Espaços matemáticos, musicais, estilos e outras viagens
A palavra "espaço" significava, originalmente, lugar. O uso frequente de gráficos analisando os vários movimentos acarretou uma generalização desse conceito, de modo que os gráficos em geral passaram a descrever "espaços". Assim, não mais apenas os lugares, mas quaisquer variáveis referidas pelos eixos de um gráfico constituem um “espaço”.
Seguindo essa maneira de descrever e analisar o mundo, podemos falar de um espaço das notas musicais, constituídos por um eixo cravejado pelas notas lá, lá#, si, dó, dó#, etc.. Relacionando esse eixo com um outro que descreva o tempo, podemos construir o equivalente a uma partitura simplificada, despojada de outras indicações, que não as notas e tempos. Indicações musicais, como o andamento, instrumentos, compassos, ou quaisquer outras que um compositor resolvesse adicionar para descrever e governar a execução de sua obra, poderiam ser inseridas no gráfico, introduzindo-se neles novos eixos contendo as indicações. Via de regra, os matemáticos possuem um instrumental imenso e versátil, capaz de descrever e analisar com precisão uma variadíssima gama de coisas.
Quando analisados sob esse pontos de vista, os vários estilos musicais adquirem certas semelhanças, de modo que as músicas de cada estilo podem ser agrupadas em decorrência de semelhanças em seus ritmos, acordes frequentemente utilizados, instrumentos, andamentos, etc. . Mas uma análise desse tipo não sugeriria, penso, a necessidade de estilos. Quero dizer, uma análise assim sugeriria que um compositor poderia se libertar de todos os estilos compondo canções bastante inovadoras, constituindo, cada uma delas, um novo estilo. Na verdade, conforme o ponto de vista que se olhe para a coisa, isso pode parecer extremamente fácil, ou difícil. Para um músico pode parecer difícil criar um novo estilo musical, mas isso só é verdade se ele está preso a certas restrições impostas pelos vários estilos, um músico matemático não precisaria se ver preso a tais restrições.
O acréscimo de outros eixos ao espaço musical esboçado acima acarreta outras formas artísticas. Assim, se acrescentarmos um eixo contendo imagens ao espaço contendo notas e tempos musicais, podemos construir um vídeo clipe. Se adicionamos as posições de vários cantores, gestuais e trajes, podemos fazer uma ópera. Também é possível adicionar um eixo contendo a descrição de movimentos corporais ao espaço musical, criando assim um balé. Não há limites para tais generalizações, exceto a imaginação. O acréscimo de outros eixos acarretaria a criação de novas formas artísticas.
Houve um tempo em que tudo isso costumava ser bastante restrito, havendo regras de conveniência que impediam a livre criação. No séc. XX ocorreram várias rupturas com tais regras, de maneira que hoje vivemos uma espécie de reverência às inovações. Como resultado, temos uma liberdade de estilos muito maior que em outros tempos, embora os meios de comunicação costumem se comportar de maneira bastante conservadora, omitindo quase qualquer inovação. Tais restrições, provavelmente, decorrem de um conservadorismo inerente à psique humana. Mesmo querendo ser moderninhos, gostamos daquilo que nos é familiar, inovações nos incomodam (embora alguns as reverenciem naturalmente).
O acréscimo de novos eixos ao espaço de todas as artes pode levar à construção de um hiper-espaço cultural riquíssimo. Penso que a nova era consistirá, em larga medida, na exploração de tais espaços. Acredito que as pessoas passarão a ter uma percepção espacial muito mais rica que as de eras passadas; perceberão um mundo muito mais rico e complexo, viverão imersas em um hiper-espaço ao mesmo tempo artístico e científico, não impedindo a inclusão nele de formas tecnológicas, atléticas, sensuais, nem de qualquer outra que a imaginação, o sonho, ou o desejo façam imiscuir no grande espetáculo, na grande obra em que se constitui qualquer vida humana.
Talvez a descoberta sutil que nos insere na nova era seja a percepção de que o mundo é aberto, de que existe uma infinidade imensa de possibilidades, e que não precisamos nos agrilhoar, nos manter cativos a formas meramente convencionais de expressão, ou de existência.