LUZES E SOMBRAS
Em cada período de 24 horas todas as regiões da terra entram e saem da escuridão. Nesta antinomia entre luzes e trevas, entre dia e noite se encontra a humanidade. Desde os seus primórdios, tanto a literatura como a filosofia transformaram a luz e as trevas em símbolos da constituição moral do homem. As condições essenciais para a liberdadde e prosperidade sempre foram vistas como transparentes e claras, enquanto os condicionamentos opressivos foram considerados ocultos, secretos e envoltos em sombras. As metáforas entre a luz e as trevas estão presentes em toda a literatura mundial, e assumem uma crucial oposição na poética, na mística e nas religiões, onde Deus, o criador da luz, e Lúcifer, o príncipe das trevas, travam uma batalha apocalíptica. Na antiga Grécia, Zeus era o dominador do caos, e Diz o deus da morte. Estas representações não são apenas antropológicas ou teosóficas, mas a filosofia, a psicanálise e a ficção nos informam sobre a natureza dupla da personalidade humana. As categorias do bem e do mal acompanham inexoravelmente a humanidadde, e estão presentes em todos os seus projetos.
O filósofo René Descartes propôs uma filosofia com ideias claras e disitintas; os iluministas queriam uma história com a Idade das Luzes derrotando a Idade das Trevas. Mas a razão humana jamais conseguiu estabelecer uma divisão indiscutível entre atividades sociais e políticas luminosas e sombrias. Em toda parte descobrimos sombras, mais ou menos intensas, cobrindo as livres iniciativas do espírito humano. Interessante é que, ainda no início deste Terceiro Milênio, uma enormidade de iniciativas humanas mostra o claro-escuro confusamente misturado. Nem mesmo as nações, tidas como livres, são totalmente livres, pois em seu interior se abrigam núcleos de opressão e obscuridade. Na maioria das sociedades verificamos uma tenebrosa mistura de luzes e trevas. E nesta mistura somos levados a mover-nos existencialmente. Vejamos apenas algumas manifestações deste claro--escuro misturado. Nas religiões, encontramos alguns líderes que mais parecem agentes das trevas, verdadeiros charlatães; na política, esquerdistas se travestem em direitistas, e direitistas em esquerdistas; liberais-capitalistas prometem uma política social, e socialistas assumem o capitalismo. Governos prometem beneficiar a população, mas tiram benefícios sociais dos cidadãos; agentes de segurança se transformam em agentes de insegurança, assim policiais se tornam homicidas. Mesmo aquelas propostas, que parecem transparentes, escondem nos bastidores muitas obscuridades. O avanço da tecnologia e da ciência parece liibertar os homens de seus medos, de suas angústias e superstições, mas, pelo contrário, muitos neste mundo desenvolvido vivem em contínuo sobressalto. Com tanta ciência e tecnologia as luzes e sombras continuam misturadas. A energia atômica, a astronáutica, a eletrônica, a informática e a genética são, sem dúvida, luminosas conquistas da humanidade. No entanto, quantos perigos e temores suscitam para o homem! Assim poderíamos continuar a citar muitos outros aspectos luminosos e obscuros na realidadde humana. A medicina progride admiravelmente, favorecendo a luz da vida, mas, por outro lado, caminhamos inexoravelmente para as trevas da morte biológica.
Será que as filosofias e as teologias são capazes de projetar mais luz nesta mistura de luzes e trevas, que acompanham nossa existência? Com certeza. Mas, para que isto aconteça, é necessário um grande esforço para entender a realidade com pensamento crítico. Também neste Terceiro Milênio os filósofos ainda terão muito que filosofar. Filosofe você também!
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Inácio Strieder é professor de filosofia - Recife/PE