconhece uma linguagem simbólica nos sonhos.
Cada sonho é único para o sonhador, e foi a partir desta premissa que construiu a sua terapia representa a parte de nós próprios que a nossa mente rejeita, é a nossa faceta primitiva, inculta, que se deseja ocultar. É talvez o «selvagem»que queremos dissimular.
.Só um estudo aturado da posição destes psicanalistas permitiria tirar ilações mais profundas sobre matéria tão volátil como os sonhos.
Permito-me, ainda assim, avançar com asminhas conclusões, que são apenas um simples ponto de vista. Embora os estudos de Freud tenham aberto portas, considero a sua interpretação demasiado materialista. Por outro lado, concordo com Adler quando diz que há uma correlação entre o sonho e a vida; um campo onde se entra e do qual não é preciso fugir, devendo antes enfrentar-se. Foi com base nesta convicção que fundou a sua terapia. No entanto, a explicação de Jung enquadra-se melhor na forma como entendo o sonho. Jung considera que afuma via espiritual na qual o homem se escapa, e até lhe dá o nome de «sombra». A idéia de«sombra»que é o «outro eu»em eu possível, sempre me fascinou — aliás, já antes escrevi sobre este tema. Somos aquilo que vamos construindo de nós próprios e nos é grato apresentar aos outros. No entanto, há o «eu - sombra»que tenta plasmar-se em nós em diversas ocasiões e que afastamos com maior ou menor eficácia. Essa nossa «sombra»manifesta-se,protagonizando alguns dos nossos sonhos. Muitas vezes, incomoda. Esquecemos o sonho rapidamente, por efeito de um processo de rejeição, ou talvez porque o organismo esteja em défice hormonal.
Como disse no início, o sonho é um campo aberto de indefinições. A análise «científica»não explica que um sonho possa decorrer num ambiente desconhecido, que nele surjam personagens nítidas que nunca antes vimos e que o mesmo sonho se possa repetir em intervalos distanciados no tempo. Assim, porque muitos sonhos são incompreensíveis e sem qualquer sentido, há quem diga que não tem lógica.
Mas há também muitos que resultam de vivências, ou têm ligação a essas vivências, e outros que antecipam fatos da vida real(sonhos premonitórios). Por isso, apesar de vir descobrindo que a vida real nem sempre tem muita lógica, prefiro deixar em aberto a questão de os sonhos terem (ou não lógica)
Os sonhos devem ser contados no momento imediato ao acordar, quando ainda temos dúvidas sobre se o que acabamos de viver realmente aconteceu. Passados poucos segundos, tudo se dilui, como água que escorre veloz pelo ralo de um lavatório. Há pessoas que nunca se lembram dos seus sonhos, outras não os consideram, por diferentes razões. Os pesadelos ficam mais vincados na memória
Estes fragmentos que aqui registro tem um horário instável e só interessam a quem se interrogue sobre o significado dos sonhos.
Cerca de um terço da nossa vida, passamo-la a dormir e a sonhar. Mesmo quando esquecemos os sonhos, eles fizeram parte da nossa consciência ou da nossa inconsciência.
Talvez eles sejam mais importantes, embora não lhe atribuamos o relevo que merecem.
Propositadamente, não fiz leituras muito extensas sobre a origem dos sonhos.
A história dos povos, as descobertas arqueológicas, vai-nos dando a noção de tempo e de espaço.
Os agricultores têm outra imagem: são as sementeiras, as colheitas, o tempo do pousio.
Na época do meu avô, «esta quinta dava de comer a todos», «no meu tempo as meninas eram mais recatadas»... Afinal, percorremos a vida aceitando a nossa pequenez perante vários mistérios.
Os materialistas procuram atribuir os comportamentos humanos ao desempenho das células, rejeitando a existência do espírito.
Os sonhos talvez seja a sala de recreio, onde os crentes brincam com os descrentes e onde de vez em quando acontecem pesadelos. Para a descrição dos sonhos que a seguir se apresentam contribuíram as minhas avaliações e considerações e, naturalmente, os relatos dos contadores de sonhos, a quem estou muito agradecida, e sem a ajuda dos qual este livro não podia existir. Chegamos à conclusão de que o real, o sonho e as interligações são fatores que não conseguimos dissociar.