O TRAJE TRADICIONAL PORTUGUÊS
Por: Luciano Reis
O uso de um trajo é profundamente um acto de significação… logo um acto profundamente social instalado no próprio cerne da dialéctica das sociedades.
R. Barthes
RESUMO HISTÓRICO
Dentro da sociedade de cada tempo, o traje é como um índice histórico, a divulgar a originalidade e o cunho de cada povo e revela um trabalho de adaptação a algumas das formas trazidas pela estética, indústria e evolução do gosto.
O vestuário começou por ser uma preocupação de proteger o corpo dos rigores climáticos e utilizado por razões morais por o homem considerar vergonhoso o nu.
Para além da sua função de protecção, assegurada de modo variável, de uma expressão ética de pudor, de uma manifestação erótica, o vestuário remete para os sistemas culturais que significa.
Também o homem depressa adoptou uma tendência natural para o embelezamento do corpo usando no traje utilitário objectos de adorno, como penas de aves, peles, folhas de árvores, tecidos rústicos, etc. A riqueza da matéria ou o requinte na sua colocação iriam derivar em distinção de classes.
O traje é um testemunho histórico. É pois um dos sinais mais aparentes e mais directos dos grupos a que pertence e que designa. Inseparável da representação que dele temos, constitui frequentemente, a par com a habitação, o único conteúdo dele. São pois imensas as informações que nos chegaram da forma da trajar da humanidade, desde os povos do Egipto, com a sua peça fundamental Kalasiris, espécie de túnica, usada pelos dois sexos; a túnica dos Hebreus, talhada em cruz e caindo recta, usada na Antiguidade; a Chiton, Peplos ou Chlamys dos Gregos; a toga e a túnica dos Romanos que influenciaram os primeiros séculos medievais e povoam a imaginação etnográfica.
É especialmente na Idade Média que o vestuário se define como expressão de arte decorativa, evidenciando o gosto, a cultura e a economia de um povo.
O vestuário português, durante os séculos XII e XIII, o modelo era o dos reinos de Castela , Leão e Aragão, reflexo do padrão dos gostos das cortes europeias ocidentais. Usavam-se vestes compridas amplas, dissimulando a forma do corpo, ainda com largas reminiscências da moda romana. A mulher vestia, como peças fundamentais, camisa, saia, pelote e manto e nos pés, sapatos pontiagudos ou chapins de sola alta; na cabeça a esconder os longos cabelos, usava véus ou coifas. Os homens usavam túnica, sobreveste ou dolmática (de mangas estreitas) manto (capa) cobrindo as calças; calçado idêntico os das mulheres e o cabelo, curto, cobria-se com gorro ou barrete.
Durante o período áureo quinhentista o traje feminino alterou-se consideravelmente: As senhoras vestiam camisa ou vasquinha com decote em quadrado, cota de corpete justo com mangas tufadas ou golpeadas deixando ver a camisa e manto curto; os sapatos eram arredondados na ponta, feitos de tecido ou em couro; os toucados enfeitavam-se com fitas, pedrarias e tranças, usando uma grande profusão de anéis (colares e braceletes). Os homens usavam gibão curto de mangas tufadas e golpeadas, com decote; sobre o gibão, pelotes sem mangas até ao joelho ou tabardo comprido de tecidos pesados; as calças eram curtas, tufadas, com entretalhos de cetim e veludo; os sapatos eram de couro, arredondados na frente, por vezes golpeados no peito do pé; chapéu de aba revirada e recortada à frente com golpes.
A tendência para a simplificação da vida que se nota no início do século XIX, a mecanização, as facilidades de transporte, influenciam decididamente o traje.
O TRAJE TRADICIONAL
O homem é produto da terra, logo o seu vestuário, terá que reflectir algo relacionado com certos aspectos de ordem local.
Com a análise às indústrias têxteis é possível relembrar os usos e costumes dos nossos antepassados, sob o ponto de vista artesanal, acompanhando a evolução gradual dessa indústria, bem como a área das rendas, bordados e tecelagem. Este processo dá-nos ainda a possibilidade, muitas vezes, de identificar a época de determinada obra de arte ou mesmo de reconstituir uma cena histórica.
Mas de terra para terra, de região para região, o Trajo Popular Português sofreu as mais diversas variantes.
Os nossos antepassados tinham um traje específico para cada uma das actividades a que se dedicavam e daí resulta a variedade que dos mesmos ficou a existir entre nós, com maior interesse para a Etnografia. Variedade na posição da escala social e na hierarquia do seu extracto social.
O vestuário popular feminino, começa na maior parte dos casos pelo lenço da cabeça, peça com significado muito expressivo, consistindo num quadrado de tecido, dobrado em diagonal e lançado por cima daquela, com maneiras de pôr o lenço variadas e de grande significado estético. O lenço foi tido pela mulher do povo português como jóia do seu verdadeiro adorno. O costume e variedade de chapéus de feltro, de produto do artesanato, usados em alguns trajes com o lenço, são nota de registo, como em Couto de Cucujães.
Os chapéus, peça de forte adorno e de grande variedade, ficou a dever-se à evolução da forma dos chapéus verificada no final do século passado que chegou mesmo a ser fixado como modelo específico de certas terras e regiões, como aconteceu com os “chapeirões” de Ovar e Ilhavo e o chapéu de palha usado a nível das ceifas e noutros trabalhos campesinos.
A blusa, confeccionada nos mais diversos tecidos, mantinha no seu processo de arranjo um sentido do pudor, pelo aconchego ao pescoço. A saia, quando descida até ao tornozelo, tinha o mesmo sentido. A blusa foi sempre peça de apurado gosto de acordo com as condições monetárias e usada no campo do trabalho, na festa e nos cultos religiosos.
