Avenida Carminha

Acompanhei parcialmente o desenrolar da novela Avenida Brasil, de João Emanuel Carneiro. Um pouco por falta de tempo e um pouco por outros motivos, não me manifestei sobre o trabalho desse autor e do elenco de atores. Acompanhei, inclusive, nas redes sociais a livre manifestação de internautas, observei também opiniões em casa e por onde andei. Juntando o acompanhamento com a minha avaliação do que assisti, resolvo agora, caso passado, falar deste tema.

Temas como os apresentados na referida produção foram tratados em alguns filmes e na literatura. E que temática é esta que esteve e continua estando em pauta? A temática que envolve os dramas humanos, especialmente de tipos marginalizados socialmente. A literatura brasileira serve de exemplo nos enredos dos romances sociais. Os assim chamados romances realistas, influenciados pelo cientificismo, carregam nas tintas da crítica social e expõem as mazelas humanas, os defeitos de caráter e desvios de personalidades ditos à luz do determinismo; o materialismo, a traição. Do Naturalismo temos, entre outras, as narrativas e os personagens de Aluísio Azevedo. Jorge Amado, da segunda geração modernista, também se insere nesta relação.

De forma alguma estou equiparando (nem para mal e nem para bem), a literatura, o texto escrito com o trabalho que se realiza no cinema ou na televisão. Sabe-se que o trabalho desses veículos, quando baseado em obras literárias, entra para a categoria da adaptação, justamente por envolver atividades, ferramentas e outros recursos muito distintos. Da mesma maneira é distinta a tradução ipsis litteris de um texto em língua estrangeira para uma versão ou adaptação, modalidades mais livres e notadamente criativas.

A respeito das manifestações nas redes sociais, em muitos casos, é lastimável perceber quantos e quantos criticam de forma oca, vazia, sem fundamento, não apenas as novelas, mas política, futebol, economia. Tem os que criticam porque veem as novelas, os que fingem não ver e os que de forma alguma veem _ o que me parece bem mais grave, pois vivem fora do mundo, da realidade e ainda se arvoram a falar do que não conhecem, isto é, sem conhecimento de causa.

O fato de a rede televisiva ser poderosa economicamente de forma alguma atrapalha o trabalho do autor e nem dos atores, mesmo que atendam a algumas exigências. Quando nas cenas das novelas surgem garrafas de refrigerantes, produtos da cosmética e fachadas de bancos, por exemplo, claro está que ali se trata de patrocínio e esta é outra questão.

Dois, a meu ver, são os momentos críticos da novela: a excessiva carga de capítulos dedicados àquela cantilena da personagem Nina em sua sede de vingança; e o outro foi justamente o contrário, o aglomeramento de tantos fatos nos últimos capítulos _ coisas de adaptações televisivas aligeiradas que empobrecem o trabalho artístico. Aquele jeito de querer bancar Deus assumido pela personagem Nina também me desgostou do ponto de vista do envolvimento da espectadora com a trama e o comportamento da personagem, mas isto diz bem do desempenho da atriz.

Por falar em desempenho, a atriz Adriana Esteves tem demonstrado sua competência, como o fez no seriado sobre a cantora Dalva de Oliveira que assisti na íntegra. Entretanto, Carminha é francamente um momento da carreira dessa moça que pode não ser por ela superado em excelência. Não nego, sempre torci no time da Carminha, talvez porque a atriz vestiu tão divinamente a sua personagem a ponto de poder subcutaneamente passar a mensagem de que teria bons álibis para justificar sua conduta não exatamente correta, principalmente por não sentir remorsos em manter-se amante de outro homem sob o teto do marido, em companhia dos filhos e de todos os componentes da família que a abraçou. Esta é uma questão moral e a moral é destruída no cerne das pessoas desprovidas de humanidade, de cidadania e vitimadas por fatos que lhes ocorreram em tenra idade. Tal acontece na vida real, aliás, tudo o que vimos, bem ou mais ou menos colocado, existe no cotidiano.

Falaram tanto sobre o personagem Cadinho viver com três mulheres, mas existem casos assim e aqui mesmo em Sergipe, em uma praia, há muito tempo, um senhor que, da última vez quando sobre ele falaram, vivia harmonicamente e amorosamente com sete mulheres. Toda a pequena comunidade daquela praia é testemunha. E tem mais, ele não admite ciumeiras. E elas o aceitam assim. E por que estranhar tanto se conhecemos exemplos até na Bíblia e, ainda, os costumes dos sultões para os quais ostentar muitas mulheres em um harém era símbolo de status? É deveras interessante que pessoas demonstrem tanta moralidade ou falso moralismo, a exemplo de outro personagem, a Doroteia, do romance Gabriela. Bem empregado os coroneis Melk e Amâncio chutarem o pau da barraca de Dodô Tanajura.

Quando tanta gente sai da realidade para a rota da ficção algo é mais que certo: o artista se mostra genial. Quando tantos se deixam levar apaixonada e intempestivamente pela crítica infundada, outra coisa é mais que certa: o consumidor não entende de arte. A grandeza da arte está em confundir e não em justificar.