Sobre visões partidas ou porque não sou espírita
Foi provavelmente por meu pai não ter sido um político, nem mencionar o valor deste ou daquele partido, que minhas motivações a experiências políticas partidárias não existiram.
Apesar de alguns colegas de infância e adolescência terem tomado partidos, a não ser pelo fato de que nasci "partidário" de uma família, e não de outra, não tive participações em nenhum dos muitos partidos políticos que, depois do ARENA e do MDB, se multiplicaram e se multiplicam em solo brasileiro.
Ao mesmo tempo, minha inevitável formação espiritualista cristã familiar, como outras, me ensinou que nós todos somos um com “Deus” ou, mais justamente, em “Deus”.
Não sei o que a maioria dos crentes em Jesus Cristo, em sua ressurreição e suas promessas sabe hoje o que significa a expressão “Jesus no coração”. Quanto a mim, penso que tenha descoberto em leituras bíblicas, e nas sensações que me provocaram que, quando nos compreendemos, todos, como manifestações múltiplas de uma mesma Vida eterna, absolutamente dependentes de sua força inevitável, não há porque considerar mais sensato o valor de repartições em detrimento daquilo que, Vida, razão de nossas vidas, é completa em si mesma num integridade cósmica que, considerando os melhores princípios éticos humanistas, deveríamos todos filosófica, artística, cultural, política e socialmente imitar e representar.
Entre partidos religiosos, por exemplo, o Espiritismo segue na consideração das possíveis repartições do Espírito mesmo em seu mundo espiritual.
Como se já não bastasse ter-Se Ele partido e repartido a possibilidades de Suas infinitas manifestações nos múltiplos planos de Sua dimensão física, na dimensão espiritual dos espíritas, mesmo considerado um "outro" mundo", o "Lar" deles assemelha-se em tudo a formas e dinâmicas da administração de nosso mundo social terrestre!
O filme "Nosso Lar" retrata bem as correspondências ideológicas existentes entre o mundo que conhecemos e o mundo espiritual que os espíritas imaginam poder existir em algum lugar pós-vida terrestre.
Quando todas as grandes filosofias religiosas pregam que, para que possamos “conquistar o céu” (o “Paraíso”, o “Nirvana”, a “Libertação”, a “Salvação” etc.) será preciso, fundamentalmente, morrer para nós mesmos – num primeiro vital essencial exercício à conscientização do desapego absoluto que, inevitavelmente, nos promove a morte do minúsculo eu histórico que pensamos por um momento ser sobre este mundo e poder ser em próximos – os espíritas, entre outros cultores do Sagrado, transferem os valores da Terra para seus céus a partir do desejo de conservação de suas individualidades históricas, de suas personalidades, de suas máscaras sociais, daquele ou daquela cuja aparência e essência eles creem poder ser preservada e vivida num “mundo espiritual” a partir da conservação milagrosa (sic) de certas memórias daqueles seres que estiveram sendo quando encarnados.
Além disso, os espíritas querem também reencontrar no Lar deles aqueles com os quais conviveram na Terra: pais, mães, filhos, filhas, esposas, amigos e amigas íntimas numa demonstração de que, como outros crentes, compreenderam mal Jesus quando afirmou que, apesar de ser reconhecido como “Jesus”, ele também era seu Pai e, consequentemente, aquele menino que passa fome e a quem devemos alimentar, sendo o Pai dele, consequentemente, também nós mesmos e nós, inevitavelmente, Ele - embora não ainda Seu desejo de que o reinado a administrar os bens da Terra de forma justa fosse realizado em amorosas parcerias “assim na terra como no céu”.
A despeito de seus apegos familiares, entretanto, há no Espiritismo – religião que, entre outras, defende a existência da reencarnação – a demonstração da consciência de uma “Suprema Personalidade” espiritual regente (como prefere classificar a persona divina os devotos de Krishna) em suas representações familiares espiritualistas.
Quando, por exemplo, nesta vida, por questões cármicas (ou, melhor dizendo, por causa de débitos existenciais que contraímos e saldamos em nossas consecutivas relações), será possível que, como sugere o filme "Amor além da vida", nossa mãe tenha sido espiritualmente nossa filha, com quem, em outra vida, ficamos devendo um acerto de contas afetivas.
No processo, pode ser mesmo que nossa tia tenha sido nossa vizinha em outra existência, um amigo, uma sobrinha ou, melhor ainda, um inimigo, a quem devemos agora amar e perdoar a fim de que conquistemos nossos créditos nesta vida a melhor qualidade de vida numa próxima.
Dessa forma, a despeito de suas visões estreitas sobre as capacidades de manifestações vitais da Vida (como de resto a visão da maioria dos religiosos deste e de outros mundos), o Espiritismo confere certa transcendência à visão que temos das burocráticas relações familiares estabelecidas – assim como as tantas exclusões que promove – a pretender tornar a Vida, para nós, finalmente, tão íntegra quanto naturalmente sempre foi para si mesma.