Quando a saia, a blusa ou casaquinha eram substituídas pelo vestido, estava patente a influência senhorial, nalgumas vezes motivadas pela passagem das mulheres do povo, tidas como serviçais das casas nobres.
Roupinhas, casaquinhas, casabeques e bajús, tipo de casacos muito feminis, eram normalmente utilizados, o primeiro para o trabalho do campo e o segundo e terceiro para o casamento e culto religioso.
O colete teria funcionado como peça de adorno, quando para isso eram utilizados os mais ricos tecidos tendo como complemento bonitos bordados e abotoaduras, inclusive da própria prata trabalhada.
O corpete como o espartilho, peças interiores, permitiam não só o manter do tronco como forma esbelta, mas também serviam para o disfarce dos seios.
Anáguas, chambres, a camisa e os saiotes, com rendilhas e bordados, faziam o esmero da mulher. O saiote de flanela vermelho escarlate ou azul sulfato, quando despida a saia e ensacado, foi tomado como motivo de trabalho para os afazeres do campo, da pesca e vendedeiras ambulantes.
As meias de lã trabalhado à mão, de fio da Escócia e as de lã de ovelhas e carneiros, eram utilizadas para a festa e trabalho. Estas meias foram também produzidas sem pés, como resguardo das canelas das pernas, muito utilizadas pelas mulheres do Alentejo, Estremadura e de outras regiões de Portugal, nas cores branca, castanha e preta. Por vezes introduziam nelas interessantes decorações.
Como peças de adorno e também de conforto, as mulheres utilizavam: capoteiras, capuchas, mantéus, mantilhas, véus, josésinhos, capas, capotes, lambel, mandil e xaile, este de proveniência oriental, e teve muita importância no comércio para Companhia das Índias.
Salpins, touca , coca ou biuca, eram usadas pelas mulheres de Portalegre e os biocos e rebucinhos pelas Algarvias; sacas de vekudo, bolsas de retalhos e algibeiras, serviam para guardar o ouro e dinheiro; as sombrinhas, dotadas de cabos de madeira e marfim, trabalhadas à mão, eram peças de requinte; lenços de mão, de linho ou cambraia, com bordados característicos e contendo palavras amorosas, tinham no traje aplicações várias; a rodilha ou redoiça quando utilizada na cabeça da mulher, fez parte activa da festa e do trabalho; o avental , peça muito utilitária, destinado a proteger a parte frontal da saia, teve imensas aplicações: de uso caseiro, campesino e várias profissões, foi considerado como adorno para festa e domingar; a faixa ou cinta, feita no tear, foi destinada para o ensacar da saia, muitas vezes a englobar também o avental.
O ouro foi sempre utilizado e motivo de economias alongadas em todo o País, sendo evidente o ouro nas orelhas, com brincos ligeiros, arrecadas pesadas, argolas. Os anéis, xorcas, pulseiras, braceletes, manilhas, colares, gargantilhas, alfinetes, broxes e cadeias, ficaram sempre muito utilizados, como ainda ricos e compridos cordões com vários ornamentos fizeram as delícias da mulher portuguesa, com ouro saído dos industriais de ourivesaria, a maioria do norte.
O homem embora numa situação mais simples, também tem a sua história no vestir. Adoptou chapéus dos mais variados formatos, de aba e copa de feltro e produzidos, na sua maioria, em terras de Braga e S. João da Madeira, utilizados com várias variantes, de acordo com o gosto e o ajuste à natureza do trabalho ou outros fins.
O barrete, carapuça, carapuço, chapéu desabado, gorro, boina, boné com chavelhos e o próprio chapéu de palha, foram utilizados frequentemente por parte dos homens; a camisa de linho, pano alinhado, popelineta, estopa, branqueta riscado e outros tecidos próprios de cada época, foi peça que obedeceu a diversas formas de confecção para diversas situações como o casamento, a festa ou no trabalho.
O casaco, jaquetão, nisa, rabona, jaleco e jaqueta, bem como as calças, dos mais variados feitios e tecidos, constituíam o considerado fato que havia de servir para o casamento, para o domingar, para a festa e para o trabalho; os calções que iam até ao joelho eram peças de trabalho; o colete, com diversos feitios e tecidos, era peça que tinha por base, consoante a sua execução e adornos, peça para o trabalho ou traje de festa; o gabão e o varino, usados como peça de agasalho, são documentados como vestuário utilizado pelos habitantes da Ria de Aveiro desde 1828.
A capa de honras ou honrarias de Miranda e a capa alentejana, com o seu significado próprio, podem ser vistas como peças de agasalhar e de adorno, enquanto que a capa de palha (coroça), mantas e capuchas, foram somente destinadas ao trabalho; a camiseta de flanela, camisola de algodão, cuecas com comprimento até ao joelho e ceroulas, foram objecto de trabalho, designadamente pela classe piscatória.
Os homens quando calçados, preferiram as meias de algodão ou lã. O calçado era vário consoante fosse para domingar, festa, casamento ou trabalho, usava botas de calfe preto e de atanado branco, tamancos, samancos, sócios, chalocas, chancas, sandálias, soletas, chinelos, alpercatas, sapatilhas, cloques, chiolas e abarcas.
Com adornos complementares ao traje, destacamos a bengala, bengalim, varapau, pampilho, cajado, fingueira, cocheira, moca cacete, bordão, ladra, cachamorra, guarda-sol, lenço do peito, lenço do pescoço, relógio com corrente de ouro ou prata, laço, gravata, suspensórios, alfinete de gravata, safões e polainas.
Aqui fica um humilde resumo do nosso traje tradicional português, a merecer continuação, recolha e estudo mais aprofundado e diversificado.